2 de outubro de 2010, 18 anos do massacre do Carandiru.
Da Casa de Detenção sobraram uma muralha e ruÃnas do que seriam solitárias (antônimo do “sonho dentro de um sonho”, de Alan Poe, são o espaço da brutalidade dentro da brutalidade) do Carandiru II, jamais construÃdo, mas certamente existente. O presÃdio que chegou a ser o maior da América Latina foi desativado e demolido, virou parque, Parque da Juventude. Mas é fundamental que não esqueçamos o que aconteceu ali, como bem disse Julia Neiva, uma das convidadas para a conversa “linhas de fuga: a mémoria, a cidade e a prisão”, realizada pelo Grupo do Trecho neste último sábado, véspera de eleição. Além de Júlia, estiveram presentes os antropólogos Adalton Marques e Karina Biondi, o sobrevivente Luiz Alberto Mendes, o rapper Pixote e o grupo Ca.Ge.Be.
Atualmente trabalhando na penitenciária feminina do Butantã, Km19,5 da Raposo Tavares, o Grupo do Trecho disputa espaço com empresas interessadas em trabalho escravo das presas e um sistema prisional desinteressado por qualquer coisa que possa humanizar essa vingança desumana chamada prisão. Buscam, vejam só vocês, “criar a partir da prisão”. Antes da conversa, apresentaram um pouco desta caminhada, numa intervenção encenada nas ruÃnas do antigo presÃdio mas construÃda sobre as vivÃssimas ruÃnas de um paÃs que tem a terceira população carcerária do planeta.
Aprisionada em um pequeno quadrado, sob as ordens monocórdicas de uma voz eletrônica e apegada a uma caixa onde guardava os restos de uma vida que passa em compasso de espera, a personagem da intervenção trouxe aos espectadores um pouco da angústia de um exÃlio como esse, muito bem descrito na música Como vai seu mundo? por outro sobrevivente, o rapper Dexter: “Grades de ferro, chão de concreto/ Na prisão tudo é quadrado do piso até o teto/ É desanimante, é feio, é triste/ Rouba a sua brisa, só quem é resite/ E não desiste. resiste, enfrenta a batalha/
Violenta é a vida no fio da navalha”.
Da angústia da cena à angustiante busca por saÃdas, soluções, alternativas, justiça. Justiça? A conversa nos trouxe Luiz Alberto, mais de 30 anos atrás das grades, mostrando algo entre a ausência de polÃticas e as polÃticas de ausência aos quais estão submetidos centenas de milhares de homens e mulheres hoje no Brasil e no Mundo. Justiça? Adalton Marques se perguntou sobre a possibilidade de algo próximo a isso, obviamente elaborado fora do sistema judiciário, relembrando também um pouco da história do massacre de 18 anos atrás. Karina Biondi também trouxe reflexões sobre esse olhar acadêmmico que enfoqca não a prisão mas os presos, mostrando que toda repressão tem reação: ao encarceramento em massa os presos respondem com o PCC, e lembrou como não faz sentido o discurso da “falta de Estado” para explicar problemas de Direitos Humanos quando as cadeias são o local com maior presença do Estado possÃvel. Julia Neiva mostrou como nem mesmo as leis existentes são cumpridas de modo a melhorar as condições nos presÃdios, contando a situação catastrófica das cadeias no estado do EspÃrito Santo, onde há pouco tempo havia pessoas encarceradas em contâineres.
Após as falas dos convidados, um debate muito interessante, com questionamentos sobre justiça, poder, educação, Estado, mÃdia, futuro, presente, PCC, violência. E depois ainda rolou um som do pessoal do CaGeBe. O DAR disponibilizará em breve alguns vÃdeos do evento, fiquem ligados. O Grupo do Trecho está de parabéns, não só pelo evento mas por seu corajoso trabalho, questionando a invisibilidade deste setor infelizmente cada vez maior da população. Um importante passo para pensarmos os caminhos para a construção dessa liberdade cada vez mais urgente e necessária. Se “perguntando caminhamos”, como dizem os zapatistas, certamente andamos bastante nesta tarde, na busca não necessariamente por respostas, mas pelas perguntas corretas.