Escrito por José Cláudio Souza Alves |
Quarta, 17 de Agosto de 2011 |
Nós que sabemos que o “inimigo é outroâ€, na expressão padilhesca, não podemos acreditar na farsa que a mÃdia e a estrutura de poder dominante no Rio querem nos empurrar.
Achar que as várias operações criminosas que vêm se abatendo sobre a Região Metropolitana nos últimos dias fazem parte de uma guerra entre o bem, representado pelas forças publicas de segurança, e o mal, personificado pelos traficantes, é ignorar que nem mesmo a ficção do Tropa de Elite 2 consegue sustentar tal versão.
O processo de reconfiguração da geopolÃtica do crime no Rio de Janeiro vem ocorrendo nos últimos cinco anos. De um lado, milÃcias, aliadas a uma das facções criminosas; do outro, a facção criminosa que agora reage à perda da hegemonia.
Exemplifico. Em Vigário Geral, a polÃcia sempre atuou matando membros de uma facção criminosa e, assim, favorecendo a invasão da facção rival de Parada de Lucas. Há quatro anos, o mesmo processo se deu. Unificadas, as duas favelas se pacificaram pela ausência de disputas. Posteriormente, o lÃder da facção hegemônica foi assassinado pela milÃcia. Hoje, a milÃcia aluga as duas favelas para a facção criminosa hegemônica.
Processos semelhantes a estes foram ocorrendo em várias favelas. Sabemos que as milÃcias não interromperam o tráfico de drogas, apenas o incluÃram na listas dos seus negócios juntamente com gato net, transporte clandestino, distribuição de terras, venda de bujões de gás, venda de voto e venda de “segurançaâ€.
Sabemos igualmente que as UPPs não terminaram com o tráfico e sim com os conflitos. O tráfico passa a ser operado por outros grupos: milicianos, facção hegemônica ou mesmo a facção que agora tenta impedir sua derrocada, dependendo dos acordos.
Estes acordos passam por mirÃades de variáveis: grupos polÃticos hegemônicos na comunidade, acordos com associações de moradores, voto, montante de dinheiro destinado ao aparato que ocupa militarmente etc.
Assim, ao invés de imitarmos a população estadunidense que deu apoio às tropas que invadiram o Iraque contra o inimigo Saddam Hussein e depois viu a farsa da inexistência de nenhum dos motivos que levaram Bush a fazer tal atrocidade, devemos nos perguntar: qual é a verdadeira guerra que está ocorrendo?
Ela é simplesmente uma guerra pela hegemonia no cenário geopolÃtico do crime na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
As ações ocorrem no eixo ferroviário Central do Brasil e Leopoldina, expressão da compressão de uma das facções criminosas para fora da zona sul, que vem sendo saneada, ao menos na imagem, para as OlimpÃadas.
Justificar massacres, como o de 2007, às vésperas dos Jogos Pan Americanos, no complexo do Alemão, no qual ficou comprovada, pelo laudo da equipe da Secretaria Especial de Direitos Humanos da presidência da República, a existência de várias execuções sumárias, é apenas uma cortina de fumaça que nos faz sustentar uma guerra ao terror em nome de um terror maior ainda, porque oculto e hegemônico.
Ônibus e carros queimados, com pouquÃssimas vÃtimas, são expressões simbólicas do desagrado da facção que perde sua hegemonia buscando um novo acordo, que permita sua sobrevivência, afinal, eles não querem destruir a relação com o mercado que o sustenta.
A farsa da operação de guerra e seus inevitáveis mortos, muitos dos quais sem qualquer envolvimento com os blocos que disputam a hegemonia do crime no tabuleiro geopolÃtico do Grande Rio, serve apenas para nos fazer acreditar que ausência de conflitos é igual à paz e ausência de crime, sem perceber que a hegemonização do crime pela aliança de grupos criminosos, muitos diretamente envolvidos com o aparato policial, como a CPI das MilÃcias provou, perpetua nossa eterna desgraça: a de acreditar que o mal são os outros.
Deixamos de fazer assim as velhas e relevantes perguntas: qual é a atual polÃtica de segurança do Rio de Janeiro que convive com milicianos, facções criminosas hegemônicas e área pacificadas que permanecem operando o crime? Quem são os nomes por trás de toda esta cortina de fumaça, que faturam alto com bilhões gerados pelo tráfico, roubo, outras formas de crime, controles milicianos de áreas, venda de votos e pacificações para as OlimpÃadas? Quem está por trás da produção midiática, apoiando as tropas da execução sumária de pobres em favelas distantes da zona sul? Até quando seremos tratados como estadunidenses apoiando a tropa do bem na farsa de uma guerra, na qual já estamos há tanto tempo que nos esquecemos que sua única finalidade é a hegemonia do mercado do crime no Rio de Janeiro?
Mas não se preocupem, quando restar o Iraque arrasado sempre surgirá o mercado financeiro, as empreiteiras e os grupos imobiliários a vender condomÃnios seguros nos Portos Maravilha da cidade.
Sempre sobrará a massa arrebanhada pela lógica da guerra ao terror, reduzida a baixos nÃveis de escolaridade e de renda que, somadas à classe média em desespero, elegerão seus algozes e o aplaudirão no desfile de 7 de setembro, quando o caveirão e o Bope passarem.
José Cláudio Souza Alves e sociólogo, pró-reitor de Extensão da UFRRJ e autor do livro: Dos Barões ao ExtermÃnio: Uma História da Violência na Baixada Fluminense. |