Tudo já foi dito sobre a militarização da segurança pública. Ela irrompe no entorno histórico do 11 de setembro, com a comistão de dois estatutos jurÃdicos: o da guerra e o da justiça penal. Antes que nos refizéssemos da surpresa de uma guerra preventiva, surgiram as guerras punitivas, simultaneamente à s penas militarizadas (daquelas internações por três meses de adolescentes rebeldes à s supermaxes, com menção honrosa para nosso RDD). A teoria da guerra justa acabou legitimando guerras justiceiras. A concepção militar de ocupação foi transferida para a segurança cidadã, e as zonas pobres se convertem em zonas ocupadas – e eis a fina flor da sociologia entregando a medalha de prata à s UPP’s. Por um caminho teórico muito prestigiado na academia, o inimigo migra das negociações diplomáticas, dos campos de batalha e das celeridades da lei militar de guerra para o direito penal comum. A tortura é permitida (até por decreto), largamente exercida (seja clandestinamente, como em nossas carceragens, seja ostensivamente, como em Guantánamo) e até mesmo aplaudida (por exemplo na estreia de Tropa de Elite). As premências do assalto militar a uma posição inimiga chegaram ao processo penal. A categoria jurÃdico-penal do terrorismo transita agilmente entre o atentado à soberania e a infração penal que o encarna: a campanha pela (desnecessária) criminalização do terrorismo coincide com as suspeitas sobre a trÃplice fronteira … Tudo já foi dito.
Mas no jornal de hoje uma Comissão Parlamentar interpela o Ministro da Defesa sobre um cântico entoado por soldados do mal afamado 1º Batalhão de PolÃcia do Exército, no qual preconizavam “bate, espanca, quebra os ossos, bate até morrerâ€. A Comissão poderia, com bom direito, pedir esclarecimentos sobre ter sido este cântico estúpido vociferado na rua Barão de Mesquita, onde se sedia o batalhão, incrustrado em pleno bairro da Tijuca. Os vizinhos, como é de sabença geopolÃtica militar, devem ser bem tratados, são sempre aliados preferenciais. E os vizinhos deste batalhão não precisam de nenhum estÃmulo novo para temer sua soldadesca, para acreditar, sim, que eles são bem capazes de bater até morrer. Por que apregoá-lo aos berros?
Tudo já foi dito, porém essa historieta talvez nos recorde algo importante: no plano das relações externas, o inimigo existe, no sentido de que sua criação é possÃvel. Não o queremos no direito penal, rejeitamos este imigrante mal documentado, com um passaporte falso alemão (expedido pelo nazi-funcionalismo) e outro passaporte falso latinoamericano (expedido pelos saudosistas do “inimigo internoâ€). Mas o inimigo é o personagem central do direito penal militar de guerra. E se os inimigos viessem para “degolar nossos filhosâ€, tudo o que esperarÃamos dos boquirrotos mal-educados da Barão de Mesquita é que, no mÃnimo, batessem neles. Não há planejamento, estratégia e eficiência militar sem o estudo – sempre construtivo – do inimigo. Em suma, a existência de Forças Armadas, com as importantes funções que lhes atribuiu a Constituição, pressupõe a possibilidade da existência de guerra e portanto do inimigo.
É exatamente por isso, pela peculiaridade do adestramento militar para a violência bélica, que as Forças Armadas devem ser mantidas o mais distante possÃvel da gestão policial da ordem pública.
(*) Nilo Batista é jurista e ex-governador do Rio de Janeiro.