O Globo
PresÃdios do paÃs abrigam 138.198 traficantes, 1/4 de todo o contingente em regime fechado, 548.003 presos
BRASÃLIA — O número de presos condenados por tráfico de drogas cresceu 30% nos últimos dois anos, Ãndice três vezes maior que o crescimento global da população carcerária do paÃs no mesmo perÃodo. Os presÃdios do paÃs abrigam 138.198 traficantes, um quarto de todo o contingente mantido em regime fechado, 548.003 homens e mulheres. Esses dados não são vistos como uma vitória do Estado contra o narcotráfico. Segundo o juiz LuÃs Lanfredi, 90% dos presos são pequenos traficantes, sem antecedentes criminais e vÃnculos com o crime organizado.
A prisão dos “varejistas†do narcotráfico tem pouco impacto sobre o comércio das drogas. Depois de presos, eles são rapidamente substituÃdos por outros e os negócios seguem no mesmo ritmo. Embora não disponha de dados estatÃsticos de âmbito nacional sobre a legião de jovens de baixa renda cooptados pelo tráfico, Lanfredi fala com conhecimento de causa. Ele é juiz em São Paulo e integra o Conselho Nacional de PolÃtica Criminal e Penitenciária (CNPCP), responsável pelo acompanhamento da situação do sistema carcerário:
— De cada dez presos por tráfico, 7 ou 8 são pequenos traficantes. O número de grandes traficantes presos está abaixo de 10% — disse .
O número de presos condenados por tráfico começou a aumentar a partir de 2006, após a aprovação da nova lei antidrogas. Segundo juÃzes e especialistas no assunto, as novas regras, aparentemente mais flexÃveis, facilitam a prisão e a condenação de quem, de alguma forma, se envolve com a venda de drogas. A pena mÃnima para o tráfico subiu de 3 para 5 anos, o que inviabiliza a aplicação de penas alternativas à cadeia.
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A partir daÃ, o exército de presos condenados por tráfico e cumprindo pena em regime fechado não parou de crescer. Em 2010, os presÃdios brasileiros tinham 106.491 pessoas fisgadas na guerra contra o narcotráfico. Dois anos depois, esse número pulou para 138.198. Os dados constam do último levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) sobre o assunto concluÃdo em dezembro do ano passado.
No mesmo perÃodo, entre 2010 e 2012, a população carcerária passou de 496.251 para 548.003 detentos: um salto de 10%. Esse é um número considerado alto, mas, ainda assim, três vezes inferior ao crescimento de condenados por tráfico. O contingente de presos por tráfico é 30% superior ao de assaltantes que cumprem pena em regime fechado. Assaltantes formam o segundo grupo mais numeroso nas prisões.
O aumento de presos por tráfico não produziu os efeitos esperados. Mesmo com os presÃdios abarrotados de pequenos traficantes, a circulação das drogas permanece intacta. O mais recente relatório do Escritório sobre Drogas e Crimes da ONU, divulgado em junho, aponta o crescimento das taxas consumo de maconha e cocaÃna no paÃs.
— A situação tem se agravado muito nos últimos anos — diz o advogado Pedro Abramovay, que, no inÃcio do governo Dilma Rousseff, foi indicado para ser secretário nacional Antidrogas.
Ele não chegou a assumir o cargo por causa de uma entrevista ao GLOBO, na qual defendeu mudança na lei antidrogas. Três anos após o episódio, Abramovay mantém o ponto de vista. Para ele, é um equÃvoco abarrotar as prisões com pessoas sem vÃnculo com o crime organizado, e pequenos traficantes deveriam ser punidos com penas alternativas à prisão:
— Quando as pessoas vão para a cadeia, se elas não têm ligação com o crime organizado, passam a ter. Isso devolve para a sociedade pessoas ainda mais violentas — argumenta.
As discussões sobre mudanças na lei foram suspensas no governo desde o episódio com Abramovay. A ex-secretária Paulina Duarte, que esteve no cargo até o inÃcio deste ano, deixou de lado o tema para não entrar em choque com as linhas gerais da polÃtica ditada pelo Planalto. A presidente Dilma Roussseff já se classificou como uma “conservadora†nessa questão.
O tema se tornou mais delicado com o crescimento da influência dos evangélicos, cada vez mais atuantes em polÃticas públicas sobre comportamento, desde a última eleição presidencial. Secretário nacional Antidrogas desde abril, Vitore Maximiano nega que a polÃtica nacional sobre a questão tenha fracassado, embora considere elevado o número de presos por tráfico.
Maximiano diz que não é preciso mudar a lei. Para o secretário, a legislação já permite que juÃzes reduzam as penas de quem tiver envolvimento eventual com o tráfico, mas sem apresentar antecedentes criminais:
— Temos cobrado do Judiciário a ação desse dispositivo, que já faz a distinção de quem é um pequeno traficante, um agente primário, que não tem antecedentes. Diferente daquele que tem ligação com a organização criminosa.
O secretário diz que os policiais devem investir em ações de inteligência, para prender os chefes do tráfico. Frisa que dois terços dos presos são capturados em policiamento de rotina, e não a partir de investigações sobre a circulação das drogas — prendendo só os varejistas que estão nas ruas, e não os donos do negócio.
‘Condenados são pequenos traficantes’, diz juiz
Magistrado afirma que número de condenados por delitos relacionados às drogas cresceu significativamente
BRASÃLIA — Juiz da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, Bruno André Ribeiro diz que é falsa a ideia de os presÃdios estarem abarrotados de perigosos traficantes.
O número de presos por tráfico é grande ou pequeno, comparado ao de presos por outros crimes como roubo e latrocÃnio?
Certamente, é bastante elevado, apenas equiparado ao quantitativo de presos condenados por crimes contra o patrimônio (furto e roubo, principalmente). Os apenados por crimes de homicÃdio e latrocÃnio não representam um quantitativo significativo, comparativamente à grande massa, composta por crimes relacionados à s drogas e ao patrimônio.
O número de presos por tráfico cresceu nos últimos anos? A situação é preocupante?
O número de condenados por delitos relacionados à s drogas cresceu significativamente. Isso se deve à s polÃticas públicas na área de segurança que, dentro da estratégia bélica de combate à s drogas, têm aumentado a repressão. Inclusive, quanto ao consumidor, houve um endurecimento de fato. Muitos usuários têm sido recolhidos ao sistema prisional apenas com base na autuação a tÃtulo precário, levada a efeito pela polÃcia, no momento da lavratura do auto de prisão em flagrante. Apenas quando há a audiência a situação é efetivamente esclarecida e o usuário, solto.
Quem são os condenados por tráfico? A maioria deles é formada por pequenos traficantes?
Sim, em sua grande maioria. Normalmente, imagina-se que os presÃdios estão lotados de traficantes com alto grau de periculosidade. Precisamos compreender que faz parte dessa “guerra†contra à s drogas firmar na consciência de todos essa falsa percepção. A maior parte dos condenados por crimes de drogas, ao menos na VEP-DF, corresponde a pequenos traficantes, sendo muitos usuários que, na dúvida, foram seletivamente autuados, denunciados e condenados por tráfico. O retrato dos condenados fala por si. No meio de um ou outro “barão do tráficoâ€, temos outros milhares de jovens pobres que não se inserem no propalado e temido perfil do traficante.
O que os juÃzes da VEP pensam sobre a legislação contra as drogas ? É eficaz ou não?
Não posso falar pelos demais colegas, mas acredito que há necessidade de se buscar uma mudança de paradigma. Isso não é fácil. Mas não podemos continuar alimentando o imaginário popular de que segurança pública é sinônimo de prisão. Nunca se prendeu tanto na história. Os presÃdios estão abarrotados, tanto de presos provisórios como definitivos. No entanto, se o objetivo era identificar o problema social e buscar alternativas, particulares e gerais, não há como não reconhecer que a polÃtica é completamente ineficaz.