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Março 07, 2013

Cartas na mesa – Relato de viagem com DMT fumável

“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis” Planet Hemp

A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.

Nesta edição, nossos colaboradores Carlos Castanheira e Don Juancho de Las Sierras relatam a potência de uma experiência com DMT fumável desde algum lugar de Latinoamérica.

15A

Um gaucho montado em um cavalo baio passa ao largo do nosso acampamento, do outro lado de um riachinho e acena. Seus cachorros o seguem mais fielmente que nosso olhar, que logo se volta para nós mesmos, para a conversa, para o que aconteceria a seguir. O breve momento de distração do ambiente bucólico é logo interrompido. Alguém percebe que os dois cachorros começaram a perseguir uma lebre pelo relevoso terreno.

 

Estamos num vale, como tantos outros, ao pé da cordilheira dos Andes. Ermo e hermoso. Para concretizar essas qualificações num nome só batizaram-no de Valle Hermoso, o que nem é nome, mais constatação. O vale se espalha, com poucos pastos verdes e muitos montes amarelos, com vistas para grandes cadeias de montanhas nevadas durante o verão. Somos constantemente surpreendidos por uma fauna resiliente, condores e falcões, taturanas e trutas, lebres e cachorros. Um grande lago azul despeja sobre a planície um riacho, no qual estamos acampados às margens.

 

A lebre, grandezona, foge desesperada e faz mais curvas que os montes, enquanto os cachorros seguem no seu encalço. Quem nos apontou a perseguição foi Joaquin, nosso amigo cordobês recém-engendrado ao bando. A lebre, então, salta no riacho e passa flechada por nosso acampamento, tirando uma fina da barraca e sobe correndo o cerrito de 10m que fazia proteção ao vento para nosso camping. Seguimos correndo a perseguição, apenas para ver a lebre tomando distância e ganhando a corrida dos cachorros, estafados.

 

Após o inesperado preâmbulo, precedido por uma tarde chuvosa de recolhimento, vemos o entardecer como a oportunidade ideal para o experimento. Havíamos decidido ficar nesse lugar, que descobrimos ao acaso e a chuva havia lavado um pouco os ânimos. Mas o final da tarde se mostrava e o momento também.

 

Montamos uma cama ampla em cima de uma lona negra. A substância fora preparada e estava num improvisado cachimbinho de durepox e caneta bic. Vi os dois primeiros amigos fumarem e ficarem deitados, cobertos com sacos de dormir e com um sorriso impossível e duradouro. O terceiro atingido ficara sentado, olhando as montanhas, boquiaberto.

 

Resolvi subir a encostinha que servira de rota de fuga para a lebre e mostrava uma vista mais ampla do vale. O sol se punha e incandescia a tarde gelada. Me trouxeram um isolante térmico, duas mantinhas e me sentei. A fome passara: havia começado um jejum nesse dia, que se estenderia por mais um dia e meio. O gaucho novamente passou, acenou e seguiu sua rota. Era a hora.

 

“Johnny parece contar con ella para explorarse, para morder en la realidad que se le escapa todos los días. Veo ahí la alta paradoja de su estilo, su agresiva eficacia. Incapaz de satisfarcese, vale como un acicate continuo, una construcción infinita cuyo placer no está en el remate sino en la reiteración exploradora, en el empleo de facultades que dejan atrás lo prontamente humano sin perder humanidad”

 

Me ajeitei e não poupei fôlego no primeiro trago. Segurei a fumaça por alguns segundos e logo soltei antes de começar a tossir. O recomendado eram três tragos. Mas logo senti a pancada na nuca. Ao tentar o segundo a mão já tremia e a vista turvava. “Vai, dá outro”, insistiram. Achei prudente seguir o conselho e consegui encaixar a chama, com muita dificuldade, no bocal do cachimbo. Ao terminar o segundo trago, meu corpo já se empurrava para trás, enquanto me focavam com uma câmara, os dois que me acompanhavam já começavam a se desfazer.

 

Cai deitado. Os olhos se fecharam rapidamente e foram invadidos por setas vermelhas que se acompanhavam paralelamente grudadas. O que se seguiu é absolutamente indescritível, apesar dessa tentativa, e impossível de ser lembrado, apesar do que possam parecer essas recriações. Fractais caledoiscopiavam imagens de passado, desenhavam pedaços desconexos de minha existência. Deixava de existir e existia muito mais. As cores se aliteravam em minha cabeça e a capacidade de verbalização foi para um espaço longínquo. Caveiras – não assustadoras: primordiais – tentavam me dizer algo que até agora não sei o quê. Tudo é bastante luminoso e símbolos geométricos se alternam com imagens reordenadas: colmeias recheadas de signos, hexágonos que vão e vem e finalmente um grande túnel multicolorido.

