• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Maio 29, 2012

Intelectuais discutem crack e neoliberalismo em abertura de seminário

Para historiador Henrique Carneiro, “crack é a faceta visível da miséria geral”; já  o cientista social Rubens Adorno define a cracolândia como “a cara de São Paulo” e relaciona substância com o neoliberalismo

COLETIVO DAR

O seminário “Cracolândia muito além do crack” começou em grande estilo na noite desta segunda-feira, na Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo. Com cerca de 300 presentes lotando o auditório – e mais uma sala cheia onde os atrasados acompanhavam o papo pelo telão – a mesa inicial contou com o cientista social Rubens Adorno e o historiador Henrique Carneiro, e mostrou bem qual será a cara do evento: desmistificar e aprofundar o debate em torno do crack, através de olhares diversificados e muito sérios.

Além das ótimas exposições dos dois participantes, o debate contou com diversas (e interessantes) perguntas feitas pela platéia. O seminário prossegue na terça e na quarta abordando aspectos jurídicos, antropológicos e sociais da questão – a programação completa pode ser conferida aqui.

“A cracolândia é a cara de São Paulo”

Foi com essa frase que o cientista social Rubens Adorno, coordenador do projeto “Usuários de crack: agenciamentos e usos em territórios urbanos”, iniciou sua fala. Preocupado em se opor ao senso comum demonizador da substância, e de seus usuários, Adorno ressaltou a completa ausência de políticas públicas conseqüentes para estas populações e a forma enviesada e generalizante com que este importante tema é tratado política e midiaticamente.

Com ampla experiência de campo adquirida durante o projeto, Adorno lembrou da invisibilidade destas pessoas como estratégia estatal para a região. “Uma maneira de se ler o Estado é a forma como ele lida com seus setores marginais”, apontou, caracterizando o atual momento como muito próximo ao que o intelectual francês Loic Wacquant denomina de “Estado policial”. Há populações que se deixam viver, e outras que se deixam morrer.

Ele lembrou de diversas analogias feitas para se retratar a região popularmente conhecida como cracolândia, que hoje conta até com verbete na Wikipédia. Já foi definida como uma grande feira, um parque de diversões, um local de convívio entre Deus e o Diabo, um refúgio urbano de moradores da periferia e mesmo como uma “rave pública”, em oposição às festas privadas onde jovens das classes médias e altas também usam e abusam de drogas ilícitas – sem PM, é claro.

Segundo o cientista social, o crack representa uma inovação do ponto de vista “do marketing do mercado de drogas”: tanto seu preço como suas formas de distribuição e armazenamento propiciam uma circulação mais ágil em relação a outras substâncias também muito consumidas. Posteriormente se dá a identificação do crack com áreas degradadas, uso abusivo e violência, numa equação altamente estimulada e propagada pela mídia.

Adorno classificou o crack como um espelho do neoliberalismo: com o fim do Estado de bem-estar social, é na esfera do consumo que se dá o exercício de cidadania nos dias atuais. Na ausência de tal bem-estar, ele passa a ser vendido – é a felicidade vendida em forma de mercadoria.

“O crack talvez seja o bem econômico que mais cresce no Brasil”, lembrou Adorno. Sua difusão envolve pessoas desligadas do trabalho, ou ligadas a materiais descartáveis – pessoas estas também descartadas pelo mercado. O crack atuaria assim como o descartável urbano (por ser um “resto” da cocaína) que coloca os descartáveis urbanos novamente no interior do sistema macroeconômico. “O crack integra o circuito marginal à sociedade de consumo”, resumiu.

 

O crack como bode expiatório e nocebo

Na exposição seguinte, Henrique Carneiro foi didático e profundo como sempre.  Começou propondo situar o crack num contexto mais abrangente, lembrando que a ingestão de substâncias psicoativas tem uma universalidade na história humana.

