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Janeiro 17, 2011

Carregando pedra

Este texto é uma reflexão do Coletivo DAR com base nas experiências que temos passado trabalhando em conjunto com a ONG de redulão de danos Centro de Convivência É de lei, que atua no centro de São Paulo.

Carregando pedra

Coletivo DAR

“Os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar sem descanso um rochedo até ao cume de uma montanha, de onde a pedra caía de novo, em consequência do seu peso. Tinham pensado, com alguma razão, que não há castigo mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança.”

– Albert Camus

Rua Helvetia, centro de São Paulo, próximo a estação Júlio Prestes, ao lado de um quarteirão demolido, começa a surgir a verdadeira Nova Luz, que ainda tem muita da velha. Expulsos de algumas áreas tradicionais de uso, cerca de 200 pessoas se juntam no último quarteirão da rua para a formação do que convencionou-se chamar de cracolândia. Lá, existem muitos mais policiais que agentes de saúde, redutores de danos e assistentes sociais.

É a quarta-feira que se segue à ação policial nos morros cariocas, que deixou um saldo nefasto e um cheiro de podre que começa a subir. Em São Paulo, as forças de segurança tem que mostrar serviço, qualquer que seja. Começa assim, mais um jogo de gato e rato.

Na semana anterior, três redutores de dano do É de Lei foram vítimas de um enquadro arbitrário da Polícia Militar ao registrar abusos das forças da lei com uma câmera. Uma viatura resolveu se aproximar e abordou a equipe. De forma agressiva e em ponto de bala, fez os dois agentes de saúde (patrocinados pelo Ministério da Saúde) apoiarem as mãos contra as paredes e fizeram um longo interrogatório, recheado de ameaças veladas.

“É frustrante. Nós vamos ao campo para fazer trabalho de saúde e temos que ficar fiscalizando violações de direitos humanos”, conta um deles. Em alguns dias, o trabalho fica realmente impraticável, como foi o caso desta quarta-feira.

Ao chegar pela Alameda Dino Bueno, próximo à rua Helvetia, vemos a ação da Polícia Civil ao expulsar uma nova concentração de usuários de crack que se formava por ali. Saem quase todos e sobra uma pilha de lixo, rodeada por moscas e duas pessoas que as cutucam com varetas para tentar achar algo de interesse. Enquanto isso, uma oficial da Polícia Civil vem conversar. Sim, conversar.

Conta sobre o cotidiano daquele lugar, no qual faz turno. Da dificuldade de estabelecer ações não repressivas. Da diretriz da Guarda Civil Metropolitano de remover as crianças de lá à força. “Não dá certo, os meninos não vêm e se vêm, fogem depois”. Se mostra interessada no trabalho do É de Lei e passa os contatos. Mas logo atrás dessa conversa, interrompida abruptamente, começa a chegar a cavalaria da PM.

Seguimos a tropa que entra na Helvetia e começa a expulsar as pessoas que lá estão. É proibido ficar parado, ficar aglomerado. Sobra apenas uma senhora que se auto-intitula de Dona Maravilhosa e faz graça com os policiais. Todos que antes estavam na Dino Bueno e agora estão na Helvetia e começam a migrar. Pegam a primeira a direita, depois a primeira a direita, em seguida a primeira a direita e por fim, a primeira a direita e começam a se restabelecer no mesmo lugar que foram expulsos quinze minutos antes.

Todos estão ouriçados e o movimento comum começa a se restabelecer, menos o batuque tradicional que foi desfeito e demora um pouco mais para se articular. É hora do uso, hora da troca. É muito difícil estabelecer um diálogo, pois a função, naquele momento, impera. E é um momento fugidio: 15 minutos depois, após alguns enquadros específicos, a cavalaria volta e só falta gritar: Branca! Branca! Branca! Leone! Leone! Leone!1

Pouco antes, nas Rua dos Gusmões a equipe vinha fazendo seu trabalho de redução de danos até que chegou ela, a “loira”, como nos avisaram os lá presentes. Uma viatura se aproximou com volúpia e um homem foi enquadrado, enquanto a aglomeração debandava para a movimentada Sta. Efigênia. Mas sem problemas. Na volta do campo, todos já estavam restabelecidos.

