Manifesto contra internação compulsória de crianças reúne entidades na OAB/RJ
Da redação da tribuna do AdvogadoÂ
25/07/2011 – Um ato de repúdio à atual polÃtica de recolhimento e internação compulsória adotada pela prefeitura do Rio para crianças e adolescentes vÃtimas do uso de drogas reuniu nesta segunda-feira, 25, da OAB/RJ, representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), vinculado à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, dos conselhos profissionais regionais de Serviço Social, Enfermagem e Psicologia e de organizações de defesa dos direitos da infância, com o apoio das comissões de Direitos Humanos e de PolÃtica sobre Drogas da Seccional.
No ato, denominado Recolher não é acolher, foi lido manifesto subscrito pelas entidades, com a apresentação de relatórios de visitas de fiscalização realizadas por profissionais das áreas de serviço social, psicologia e enfermagem nos abrigos utilizados pela prefeitura para o acolhimento dos menores dependentes de drogas recolhidos nas ruas. De acordo com o manifesto, que será encaminhado à s autoridades competentes, a metodologia adotada pela Secretaria Municipal de Assistência Social privilegia uma “ação de defesa da ‘ordem pública’, de natureza higienista travestida de assistência social”, em detrimento de polÃticas públicas e serviços intersetoriais de qualidade pelo Estado.
O presidente do Conselho Regional de Serviço Social, Charles Toniolo, relatou a ausência de assistentes sociais na abordagem e recolhimento dos menores, segundo ele feita de forma “violenta e agressiva”. A representante dos profissionais de enfermagem, Kátia Calegaro, disse ter verificado a inexistência de um serviço de enfermagem estruturado para atender e dar suporte ao tratamento com medicamentos controlados. O conselheiro do Conanda no Rio de Janeiro, Carlos Nicodemos, afirmou que está muito claro o caráter de “ação de contenção” e de “criminalização da pobreza” adotado pela prefeitura, e que é necessária a união de esforços das entidades para propor uma polÃtica alternativa à da prefeitura. Foram relatados maus tratos à s crianças abrigadas na unidade usada como abrigo pela prefeitura na Rua Alice, em Laranjeiras. Moradores denunciaram violência contra os menores e encaminharam queixa ao Ministério Público.
Todos concordaram que o recolhimento e a internação compulsória estão sendo realizados ilegalmente, contrariando as leis que regulam a polÃtica de saúde mental e os direitos da criança e do adolescente, entre outras. Pela OAB/RJ, subscreveram o manifesto os presidentes das comissões de Direitos Humanos, Margarida Pressburger, e de PolÃtica sobre Drogas, Wanderley Rebello.
Veja aqui o manifesto.
    Manifesto em defesa dos direitos humanos das crianças e adolescentes
da cidade do Rio de Janeiro
As operações da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, de recolhimento das crianças e adolescentes foram intensificadas com a regulamentação de um Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social ao final de maio do presente ano (Resolução SMAS nº 20 de 27/5/2011). Tais medidas surpreenderam a tantos que há muito tempo se dedicam a refletir, formular e executar ações de promoção e defesa dos direitos de nossas crianças e de implementação de polÃticas públicas sustentadas no marco legal da saúde/saúde mental, da assistência social e da polÃtica para os direitos humanos da infância e adolescência, prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente, com base em toda uma legislação construÃda e consolidada a partir dos anos 1990, de forma participativa e democrática.
Além disso, a Resolução SMAS nº 20 desconsidera previsões legais e regulamentares, tais como:
2. Provimentos nº 4 (26/04/2010) e nº 9 (17/06/2010), do Conselho Nacional de Justiça, que prevêem, respectivamente, que a atuação do Poder Judiciário deve se limitar ao encaminhamento do usuário de drogas à rede de tratamento, não cabendo determinar tipo de tratamento, duração nem condicionar o fim do processo criminal à constatação de cura ou recuperação e que o atendimento a crianças e adolescentes que usam drogas será multidisciplinar e observará a metodologia de trabalho prevista por aquele Conselho Nacional.
Na contramão, a SMAS alardeia que no perÃodo de 31 de março a 15 de julho procedeu a 19 operações de retirada de moradores de rua (crianças e adultos) em áreas da cidade, acompanhada das polÃcias civil e militar. Do total de 1194 pessoas recolhidas, 230 são crianças e adolescentes; no caso destes, se supõe de pronto que possam ser autores de ato infracional – e, por isso, são levados à Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente ou a batalhão policial. Com tal procedimento, a Secretaria se distancia de suas funções sócio-assistenciais e atua como uma agência de repressão, prestando-se à segregação e aumentando a apartação social que deveria reduzir, desconsiderando inclusive que o enfrentamento da fome é determinante no combate ao uso do crack, em especial da população de rua.
Assistimos, hoje, na cidade do Rio, a incorporação da metodologia do choque de ordem pela Secretaria Municipal de Assistência Social, que privilegia uma ação de defesa da “ordem públicaâ€, de natureza higienista travestida de assistência social. Com tudo isto, temos a lamentar o apoio e a parceria de autoridades e órgãos ligados à Justiça a tal medida, quando deveriam atuar na garantia de direitos e cobrar dos gestores públicos a efetivação de polÃticas públicas e serviços intersetoriais de qualidade.
