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Julho 04, 2017

A democracia do capital: mídia, militarização e mercado no resgate da cracolândia

Coluna da Isa Bentes*

Redenção. Salvação. Resgate. Remição.

Uma operação militar nomeada para resgatar almas do purgatório do conflito de interesses do capital. Governo do Estado e Prefeitura de São Paulo juntaram suas forças militarizadas para solucionar a questão do problema da cracolândia. Uma questão social que há pelo menos 17 anos vem tomando centralidade na discussão sobre consumo de drogas nos centros urbanos, de repente, foi resolvida com mil homens de diferentes agrupamentos policialescos e seus temperos da ordem. A operação do dia 21 de maio contou com 52 prisões arbitrárias de “traficantes de drogas”, apreensão de 10 kg de crack, três fuzis, martelos e pedaços de cano que os jornalistas chamaram de “armas”, dentre outros instrumentos simbólicos utilizados pela mídia para construir um imaginário social favorável à criminalização de determinadas condutas. Contando com uma mídia fascista que é o quarto poder no país, juntamente com os poderes executivos, legislativos e judiciários, formula nos mínimos detalhes o horror — não das práticas policiais nem da condição da vida daquelas pessoas empobrecidas pelo capital, que é o consumo de drogas nos locais públicos da cidade de São Paulo. Diante de tamanha criatividade, resolvi fazer algumas colocações à mídia, e também à sociedade como um todo, tendo com base as reportagens feitas pelo SPTV, da Rede Globo, e Estadão, sobre essa ação não tão bem orquestrada do poder público e do poder do capital especulativo imobiliário na gestão urbana.

De início, as matérias mapeiam os equipamentos culturais da região da Luz em que a operação ocorreu, apontando a importância desta região para aqueles que têm o direito de usufruir de lazer e cultura e que são impossibilitados pela existência de um tipo de pessoa que é condenada moralmente por suas práticas sociais, economicamente pela sua condição de extrema pobreza, e racialmente pela herança histórica que atribui ao negro e à negra a figura de um indivíduo a ser combatido e temido pelas práticas de violência que eles “naturalmente” tendem a cometer na sociedade. Essas pessoas, portanto, negros e negras empobrecidos, sem o direito de viver na sociedade, não podem ser tolerados nestes espaços. Com isso, as ações de repressão são plenamente aceitáveis, em que a violação de direitos atinge nível sem precedentes.

Os equipamentos da segurança pública que trabalham em favor da mídia, e que se retroalimentam, cobrem o espetáculo e transmitem ao vivo para todos os lares daqueles que sequer compreendem a dimensão do que ocorre na realidade da cracolândia, favorecendo apenas as lentes do higienismo social, da exclusão social e da negação do direito à cidade. Lembremos que a prática de consumo de drogas não é plenamente condenável: basta vermos os bares lotados da Vila Madalena, por exemplo. Tampouco vemos ações da polícia militar nos banheiros das baladas de classe média para combater o consumo de cocaína; e agora já até fizemos lugares especiais para fumantes de tabaco em todos os espaços de uso público.

A descrição que fazem é que não há mais barracas nem consumo excessivo nas ruas Helvétia e Dino Bueno, um cruzamento em que pessoas em situação de rua instalavam suas formas de proteção contra as intempéries da natureza e do homem também. Na concepção jornalística fascista, as barracas são como grandes feiras de tráfico de drogas, onde cada uma oferece uma gama de substâncias alteradoras de consciência e que se destinam única e exclusivamente para fins comerciais. A mediocridade chega a níveis tão grotescos em que uma das entrevistadas, que teve seu comércio parcialmente saqueado durante a ação da polícia, falou que deveria existir mais policiais na região. A ação contou com mais de 500 policiais nas ruas. Repito: MAIS DE QUINHENTOS.

