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Fevereiro 21, 2011

Cartas na mesa – Peyote: uma surra de cores

“‘O perpétuo presente, criado por um apocalipse em contínua transformação’, pisca Huxley. O peso de uma nuvem. Pequena, feita de rabiscos diagonais brancos brilhantes. Parada ali do meu lado direito, nos acompanhando.

“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis” Planet Hemp

A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com  e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.

O texto que hoje apresentamos é de um leitor anônimo, identificado pelo pseudônimo de Teletomzé, que nos traz o relato de uma experiência psiconáutica com o cacto peyote no deserto mexicano. Além de problematizar os efeitos e implicações da proibição das drogas e propor modelos alternativos para que elas sejam regulamentadas socialmente, o DAR está atento e aberto à reflexões sobre as mais distintas formas de relacionamento com substâncias alteradores de consciência, acreditando que uma melhor compreensão delas é também uma melhor compreensão de nós mesmos e de nossa História. Neste sentido, esperamos que a seção Cartas na mesa possa caminhar por estes caminhos também.

O peyote: uma surra de cores

Sentindo ainda as mãos e o corpo todo doídos desses espinhos minúsculos que descobri que só saem com chiclete, com a cara e os dentes cheios de terra seca e a presença do enjoo amago que o peyote traz, me peguei quase concordando com Jonatthan Ott, cuja principal dica para os aventureiros em busca da mescalina que esse cacto oferece era: fiquem em casa e tomem LSD. Mais do que uma descrição de minha recente experiência com o cacto sagrado dos índios Huicholes esse texto é uma tentativa de mostrar o que não ficar em casa com meu LSD me trouxe, empacotado pela dureza do deserto e pelo insustentável peso do misterioso Lophophora wiliamsii.

O peyote: o mundo como se Frida fosse fotógrafa. Como se Almodovar e Blake fossem documentaristas, e o vento executasse Dark Side of The Moon.

Ott é um dos criadores e difusores do termo “enteógeno”, que é utilizado em substituição a alucinógeno ou psicodélicos, considerados pejorativos, estigmatizados e insuficientes, e quer dizer “trazer Deus para dentro de si”. De fato, uma só ingestão do cacto aqui em questão explica porque os Huicholes são capazes de caminhar 31 dias de Jalisco às montanhas de Wirikuta somente à base de peyote, água e chocolate, e também o papel fundamental que tal psicotrópico exerce em sua cultura e cosmovisão. Mas no meu caso, mais do que um deus pra mim irrelevante e indesejado o peyote trouxe foi o sublime para dentro. A visão sacramental da realidade, da qual falava Huxley.

Sublime: o belo que aterroriza.

“O infinito em todas as coisas”, sorri Blake.

Sublime: o deserto.

O medo, o delírio, felizmente sem Vegas, assustadoramente com o deserto.

Deserto de San Luís de Potosi, um deserto peculiar, já que em verdade não é bem um deserto. É rochoso, tem bastante vegetação, mesmo que baixa. Infinitos tipos de cactos, infinitos tipo de dores para cada espinhada distraída. O sol é finito, dura só bem mais além do que você pode suportar, mas quando se vai o frio te dói mais.

Deserto de San Luís de Potosi, habitado por conta de um tempo de mineração que há muito se acabou, deixando nas casas e estacões de trem vazias a lembrança da escravidão e de tudo que nunca deveria ter sido sacado debaixo dessas montanhas.

Mas as pessoas não acabaram com a mineração, mesmo que a mineração tenha acabado com boa parte delas. Elas seguem ali, encravadas em povoadinhos como Real de Catorce, Los Catorce, Wadley, vivendo de turismo, vendinhas e sabeDeusdoquemais. Cansadas, empoeiradas, desconfiadas, envelhecidas. Paradas num tempo que nunca parou. Seus rostos enrugados de crianças de 80 anos, ao mesmo tempo assustadores e doces, deformados e inocentes, me voltam à cabeça quando penso no percurso que percorri, completamente à mercê do cavalo que montava, por horas que duraram anos entre o pedregoso deserto e Real de Catorce, no alto da montanha.

Nos momentos de sensibilidade, dizia pra sabeseláquem: aqui não é lugar pra se viver. Nos outros: preciso sair daqui. As fendas que marcavam a fronteira entre esta sensibilidade e o simples pavor eram preenchidas pelas cores.

O peyote: uma surra de cores.

O céu roxo foi o primeiro indício. Virei pra minha namorada e disse: isso não é assim, certo? A cara dela respondeu, os lábios rachados pelo sol. Depois foi aumentando, na mesma proporção do enjoo que logo me derrubou, vomitando à beira de um caminho ensolarado e frio pelo qual passavam cavalos e moradores com o mesmo olhar de tsc tsc. Aí veio a nuvem, e eu saí de mim. O tempo foi junto.

“O perpétuo presente, criado por um apocalipse em contínua transformação”, pisca Huxley.

O peso de uma nuvem. Pequena, feita de rabiscos diagonais brancos brilhantes. Parada ali do meu lado direito, nos acompanhando no caminho. Todo o resto parecia normal, eu tentava me concentrar no caminho, na paisagem linda mas ainda não distorcida do mundo que seguia normal no lado esquerdo. Mas o esquerdo parecia só existir pra me lembrar do lado direito, da nuvem que eu não conseguia nem olhar de frente mais. Ela era o aviso de perigo. Buraco negro branco.