A questão do crack em São Paulo é uma metáfora apropriada para a atual situação da guerras as drogas: um trabalho custoso, burro e duro, incapaz de enfrentar as verdadeiras problemáticas do uso de drogas, gastando muito mais energia em repressão do que em cuidados e sem entender as dinâmicas que cercam esse campo. Enxugando gelo, a política é definida pelos deuses, do alto de seus olimpos, relegando aos pobres sísifos a tarefa de tocar algo sem sentido, absolutamente enlouquecedor e que só danifica quem está lá no dia-a-dia, independente do lado da batalha.

É necessário pensar o trabalho em uma nova chave, aliando a legalização das drogas com redução de danos e o esforço de descobrir novos caminhos, que não passem pela violência institucional, que garantam direitos para o usuário, inclusive, o de ficar parado e usar sua droga e o de ser considerado um igual, gente de direito.

O trabalho de saúde e redução de danos, assim, é também um trabalho de Sísifo, mas que tem sentido. Carregar a rocha do crack, a pedra, o bloco, pode ter novas significações e uma percepção mais emancipada, dignificando e dando sentido ao esforço que reside em reconhecer a soberania de cada ser humano em buscar seus caminhos, e também na generosidade de saber oferecer o que for preciso.

Por fim, fica a conclusão de Camus ao fim do ensaio que batiza a epígrafe deste texto:

“Não descobrimos o absurdo sem nos sentirmos tentados a escrever um manual qualquer da felicidade. “O quê, por caminhos tão estreitos?…” Mas só há um mundo. A felicidade e o absurdo são dois filhos da mesma terra. São inseparáveis. O erro seria dizer que a felicidade nasce forçosamente da descoberta absurda. Acontece também que o sentimento do absurdo nasça da felicidade. “Acho que tudo está bem”, diz Édipo e essa frase é sagrada. Ressoa no universo altivo e limitado do homem. Ensina que nem tudo está, que nem tudo foi esgotado. Expulsa deste mundo um deus que nele entrara com a insatisfação e o gosto das dores inúteis. Faz do destino uma questão do homem, que deve ser tratado entre homens. Toda a alegria silenciosa de Sísifo aqui reside. O seu destino pertence-lhe. O seu rochedo é a sua coisa. Da mesma maneira, quando o homem absurdo contempla o seu tormento, faz calar todos os ídolos. No universo subtamente entregue ao seu silêncio, erguem-se as mil vozinhas maravilhosas da terra. Chamamentos inconscientes e secretos, convites de todos os rostos, são o reverso necessário e o preço da vitória. Não há sol sem sombra e é preciso conhecer a noite. O homem absurdo diz sim e o seu esforço nunca mais cessará. Se há um destino pessoal, não há destino superior ou, pelo menos, só há um que ele julga fatal e desprezível. Quanto ao resto, ele sabe-se senhor dos seus dias. Nesse instante sutil em que o homem se volta para a sua vida, Sísifo, regressando ao seu rochedo, contempla essa seqüência de ações sem elo que se torna o seu destino, criado por ele, unido sob o olhar da sua memória, e selado em breve pela sua morte. Assim, persuadido da origem bem humana de tudo o que é humano, cego que deseja ver e que sabe que a noite não tem fim, está sempre em marcha. O rochedo ainda rola.

Deixo Sísifo no sopé da montanha! Encontramos sempre o nosso fardo. Mas Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e levanta os rochedos. Ele também julga que tudo está bem. Esse universo enfim sem dono não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada estilhaço mineral dessa montanha cheia de noite, forma por si só um mundo. A própria luta para atingir os píncaros basta para encher um coração de homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.”

1 Homenagem ao filme “O Incrível Exército de Brancaleone”, do recém falecido diretor Mario Monicelli. É uma comédia sobre uma armada feudal maltrapilha que luta contra a peste bubônica

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