Crédito: Alice Vergueiro

Crédito: Alice Vergueiro

Definitivamente não era a ausência de policiamento que aumentou os registros de violência, mas sim ao contrário: o aumento abrupto em uma ação súbita da polícia no amanhecer do dia 21 de maio desencadeou uma resposta daquela população no sentido de dispersar uma ameaça à ordem vigente. Sem direito à sequer resgatar seus documentos – ou ao que resta de dignidade no meio daqueles escombros de papelão e cobertores que o jornalista insiste em dizer que é lixo, mas o que é de fato lixo não foi recolhido daquelas ruas durante a semana justamente para criar um cenário de deterioração extrema -, os indivíduos se espalhavam e se reagrupavam em regiões próximas. Mas, lá no rodapé da matéria, os jornalistas se contradizem de uma forma estúpida e não crítica, afirmando que a cracolândia ainda não acabou. O prefeito diz que a cracolândia acabou. A resistência organizada diz que não adianta maquiar porque a cracolândia anda, se movimenta, se reagrupa. E isso acontece porque aqueles usuários e usuárias são antes de tudo indivíduos que constroem relações sociais baseadas em práticas cotidianas de compartilhamento de trajetórias, saberes, consumos, afetividades. A vida daquelas pessoas não se resume ao uso apenas, coisa que a mídia insiste em optar na hora de escolher qual lente de realidade eles vão preferir usar para manipular a opinião pública.

A polícia, então, na busca incessante por traficantes e usuários, entrava nos hotéis e moradias de forma diferente que entraram na casa da irmã do Aécio Neves quando esta foi detida por envolvimento em esquemas escusos de corrupção do dinheiro público. A polícia diz que havia 30 barracas, mas em apenas um take de filmagem conta-se bem mais que 30. Tentar diminuir a atrocidade feita pela polícia indicando o baixo número de atingidos pela truculência da ação contradiz o discurso de que existe uma grande população na região conhecida como cracolândia. Mas o consumo não se encerra. Não a toa a equipe de jornalismo registra a coexistência pacífica de usuários com policiais, sem grandes preocupações.

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O crack não existe

Um caso interessante é o do traficante que foi preso e vendia mais de 20kg de crack na região da cracolândia. A matéria diz que a polícia apreendeu 10kg. Se essas ações realmente tem sucesso, como nos dizem no combate às drogas, porque as quantidades de drogas apreendidas são tão baixas? Porque quando um helicóptero com 500kg de cocaína, que aterrizou na fazenda do deputado Zezé Perrela, que teve seu gabinete revistado e apreendido pela polícia federal em esquemas de corrupção, não teve a mesma quantidade de pessoas presas por tráfico de drogas como teve na cracolândia? O que há de glamouroso na espetacularização das práticas de horror na cracolândia que não há na fazenda de deputado? Não existe o lucro com a midiatização da miséria. Não há capital especulativo na disputa de territórios centrais da cidade para enriquecer os bolsos da burguesia. No pain, no gain.

O prefeito quer valorizar o espaço. Promete UBS, escolas, creches, um espaço revitalizado, que simplesmente silencia o que será feito daqueles que foram retirados da região da Luz. Até se fala em assistência social e atenção à saúde, mas os equipamentos instalados têm sérias limitações e atendem a um pequeno número de usuárias e usuários, mas as estatísticas são deturpadas para se aceitar que o programa atende uma parcela enorme de vulneráveis. Não se fala em política de emprego e habitação, não se fala em bem-estar e qualidade de vida, porque quem usa droga não é digno de benefícios sociais garantidos numa constituição que, na prática, nunca foi assegurada plenamente. O poder público expresso pelos governo estadual e municipal não apresentou nenhum projeto de melhoria na condição daqueles indivíduos.

Rap Móvel, atividade da Craco Resiste.

Rap Móvel, atividade da Craco Resiste.

Em tempo, sempre fui resistente ao uso da expressão cracolândia pelo caráter pejorativo, ultrajante e limitado em que ela se traduz. Mas com o tempo percebi que essa denominação tem sido reapropriada por aqueles que organizam a resistência, por aqueles que não silenciam suas vozes nem sob as balas de borracha, nem de mão atadas por algemas. A Craco Resiste tem tomado um protagonismo fundamental na luta pela garantia de direitos daqueles e daquelas que estão em situação de rua, que fazem ou não uso de crack, que defendem as garantias da reforma psiquiátrica, e que trabalham na redução de danos do consumo que pode ser prejudicial.

Uma coisa, portanto, fica muito clara quando se percebe a perniciosidade da mídia na cobertura dessa guerra à população negra e pobre: o maior produtor de dano à saúde pública, expressão essa que é justificativa do problema social do crack, não é a droga em si, mas os efeitos colaterais da política proibicionista que se expressa nas ruas através das ações militarizadas do poder público associada com o poder econômico, que garantem a miséria como fonte produtora de lucro permanente e os miseráveis como instrumento de reprodução do lucro perpétuo.

*Isabela Bentes é socióloga pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Mestra em Sociologia pela Universidade de Brasília e integrante do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre psicoativos. E-mail: isa.bentes@gmail.com

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