O deserto: um filme de Tarantino sem trilha sonora.

A lua em meio ao céu azulíssimo. Ás duas da tarde. De olhos abertos um mundo dançante, de olhos fechados zilhares de conexões mentais levando o pensamento ao mais puro indizível.

O peyote: no céu, o fundo do mar.

O céu roxo, o cacto pedalando a mente. Enfim em cima, agora encarar o povoado de chão de pedra. Crianças sérias fantasmeando na praça e saindo apressadas do mercadinho, o céu ali em cima, certificando-me de que a brisa não tinha passado. O banho, a parede branca transformada em cinema do que estava por baixo da minha mente. Até as seis da manhã.

O peyote: Huxley como seu terapeuta, Jim Morrisson seu conselheiro.

Antes de ir me disseram algo sábio: preserve um pouco de peyote para experimentar em outro ambiente, o deserto é muito duro. Não teve como não concordar, mas infelizmente também não teve como guardar. O peyote com o deserto, o peyote apesar do deserto.

O deserto: a sensação de ser aniquilado em uma batalha que nunca quis lutar.

O peyote.

Fica fácil entender não só de onde vêm as representações da psicodelia, mas também o idealismo flower power dos 60. Eles vieram pra cá (e a mescalina foi pra lá), e se maravilharam. Se todos experimentassem, mudariam o mundo, pensavam. É quase natural querer retomar o projeto: “Senhores do mundo, Senhores do dinheiro, um desafio: desafiem seus dentes e provem a mescalina; me venham então falar em proibição”. Acontece que o mundo venceu. Nossa luta hoje é por nosso espaço, e já aprendemos que não será sensibilizando ninguém dos do poder que o faremos respeitado. Experiências como essa só mostram a urgência da batalha, de sairmos da defensiva.

Em causa própria sim, também.

# # #

Veja também Cartas na mesa relato sobre experiência sobre sálvia

O peyote: uma surra de cores

Sentindo ainda as mãos e o corpo todo doídos desses espinhos minúsculos que descobri que só saem com chiclete, com a cara e os dentes cheios de terra seca e a presença do enjoo amago que o peyote traz, me peguei quase concordando com Jonatthan Ott, cuja principal dica para os aventureiros em busca da mescalina que esse cacto oferece era: fiquem em casa e tomem LSD. Mais do que uma descrição de minha recente experiência com o cacto sagrado dos índios Huicholes esse texto é uma tentativa de mostrar o que não ficar em casa com meu LSD me trouxe, empacotado pela dureza do deserto e pelo insustentável peso do misterioso Lophophora wiliamsii.

O peyote: o mundo como se Frida fosse fotógrafa. Como se Almodovar e Blake fossem documentaristas, e o vento executasse Dark Side of The Moon.

Ott é um dos criadores e difusores do termo “enteógeno”, que é utilizado em substituição a alucinógeno ou psicodélicos, considerados pejorativos, estigmatizados e insuficientes, e quer dizer “trazer Deus para dentro de si”. De fato, uma só ingestão do cacto aqui em questão explica porque os Huicholes são capazes de caminhar 31 dias de Jalisco às montanhas de Wirikuta somente à base de peyote, água e chocolate, e também o papel fundamental que tal psicotrópico exerce em sua cultura e cosmovisão. Mas no meu caso, mais do que um deus pra mim irrelevante e indesejado o peyote trouxe foi o sublime para dentro. A visão sacramental da realidade, da qual falava Huxley.

Sublime: o belo que aterroriza.

“O infinito em todas as coisas”, sorri Blake.

Sublime: o deserto.

O medo, o delírio, felizmente sem Vegas, assustadoramente com o deserto.

Deserto de San Luís de Potosi, um deserto peculiar, já que em verdade não é bem um deserto. É rochoso, tem bastante vegetação, mesmo que baixa. Infinitos tipos de cactos, infinitos tipo de dores para cada espinhada distraída. O sol é finito, dura só bem mais além do que você pode suportar, mas quando se vai o frio te dói mais.

Deserto de San Luís de Potosi, habitado por conta de um tempo de mineração que há muito se acabou, deixando nas casas e estacões de trem vazias a lembrança da escravidão e de tudo que nunca deveria ter sido sacado debaixo dessas montanhas.

Mas as pessoas não acabaram com a mineração, mesmo que a mineração tenha acabado com boa parte delas. Elas seguem ali, encravadas em povoadinhos como Real de Catorce, Los Catorce, Wadley, vivendo de turismo, vendinhas e sabeDeusdoquemais. Cansadas, empoeiradas, desconfiadas, envelhecidas. Paradas num tempo que nunca parou. Seus rostos enrugados de crianças de 80 anos, ao mesmo tempo assustadores e doces, deformados e inocentes, me voltam à cabeça quando penso no percurso que percorri, completamente à mercê do cavalo que montava, por horas que duraram anos entre o pedregoso deserto e Real de Catorce, no alto da montanha.

Nos momentos de sensibilidade, dizia pra sabeseláquem: aqui não é lugar pra se viver. Nos outros: preciso sair daqui. As fendas que marcavam a fronteira entre esta sensibilidade e o simples pavor eram preenchidas pelas cores.

O peyote: uma surra de cores.

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