 

Enquanto isso redemoinhava em minha mente, meu corpo convulsionava. As impressões que meus companheiros me deram depois de passado o efeito, a partir da observação do meu exoesqueleto, do meu corpo estirado, dão conta de algo muito mais tranquilo do que eu pensava . Mas enfim, a respiração estava entre ofegante e presa – lembrei de quando tomei cogumelos pela primeira vez e um amigo disse que parecia ter um sapo (e ele tem medo de sapos) dentro da gente. O que parecia um sorriso era mais para uma sensação de estar passando por uma montanha russa da existência, um uhul adrenalinento. Me lembro claramente de rir sem querer nesse momento, quando logo de começo uma cara de mulher apareceu em minha mente. O corpo sofria um orgasmo irrefreável e não respondia mais por si. Tudo era frio – a tarde estava fresca e ademais, talvez as extremidades percam calor com o fluxo de sangue no cérebro – mas pouco importava.

 

Decidi que era hora de abrir os olhos. Primeiro abri uma fresta mínima, para que o movimento das pálpebras e a entrada de luz jogasse um pouco de cor nos fractais e nas imagens que já enfraqueciam. Tudo era da mais incrível beleza e estava embasbacado com a capacidade que a mente tem de ser infinita, por mais tolo que isso posso parecer, por mais verdadeiro que isso seja. O engenho funcionou e foi uma nova explosão de cores e formas do lado de dentro dos olhos.

 

Ainda assim, o que há de fora de mim me chamava a abrir os olhos de vez. A nova jornada, de afastar as pálpebras e ver o mundo, não poderia ter sido mais exitosa. Deitado naquela planície, todo o mundo se abobadava ao redor de mim. De olhos abertos, pude ouvir o som. O céu, entre azul e rosa, se dividia em camadas espectrais, etéreas. O movimento das nuvens me brindava com algo que só posso relacionar com o que seria uma aurora boreal (ou melhor dizendo, austral) e se rearranjava constantemente. Decidira ao inicio dessa experiência, e reafirmava a convicção, de me entregar completamente ao que viria.

 

No céu, um enorme ventre de mulher e muitas outras caras bailavam, se expandiam e se retraiam sem parar. Vi um dom quixote me olhando nas nuvens e estava possuído de tudo que há de mais primeiro no mundo: tudo que via era novo e era impossível. Não conseguia lembrar que o céu fosse de outro jeito.

 

Revirei os olhos para trás e vi minha companheira me olhando com um sorriso. Em sua cara novamente aparecia a caveira e seus dentinhos da frente, pronunciados e lindos, fosforeciam no mosaico que foi feito dela. Ela não existia naquele momento: pulsava. Reconheci o amor, mas estava mais para lá dele. Virei a cabeça para o lado direito e fitei o riacho, os prados verdes e a montanha colorida que se seguia na cordilheira. Todos eles choravam cores, esguichavam-se elásticamente.

 

” Mira, esto de las cosas elásticas es muy raro, yo lo siento en todas parte. Todo es elástico, chico. Las cosas que parecen duras tienen una elasticidad…

Piensa, concentrándose.

– Una elasticidad retardada – agrega sorprendentemente.”

 

O som, inconstante, compunha uma melodia grave de idas e vindas. A montanha colorida, logo acima, dividia-se em quadrados, em cabeças, lembrando o quadro industrial de Tarsila Amaral e escorria indefinidamente. Tudo existia como possibilidades cromáticas e espaciais. A sensação de que tudo isso ai passar dava um medo calmo. O efeito de distensão temporal é patente: tudo que relato aqui se passou ao largo de 5 ou 10 minutos, mas que valeram por uma atemporalidade sem limites. Bom, havia o limite da substância em meu corpo, que logo se aproximava.

 

Olhei novamente para o céu que se decompunha em matizes lilases, não sem antes focar o olho em um flor amarela, que pouco efeito surtiu em minha percepção, além de anunciar, pouco tempo depois, o fim do efeito. As nuvens continuavam a brincar comigo mas já havia desistido de buscar qualquer tesouro, significado ou sentido, senão o que havia naquele momento.

 

Logo os efeitos se esfumavam, comecei a aterrissar novamente na realidade plana. Passei por alguns minutos de afonia e agradecimento. A substância que provei existe em todos nós, mas nosso corpo possui inibidores dela, no entanto, quando nos aproximamos da morte eles vem a tona. No mundo existem inibidores delas, charlatães jurídicos e falsos xamãs que dizem que a realidade é plana e todo o demais é fuga. Mas não fugimos. Encaramos de frente, fitamos os olhos profundos e vemos nas pupilas do real o que as leis nos escondem.

Por sorte, temos as armas secretas.

 

“- Bruno, si yo pudiera solamente vivir como en esos momentos, o como cuando estoy tocando, y también el tiempo cambia… Te das cuenta de lo que podría pasar en un minuto y medio.. Entonces un hombre, no solamente yo sino ésa y tú y todos los muchachos, podrían vivir cientos de años, si encontráramos la manera podríamos vivir mil veces más de lo que estamos viviendo por culpa de los relojes, de esa mania de minutos y de pasado mañana”

 

*As reflexões que acompanham este relato foram extraídas do conto “El Perseguidor”, uma homenagem de Julio Cortázar ao saxofonista Charlie Parker.

 

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