As batidas policiais realizadas em domicÃlios do Complexo do Alemão desde ontem provocaram revolta de muitos moradores que tiveram portas arrombadas, objetos pessoais revirados e foram vÃtimas de saques. Sem mandados de busca para as 30 mil residências do conjunto de favelas da zona norte do Rio de Janeiro, a polÃcia alegou que só procuraria armas, drogas e criminosos em locais onde sua entrada fosse autorizada, mas parte da população denunciou a invasão indiscriminada pelas forças de segurança.
Moradores que deixaram as favelas devido aos tiroteios contam que voltaram para casa e perceberam que haviam tido pertences roubados. Testemunhas relatam que ladrões aproveitaram o arrombamento das portas feito pela polÃcia para invadir as casas.
A Constituição proÃbe a entrada em qualquer domicÃlio sem autorização do morador ou mandado judicial, exceto em caso de flagrante delito. A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio (OAB-RJ) informou que acompanha as operações no Complexo do Alemão com o objetivo de evitar excessos das autoridades policiais, e cobrou o cumprimento da lei nas buscas realizadas nas casas.
“De fato, esta é uma situação de crise, em que criminosos podem estar escondidos em residências, mas a lei tem de ser respeitada”, afirmou o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous. “Apoiamos a operação, mas ela deve ser feita, em todos os momentos, dentro do que manda a Constituição e a lei.”
As forças policiais envolvidas na operação cumprem apenas mandados de prisão contra traficantes considerados foragidos, mas informaram que as buscas realizadas nos domicÃlios das favelas serão feitas conforme a legislação. “As casas são (investigadas) em condição de flagrante ou com a própria concessão do morador. Essa é a regra”, disse o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, em entrevista coletiva de ontem.
Apesar da determinação, moradores de diversas comunidades denunciam que policiais teriam invadido suas casas enquanto elas estavam vazias. “Quando cheguei, a porta estava arrombada e o computador e um ventilador haviam sumido”, conta um pedreiro, morador da Favela da Grota, que não quis se identificar. “A polÃcia deveria esperar o morador chegar antes de entrar.”
O presidente da OAB-RJ orientou os moradores do Complexo do Alemão a colaborar com os policiais e facilitar a operação. “Uma vez que a própria população daqueles locais apoia a operação policial, se o policial se apresenta educadamente e pede para entrar no domicÃlio, se as pessoas não se sentirem constrangidas, é melhor que colabore”, afirmou Damous.
O contato inicial de uma população carente – que há anos vive refém de traficantes sanguinários – com a polÃcia que chega representando o Estado provocou as mais distintas reações na Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio de Janeiro. A sexta-feira foi de calmaria absoluta nas ruas. Ninguém foi obrigado a ficar dentro de casa rezando para que uma bala perdida não atravessasse a parede. Crianças jogavam bola e corriam de um lado para o outro. O comércio estava todo reaberto. E sem os criminosos ali, os policiais também caminharam tranquilamente e revistavam tudo o que queriam dentro da favela. Alguns abusos e uma boa dose de descaso, entretanto, geraram protestos dos cidadãos.
Um exemplo absurdo virou registro de furto na 22ªDP (Penha). O representante de vendas e pastor evangélico Ronai de Almeida Lima Braga Júnior, 32 anos, saiu de sua casa, na rua 16, por poucos minutos. Foi tempo suficiente para que alguns policiais invadissem e destruÃssem o local.
“É revoltante! Venham aqui na casa do meu irmão para ver o que fizeram. Era o sonho de comprar uma casa fora daqui e roubaram todo o dinheiro dele”, repetia, revoltada, Silvia Almeida.
Funcionário de uma empresa por dez anos, ele somou o dinheiro que guardou com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que recebeu há poucos dias e se preparava para levar os R$ 31 mil à Caixa Econômica Federal na parte da tarde. Não deu tempo. Quando chegou em casa, alertado por vizinhos, Ronai viu seu sonho evaporado.
Para a delegacia, ele levou os comprovantes do pagamento do FGTS. Eram três – nos valores de R$ 5.300, de R$ 10.520 e de R$ 4.729. “Até o momento, não fomos notificados de nenhuma apreensão de dinheiro. Então, vamos investigar quem pode ter sido o autor”, explicou a delegada Márcia Beck, titular da 22ª DP (Penha). Vizinhos acusam um policial que usaria farda preta, com o nome de Carlos e o tipo sanguÃneo A positivo marcado no colete.
Perto dali, Rosinéia Santos, 28 anos, funcionária de um restaurante, reclamava de seu computador furtado. Mas nenhum outro registro de ocorrência foi feito. A principal reclamação dos moradores, na verdade, era em relação à Light, que durante horas alegou não ter segurança para entrar e consertar o problema de falta de energia. Foram quase 24 horas sem luz. “Perdi o feijão todo que havia feito. E muitos remédios de criança e comida estão estragando”, dizia uma moradora.
VÃdeo de morador denunciando que a polÃcia da paz lhe roubou 31 mil reais
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