Por Kenarik Boujikian Felippe
Em maio, São Paulo viveu cenas dignas do perÃodo da ditadura civil-militar. Vários manifestantes e jornalistas foram espancados e consumiram gás lacrimogêneo ou de pimenta, porque estavam no ato pela liberdade de expressão, que inicialmente seria a “Marcha da Maconhaâ€, permitida há três anos por juÃzes de São Paulo, mas vetada pelo Tribunal de Justiça.
Mas que fique claro que desnecessário pedir ao Judiciário para se manifestar, pois nenhum dos poderes de Estado têm a função de censurar o conteúdo das manifestações sociais, como estabelecido em nossa Constituição, que fixou diversas garantias e direitos, dentre eles a liberdade de reunião, instrumento para concretizar a liberdade de expressão, manifestação, incluindo o direito de protesto. A normativa internacional, regional e nacional segue a mesma direção e constou inclusive das observações do Relator Especial sobre a Liberdade de Ex pressão da CIDH, referindo-se à s proibições a atinentes à “Marcha da Maconha†que “marchas de cidadãos pacÃficas em áreas públicas são demonstrações protegidas pelo direito à liberdade de expressãoâ€.
O Estado Democrático de Direito pressupõe o debate aberto e público. Não é possÃvel criar uma sociedade livre, justa e solidária sem o patamar da liberdade de expressão e de reunião, sustentáculos da democracia. Impedir o exercÃcio destes direitos significa retirar dos cidadãos o controle sobre os assuntos públicos.
O direito de reuinião, de protestar, é de primeira grandeza, a ser resguardado pelo Poder Judiciário, na medida que este direito é o único que pode fazer valer os demais direitos fundamentais, especialmente destinados aos mais vulneráveis e à diversidade.
Como defende o constitucionalista argentino, Roberto Gargarella, o direito de protesto é o primeiro direito, porque é a base para a preservação dos demais. No núcleo essencial dos direitos, em uma democracia, está o direito de protestar, de criticar o poder público e privado. Não há democracia sem possibilidade de dissentir e de expressar o dissenso.
Entretanto, o que se tem observado, é que o direito de reunião e liberdade de expressão passam a ter como paradigma o direito criminal. Não é o código penal que deve estar à mão, quando se decide sobre estes direitos, pois este tem como ápice a repressão, a criminalização. O paradigma deve ser o constitucional, sempre, pois o norte é o nÃvel de proteção que os direitos fundamentais exigem e que devem ser priorizados.
O exercÃcio da liberdade de expressão e reunião é imprescindÃvel para tornar visÃvel a cidadania. Ir à s ruas e praças, que ressoam um modo de refletir, de ver, de mostrar e compartilhar idéias com os demais cidadãos e com o próprio Estado é gesto que se re pete desde a origem da democracia, que não se limita ao sufrágio eleitoral, cujo resultado indica que está circunscrito à s maiorias, pois há um déficit visÃvel de representação de interesses dos direitos econômicos e sociais agasalhados pela Constituição.
A democracia exige o comprometimento dos cidadãos e exercer os direitos mencionados é uma forma de participar dos desÃgnios do Estado e de suas polÃticas públicas. Nesta hora não deixa de vir à mente a imagem da faixa estendida em 1979, em pleno jogo, pelos Gaviões da Fiel: “Anistia, ampla , geral e irrestritaâ€, os comÃcios dos trabalhadores, o gigantesco ato pelas diretas no Anhangabaú, as marchas das mulheres e tantas mais, maiores e menores.
Não precisa pedir para Justiça para se manifestar.
Desdenhar a liberdade de expressão e reunião é asfixiar e por fim matar a democracia, que não terá como subsistir com golpe de cassetes e outros g olpes.
Então, Marcha pela liberdade: presente
* Kenarik Boujikian Felippe é juÃza de direito em São Paulo, secretaria da Associação JuÃzes para a Democracia