Marcelo Ahmed Do G1 RJ
A partir desta quarta-feira (20), a venda de crack está proibida na Favela do Jacarezinho, no Jacaré, subúrbio do Rio, considerada a maior cracolândia da cidade. A ordem é dos próprios traficantes e está estampada em vários cartazes que foram afixados na comunidade, como registrou o movimento Rio de Paz.
A proibição se estende às comunidades vizinhas do Mandela e de Manguinhos, seguindo orientação dos chefes do tráfico. O presidente do Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, disse que recebeu informações de que os viciados estariam criando muitos problemas dentro das favelas, devido ao alto poder alucinógeno e destrutivo da droga.
Fontes da polÃcia informaram que há também uma preocupação dos criminosos quanto à possibilidade de ocupação da área pela Força de Segurança Nacional, como aconteceu no Morro Santo Amaro, no Catete.
Considerado o maior ponto de vendas de crack na Zona Sul, o Santo Amaro foi ocupado em 18 de maio dentro do projeto “Crack, é possÃvel vencer”, do governo federal, até a instalação de uma Unidade de PolÃcia Pacificadora (UPP).
O secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, disse na terça-feira (19), que o Jacarezinho está nos planos de ocupação. “A gente tem uma proposta de pacificação dessas áreas. Uma proposta de evolução desses territórios e nós vamos chegar lá. Vamos fazer isso lá”, afirmou o secretário.
Alerta para os viciados
Antônio Carlos Costa, do Rio de Paz, apoia a proibição da venda do crack, mas alerta para o problema da migração dos consumidores. “O governo tem que se antecipar ao problema, pois os viciados vão para outros bairros e comunidades. As autoridades têm que acompanhar isso de perto”, afirmou Costa, que vai liderar uma manifestação no sábado (23), no Jacarezinho, para onde levará uma faixa com a mensagem: “Emigrante do crack: quem o acolherá?”.
“Se essa iniciativa foi disseminada pela cidade, teremos outro problema muito grave, que é a crise de abstinência”, afirmou o presidente da Rio de Paz.
De acordo com levantamento da Secretaria municipal de Assistência Social (SMAS), desde 31 de março de 2011, quando começaram as operações de combate à epidemia do crack, foram feitos 4.496 acolhimentos de viciados (3.853 adultos e 643 crianças e adolescentes) nas principais cracolândias da cidade.
Na Favela do Jacarezinho houve o maior número de acolhimentos, com 1.565, seguido do Centro, com 1.180.
A prefeitura dispõe de 178 vagas em quatro unidades especializadas no atendimento à dependência quÃmica.
Traficantes de drogas proibirem a venda de crack é mais ou menos como as farmácias decidirem suspender o comércio de remédios de tarja preta. Especialistas em segurança pública ainda não sabem explicar o que levou o tráfico de drogas a anunciar que vai proibir o crack em favelas do Rio, mas concordam que a estratégia é parte de mudança estrutural pela qual passa o crime organizado na cidade além da consequência do crescimento da repressão ao crack. Luiz Eduardo Soares, que acabou de lançar “Tudo ou Nada” (Editora Nova Fronteira) — que conta a história de um traficante internacional de drogas — afirmou que o anúncio da proibição de venda do crack pelos próprios criminosos é reflexo das transformações que vêm ocorrendo no tráfico do Rio em consequência também do projeto de pacificação de favelas.
— A UPP (Unidade de PolÃcia Pacificadora) acaba promovendo a modernização do tráfico, que está se tornando cada vez mais nômade — afirma Luiz Eduardo, lembrando que os traficantes do Rio já haviam decidido não vender crack, mas voltaram atrás, possivelmente influenciados por parcerias com a maior facção criminosa de São Paulo.
Soares lembra que “os protagonistas da economia do tráfico são capazes de avaliações e certamente chegaram à conclusão de que o negócio com o crack tem alto risco e baixa lucratividade”.
— Os traficantes sabem que o crack liquida em pouco o tempo o consumidor. Persistir nesse negócio é como matar a galinha dos ovos de ouro — diz Luiz Eduardo.
O professor Michel Misse, outro pesquisador importante da área de segurança, observou que não se sabe o motivo da decisão do tráfico de drogas, mas há apenas hipóteses que explicariam a medida.
— O quadro de repressão ao crack com certeza é um dos fatores. Sendo assim seria uma decisão racional deixar de transacionar esse produto. Isso ajudaria a evitar a chamar a atenção para o negócio das drogas como um todo — diz Misse, acrescentando que a pesquisa de campo nas favelas tornou-se sido cada vez mais difÃcil, desde a morte do jornalista Tim Lopes, em 2002, e a partir do projeto de pacificação de favelas, em 2008.
A delegada-titular da Dcod (Delegacia de Combate à s drogas), Valéria de Aragão Sádio, disse que já tinha obtido a informação de que os traficantes da maior facção criminosa iriam parar a venda de crack na Faixa de Gaza — favelas da Zona da Leopoldina, na Zona Norte do Rio, como revelou hoje a coluna de Ancelmo Gois.
— Se confirmada a informação é realmente uma vitória de toda a sociedade, não importa a intenção dos criminosos — afirmou a delegada, lembrando que é o momento de o poder público investir no tratamento dos dependentes quÃmicos.
Isso também é assunto para outro post.