Não concordamos com uma ação que elege a internação compulsória como tratamento para o uso prejudicial de drogas para os pertencentes das classes populares. Também não estamos de acordo que aqueles que dela fazem uso sejam revitimizados, criminalizados e associados automaticamente a delitos, ao invés de receberem do Estado atenção integral, intersetorial e de qualidade, que permitam desenvolver o conjunto de potencialidades próprias de cada ser social. Recusamo-nos a culpabilizar as famÃlias como fazem algumas vozes, entendendo que elas precisam receber proteção e atenção integral, conforme preconizado na maioria das polÃticas públicas. Espanta-nos a iniciativa da Secretaria Municipal de Assistência Social de trazer exclusivamente para o seu âmbito a atenção a estas crianças e adolescentes, observando (ainda no campo estrito da assistência social) que a rede de atendimento municipal não se encontra adequada à tipificação nacional dos serviços sócio-assistenciais, conforme prevê as normas legais referentes à PolÃtica Nacional de Assistência Social e ao Sistema Único de Assistência Social (PNAS/SUAS). Reconhecemos que a polÃtica de saúde e, nela, a de saúde mental deve ter intervenção prevalente na situação, dispondo de saberes e práticas que podem viabilizar uma adequada assistência a este público, adotando a perspectiva da redução de danos e utilizando-se das bem sucedidas experiências com os consultórios de rua.
A expansão do uso do crack e de outras drogas baratas disponibilizadas para as classes empobrecidas é um fato complexo, que requer ações diferentes do recolhimento compulsório de pessoas. Exige abordagem processual e o estabelecimento de relações de confiança e adesão que, como se sabe, não provocam efeito imediato e midiático. Requer ainda, uma ação multidisciplinar e intersetorial entre a saúde, a assistência social, a educação e a cultura, o esporte e o lazer, e demais polÃticas.
Por outro lado, o procedimento em curso não foi apresentado à discussão nos conselhos municipais de assistência social e de defesa dos direitos da criança e do adolescente (CMAS e CMDCA), instâncias formais de controle social e de formulação de polÃticas. Ignorou a “PolÃtica municipal de atendimento à criança e ao adolescente em situação de ruaâ€, objeto da Deliberação 763 de 2009 do CMDCA, órgão colegiado vinculado à própria SMAS. Esta PolÃtica foi discutida amplamente por Grupo de Trabalho paritário composto por diferentes secretarias de governo, organizações da sociedade civil e representantes do sistema de garantia de direitos humanos (cfr.Resolução 113 – Conanda) e deixou de ser implementada por seguidas gestões.
Na verdade, a gestão pública municipal vem negligenciando dos seus deveres constitucionais para com as nossas crianças e adolescentes. Faltam investimentos na rede de saúde mental e de atenção a quem usa e abusa drogas lÃcitas e ilÃcitas (álcool, tabaco, maconha, cocaÃna, “crack†etc.), em acordo com a lei 11.343/2006, nos conselhos tutelares e em outras medidas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, na rede própria de assistência integral e de acolhimento a crianças e adolescentes em situação de rua e a suas famÃlias, na rede pública de educação e na implementação do “Plano integrado de enfrentamento ao crack e outras drogasâ€, conforme estabelecido no Decreto presidencial 7179 de maio de 2010.
Assim sendo, observando a magnitude do contexto de vulnerabilidade e de violação de direitos de muitas crianças e adolescentes em nossa cidade, os presentes neste Ato Público e signatários deste Manifesto, reclamam do Poder Público, nas pessoas do Sr. Prefeito e secretários de Governo:
– implementação imediata da “PolÃtica municipal de atendimento à criança e ao adolescente em situação de ruaâ€, conforme deliberação 763 AS/CMDCA de 2009;
– ampliação e investimento nas estratégias de redução de danos, nos consultórios de rua, na rede de saúde mental infanto-juvenil: Centros de Atenção Psicossocial infantil (CAPSi), Centros de Atenção Psicossocial na área de álcool e drogas (CAPS/ad) e nos leitos em hospitais gerais;
– ampliação do número de conselhos tutelares, com investimentos especialmente na capacitação e treinamento dos conselheiros, na melhoria das condições materiais de trabalho e na qualificação dos serviços prestados;
– implementação do Plano integrado de enfrentamento ao crack e outras drogas (Decreto 7179/2010), implantando Casas de Acolhimento Transitório (CAT) que ofereçam ambiente de proteção social e de cuidado integral em saúde, em articulação com os CAPS/ad;
– promover o imediato reordenamento da rede de atendimento a crianças e adolescentes, em conformidade com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais- PNAS/SUAS;
– cessar imediatamente a abordagem a crianças e adolescentes nos moldes aplicados hoje, face à Resolução SMAS nº 20, deixando de proceder a internação compulsória e o encaminhamento de adolescentes, julgados prematuramente em delito, à DPCA.
Rio de Janeiro
Julho de 2011