• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
setembro 05, 2020

Fumar & fumar – o tabaco e a pedra sagrada

Por Daniel Mello*

whatsapp-image-2020-09-05-at-19-03-19

Um sacerdote fuma eternamente no topo de uma pirâmide no sul do México. Os olhos entalhados em pedra estão estatelados em visões que não podem mais ser ditas. A fumaça flui da ponta de um longo charuto e se espalha pelo ambiente, tocando o céu e descendo à terra.

Não se sabe quantas vezes na vida ou por dia o tabaco era fumado pelos maias. A imagem evoca algo de solene, um momento de reflexão ao menos. Assim como a foto de Pablo Neruda com um volumoso cachimbo no canto da boca parece estar associada ao seu olhar aguçado sobre o mundo. Junto com Sartre e Bauman, são pensadores que parecem, nessas fotos que os imortalizam, tirar ideias das nuvens de fumaça.

Não é o pensamento, obviamente, que sustenta as milionárias indústrias do tabaco, são os cigarros em papel feito para queimar rápido, nos últimos minutos da hora de almoço das jornadas de oito a doze horas de trabalho. Há tempo de pensamento entre acender um cigarro a caminho do metrô e jogá-lo pouco depois da metade na porta da estação? Fumar para queimar o tempo. Dias medidos em maços.

Ainda há, pelas calçadas, os que fumam com os olhos fora deste espaço. Nesses cachimbos, feitos em metal improvisado, muito pouco tabaco. A planta do sagrado pré-colombiano, industrializada em sacrifício ao Deus-financeiro, é apenas combustível para queimar a cocaína em pedra. O crack estala distante dos cultivos da planta coca, também de relação espiritual para os povos que existiam antes da invasão europeia.

Pode ser ilegal, mas a cocaína é industrial. A apropriação colonial embranquece e exaspera as capacidades anestésicas da medicina tradicional. A xilocaína ameniza as dores que chegam a pele, a fumaça passa pelos pulmões para amortecer o coração. Em Salvador, mulheres garantiram à Luana Malheiros que usam crack para viver. Faz sentido em um país em que mais de 11 de milhões de pessoas têm depressão – a patologização do sentimento que o mundo não é mais suportável.

Longe das gravuras sagradas dos maias, os fumantes deste tempo vão para os jornais com os olhos tarjados – a tarja preta é a marca escolhida para esconder loucuras e vergonhas. Melhor começarem desde criança no trabalho, diz, com moral superior, o presidente. “É preguiça”, grita a senhora rica, esposa do governador, que não se aguenta dentro do próprio rosto.

Assim, os que vivem sem esforço exigem que os braços que não são seus continuem a mover o mundo e a carregar bandejas. Corpos que, se as leis de heranças valessem para todos, poderiam passar dias e noites em repouso, aproveitando da riqueza que seus ancestrais africanos e indígenas construíram.

Daniel Mello é jornalista, documentarista e poeta. Faz parte d’A Craco Resiste.

+ Leia mais

  • Bem vindos os braços abertos: que venham sem os punhos fechadosBem vindos os braços abertos: que venham sem os punhos fechados
  • O que eu vi filmando a CracolândiaO que eu vi filmando a Cracolândia
  • O vínculo como estratégia de cuidado – parte doisO vínculo como estratégia de cuidado – parte dois
FacebookTwitterWhatsAppCompartilhar

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Tags

anticapitalismo antiproibicionismo cocaína crack cracolándia cultura descriminalização ecstasy encarceramento em massa feminismo genocídio guerra às drogas gênero higienismo hipocrisia história infância internação compulsória jornadas de junho justiça legalização legalização da maconha legalização de todas as drogas lgbt liberdade de expressão lsd maconha manifestação marcha da maconha mdma militarização movimentos sociais pcc pm política institucional proibicionismo psicodelia punir os pobres racismo redução de danos saúde uruguai uso medicinal violência violência policial
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente