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dezembro 07, 2011

Cartas na mesa: Crianças e adolescentes na vigência de um Estado penal

“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis” Planet Hemp

A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.

Nesta edição trazemos o texto Crianças e adolescentes na vigência de um ‘Estado penal’, da psicóloga Marisa Fefferman, ativista do Tribunal Popular e autora de Vidas Arriscadas: o cotidiano de jovens trabalhadores do tráfico de drogas. Publicado originalmente na Revista Jurídica Consulex e cedido pela autora ao DAR, o texto lembra dos perigos da medicalização dos problemas sociais e aponta que “o tratamento repressivo e a abordagem violadora de direitos criminalizam usuários de drogas infantojuvenis, transformando um grave problema de saúde pública em um caso de polícia”.

CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA VIGÊNCIA DE UM ‘ESTADO PENAL’ 

Observa-se, hoje, a exigência de uma sociedade aterrorizada por um rigor punitivo a traduzir-se em penas severas para os transgressores e na criminalização generalizada de condutas. A filosofia do controle da ordem pública atual pressupõe a distribuição da justiça como uma questão atinente à repressão de crimes, não como prevenção da violência e oferta efetiva de segurança, atacando-se, através de mecanismos ideológicos, todos aqueles que se mostrem capazes de apontar as falhas do sistema. As condições objetivas são desconsideradas, voltando-se todas as energias contra quem possa representar uma ameaça.

 

Assim, qualquer atitude que perturbe a manutenção da ordem estabelecida deve ser extirpada com autoridade. Entenda-se esse poder autoritário como a capacidade de se impor, pela força, no combate à violência. Já o fracasso das políticas públicas que deveriam ser executadas pelo Estado não é considerado como indutor de violência. Tal cenário não se apresenta promissor às crianças e adolescentes que fazem parte dos segmentos da população mais afetados pela desigualdade social, pelas políticas de ajuste econômico neoliberais e pela falta de efetividade das políticas sociais; portanto, os efeitos da violência agudizam-se, capturando-os.

 

Isto pode ser exemplificado com o projeto de lei1 que dispõe sobre o recolhimento e internação compulsória da população com trajetória de vida nas ruas, em especial de crianças e adolescentes usuários de crack. Segundo a proposta legislativa em trâmite na Câmara dos Deputados, a internação dar-se-á independente de autorização da família, a qual será apenas notificada sobre o local para onde fora encaminhada a criança ou o adolescente, dando-se a abordagem, primordialmente, com a presença da polícia.

 

Referido projeto de lei suscita algumas questões cruciais: Onde estão assegurados os direitos destas crianças e adolescentes? A quem interessa ocultá-las, tornando-as invisíveis aos olhos da sociedade? Com o afastamento dessa população do convívio social, o problema das drogas estará resolvido ou simplesmente terá retardada a sua resolução, agudizando-o?

 

Na perspectiva jurídica, a proposta legislativa fere o direito constitucional de ir e vir e o direito destas crianças e jovens de receberem proteção integral com prioridade absoluta, conforme prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente, que privilegia o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, bem como o princípio da autonomia da vontade.

 

A medida sob análise busca resolver, de forma imediatista e com uma abordagem reducionista, questão complexa, já que deve ser contextualizada na ampla garantia de direitos à cidadania. Mascara a realidade social, atribuindo a problemática destas crianças e adolescentes às drogas, olvidando-se que a maioria dos usuários vive em situação de extrema vulnerabilidade, fruto da enorme desigualdade social e da falta de acesso a direitos sociais básicos, como educação, saúde e assistência social. Muitos usam a droga e tornam-se dependentes como forma de poder sobreviver às adversidades da sua condição de vida.

 

Sabe-se, no entanto, que medidas punitivas e segregadoras não serão capazes de reverter a realidade. Aliás, é marcado historicamente o descaso com a população infantojuvenil marginalizada, composta em sua maioria por pobres e negros, que desde muito cedo vivenciam o preconceito em seu cotidiano.

 

A medida higienista, além de conflitar com as garantias constitucionais e legais, denota uma atitude discriminadora que traz à tona um outro ponto primordial: a maneira como a questão das drogas foi e é tratada transforma o usuário em criminoso, punindo-o, com desconsideração dos verdadeiros responsáveis pela manutenção e expansão da indústria do tráfico de drogas e armas. Assim, demoniza-se o dependente para não se enfrentar o verdadeiro problema.

 

Ademais, a medida em comento desconsidera a luta antimanicomial e os vários estudos decorrentes, que apontam para a ineficácia da segregação em hospitais psiquiátricos, que, na verdade, constituíam-se em produtores de estigma e violência, ou seja, na morte da subjetividade, evidenciando que o modelo asilar é fator de agravamento e cronificação de transtornos mentais, e que a internação deveria ser acionada como último recurso.

 

A Lei da Reforma Psiquiátrica2 aponta para a prerrogativa da internação compulsória que, no entanto, deve ser eletiva e determinada por mandado judicial, a partir de laudo médico. Para o atendimento desses casos, impõe-se a criação de uma rede de serviços de saúde pública (direta ou indireta) que desenvolva, de forma eficaz, a atenção aos dependentes de drogas. Cabe ressaltar que sem uma rede de proteção e apoio o problema não será resolvido, pois, após a internação, a criança e/ou adolescente voltará à situação anterior. Faz-se necessário, portanto, um projeto terapêutico que estabeleça uma relação de confiança entre esses sujeitos e suas famílias. Acrescente-se, por oportuno, que a internação compulsória pode provocar um efeito de resistência ao tratamento e casos de reincidência, por desconsiderar o indivíduo em seu meio de convívio.

 

O tratamento repressivo e a abordagem violadora de direitos criminalizam usuários de drogas infantojuvenis, transformando um grave problema de saúde pública em um caso de polícia. Cabe, portanto, ao Poder Público atuar em conjunto com a sociedade civil na implementação dos direitos contemplados no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Sistema Único de Saúde (SUS) e no Sistema Único da Assistência Social (SUAS) em benefício dessa população marginalizada.

 

Com relação aos investimentos destinados à implantação de políticas públicas intersetoriais (saúde, educação e assistência social), cabe lembrar que, especificamente no caso das drogas, há que se investir em políticas de prevenção, educação e tratamento da saúde através de redes assistenciais mais atentas às desigualdades existentes e à adequação das ações às necessidades da população, de forma equânime e democrática.

 

Devemos, porém, ficar atentos para não “medicalizar” um problema social. Medidas totalitárias entorpecem pelo alívio imediato, produzindo um efeito fugidio e etéreo da realidade, a qual ressurgirá com força avassaladora, impelindo- nos à tomada de posição contra uma situação que beira a barbárie. Urge um olhar para as crianças e adolescentes objeto deste artigo, como sujeitos produtores de sua história. É imperativo desvendar a realidade e não compactuar com atitudes criminalizadoras. 

 

MARISA FEFFERMANN é Doutora em Psicologia e Pesquisadora do Instituto de Saúde. Autora do livro Vidas Arriscadas: o cotidiano de jovens trabalhadores do tráfico de drogas (Vozes).

 

NOTAS 1 Projeto de Lei nº 7.633/10.

2 Lei nº 10.216/01 (Lei da Reforma Psiquiátrica).

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