Na tradição clássica, por exemplo na Grécia antiga, o uso problemático inicialmente foi visto como falha moral. Posteriormente como pecado, no bojo do cristianismo, e depois como doença na tradição médica. Em comum nestas visões o fato de o uso problemático ser visto como distúrbio mas não como crime, transformação que ocorre apenas na virada do século XIX para o XX.

Surge o proibicionismo, que pressupõe a necessidade da abstinência compulsória imposta pelo Estado, um fato recente historicamente.  Abstinência seletiva, ressalte-se, uma vez que só algumas substâncias são eleitas portadoras dos males sociais e proibidas.

Carneiro relacionou o abuso não com as substâncias em si, mas com a própria instituição da sociedade mercantil contemporânea. “A história da expansão européia – e do capitalismo – é a da expansão das drogas”, lembrou, ressaltando o papel que especiarias, açúcar, tabaco, álcool fermentado e depois destilado, café, chá, chocolate e outras drogas cumpriram no desenvolvimento do capitalismo. “Esse movimento simplesmente criou o mundo moderno”, salientou.

Prosseguiu citando Marx  e o fetichismo da mercadoria, a propensão do capitalismo à instigar que se consuma sempre mais. “O vício não é intrínseco ao consumo de drogas ou de alimentos, mas sim das mercadorias”. Citou como exemplo o tabaco, substância amplamente conhecida e consumida entre os indígenas pré-colombianos mas que jamais teve os padrões de consumo atuais nestas culturas. “Os indígenas não fumavam 20 cigarros por dia, o consumo se dava de forma integrada à sua organização social”.

Citando o filósofo alemão Christophe Turcke, apontou a existência não de uma epidemia de crack, como prega o senso-comum, mas sim de uma “epidemia de hiperatividade” – a hiperexcitação seria característica social importante, num contexto em que até mesmo se locomover de um ponto a outro da cidade causa grande agitação e stress.

Carneiro chegou então ao centro de sua exposição, a natureza sacrificial do consumo de drogas e alimentos. Modelo espiritual da origem das religiões, o sacrifício seria um rito universal, uma forma que a humanidade historicamente encontrou para fazer frente ao seu principal inimigo: o medo.

Com o tempo, o sacrifício humano e de animais, para fazer frente à natureza ameaçadora e desconhecida, passa a ser substituído por um emblema de sacrifício, muitas vezes ingerido. O sacrifício de Cristo, por exemplo, é repetido até hoje através da ingestão da droga álcool. Em grego, bode expiatório é “farmacós”, palavra muito próxima de fármaco – é o remédio para vencer o terror que a natureza coloca à humanidade.

Para Henrique, nos dias atuais são os consumidores de crack os bodes expiatórios. Num duplo sentido: são bodes expiatórios da sociedade, que não quer ver os problemas estruturais de sua crise de civilização, e deles próprios, purgando suas dores em meio a vidas degradadas.

Lembrando do placebo, a substância que mesmo inócua pode trazer benefício psicológico já que é benefício que se espera de seu uso, Carneiro apontou o outro lado desta moeda, o nocebo. “Se você busca o mal numa substância você pode encontrá-lo”.

Para ele, o problema principal do crack não passa pela substância, mas sim pela forma como ela se apresenta, não somente adulterada mas no contexto social onde está inserida. Um contexto social nocebo. “O crack é a faceta visível da miséria geral”, definiu, avaliando haver também a existência de um “urbanismo político que busca tornar invisível essas manifestações” em um gueto, uma zona de exclusão social permanentemente vigiada.

Assim, o crack torna-se problema dentro de um contexto proibicionista, no qual a proibição só existe pois é muito útil para interesses econômicos e de controle social. A saída? “A única forma de assistir essas pessoas é isolá-las tanto do crime quanto da repressão”, pontuou Carneiro, lembrando das bens sucedidas experiências de salas de uso assistido, as “narcossalas”, que tiveram ótimos resultados na Europa e no Canadá ao tratarem de usuários de heroína. “O crack não pode ser visto isoladamente em relação à regulamentação geral das drogas hoje ilícitas”, finalizou.

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos