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Março 02, 2013

Livro analisa surgimento dos presídios femininos

Blog Sem Juízo

Livro de Bruna Angotti analisa surgimento dos presídios femininos

A campanha “Estou presa, continuo mulher” (doação de roupas íntimas e absorventes a mulheres em situação de prisão) revelou o descaso do Estado com a saúde das detentas e descortinou os graves problemas causados pela enorme expansão do encarceramento feminino, em que se perpetua da criminalização da pobreza.

Com o enrijecimento das leis sobre entorpecentes, enfim, a questão deixou de ser periférica no sistema penitenciário, já que mulheres são parte expressiva do exército de funcionários da microtraficância.
Trata-se de uma ótima oportunidade para conhecer a monografia de Bruna Angotti: “Entre as Leis da Ciência, do Estado e de Deus (o surgimento dos presídios femininos no Brasil) Ed. IBCCrim”.
Não faltam boas referências acadêmicas à obra, que foi fruto de dissertação de mestrado aprovada na área de Antropologia Social da USP e ainda venceu o concurso de monografias do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Mas o texto é fluente e não cai no academicismo que impeça a leitura pelo leigo.

Acompanhado de uma profunda pesquisa histórica no interior do sistema penitenciário, Bruna demonstra como a pretendida reeducação, de fundo moralista, se antagonizava com as necessidades sociais –preparar a mulher para a vida doméstica no exato momento de uma expansão fabril e aumento da participação feminina no mercado de trabalho. E como a ausência de enfrentamento da vulnerabilidade vem contribuindo até hoje para frustrar a reinserção social.

O livro enfoca preferencialmente as décadas de 1930 e 40, quando do surgimento dos primeiros presídios femininos no país (Reformatório de Mulheres em Porto Alegre, 1937; Presídio Feminino em São Paulo, 1941; e Penitenciária do Distrito Federal, no Rio, em 1942), relatando o esforço dos penitenciaristas em produzir uma certa humanização nos cárceres, que acompanhasse amodernidade científica da época.

Esse é também o momento de criação do novo Código Penal, no qual se produz o encontro de duas tendências aparentemente contrapostas, como o positivismo naturalista de Ferri e Lombroso e o liberalismo da escola clássica.

Os penitenciaristas queriam cumprir as diretrizes da Constituição de 1824, que extirpou penas cruéis, e exigia “cadeias seguras, limpas e bem arejadas” e ao mesmo tempo ingressar na vanguarda do novo pensamento que vinha da Itália.

A humanização acabou por seguir no esteio desse pensamento positivista que entendia a necessidade absoluta de cárceres distintos, inclusive pelo perigo do contato com os homens, dada a perversa capacidade que a mulher tinha de influenciá-los ou torná-los revoltosos.

Ainda assim, a improvisação guiou a administração nos primeiros estabelecimentos –como o do presídio paulista, construído no espaço dedicado aos diretores da Penitenciária masculina.

A monografia nos delicia com passagens de Lombroso, paradigma da época para a compreensão da mulher delinquente, que se revelaram puras demonstrações de preconceito: “a criminosa é fraca em sentimentos maternais”, “seu amor por exercícios violentos e mesmo as roupas se assemelham aos homens”; “toda mulher é organicamente monogâmica e frígida”.
Inescondível o vínculo que para os positivistas ligava a “delinquência feminina” a atos de expressão sexual. Não à toa, entre as categorias que distinguiam a suposta “mulher honesta” da “criminosa habitual”, Lombroso situava a prostituta –um espécime de mulher “primitiva”.

O livro narra muitas contradições que se revelaram neste processo de dita humanização.

De um lado, ideias que vinham para excluir o sentido de vingança da pena, como o fim dos uniformes zebrados, dos números estampados nas roupas, e na identificação pela matrícula de sentenciados; de outro, a administração dos primeiros presídios inteiramente a cargo da Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor D’Angers, ampliando as características de instituição total, como a uniformização rígida de roupas, penteados e condutas, de forma a anular por completo a identidade das presas.

De quebra, um rompimento profundo na nascente noção de estado laico, com a incorporação, na rotina de disciplina, de momentos de saudação a Deus e orações coletivas.

O livro tem, ainda, passagens ilustrativas que ensinam muito sobre o presente.

Como, por exemplo, quando situa a repressão ao alcoolismo: “Fonte de risco para a ordem pública, o alcoolismo preocupava as autoridades policiais, que buscavam contê-lo por meio do aprisionamento dos ébrios” –cerca de 1/3 das mulheres detidas, no começo da década de 40, ingressaram nas delegacias por alcoolismo, que não raro estava associado a outras fontes de detenção feminina, como a desordem, o escândalo e a vadiagem.

Fruto do pensamento higienista, a ideia recorrente de que, estando o alcoolismo associado à degenerescência, a necessidade de combate ao vício tornara-se uma premente questão de saúde pública, a ser “urgentemente controlada e resolvida”.

A forma de “controlar e resolver urgentemente” não é nada estranha a quem habita uma metrópole nos dias de hoje: a internação.

De acordo com a explicação de Olívia Maria Gomes da Cunha: “estes indivíduos nocivos são, no entanto, na maioria das vezes, intocáveis pelas malhas da polícia ou da justiça, em seus comportamentos nem sempre criminalizáveis. Necessário, assim, para a defesa da sociedade, definir para os mesmos uma instância legal e legitimada de exclusão e controle: a medicina mental se encarrega de ocupar esse espaço”.

Difícil não comparar com a forma como se tratam usuários de crack nas grandes cidades, com a força policial e o empenho pela internação compulsória. Para nosso desagrado, todavia, a experiência nos mostra que a repressão no binômio cadeia-internação, que já ocorreu com alcóolatras, em nada diminuiu os níveis de consumo no país.

Trabalhando com categorias de antropologia, a autora procura mostrar a ideia que está por trás do padrão de “dever ser” exigido da mulher e consequentemente seu caráter desviante. Em questão, quase sempre a ideia de inferioridade, docilidade e submissão, na qual se insere a negação da sexualidade da mulher.
Tipo ideal de ser doméstico, a repressão sobre a mulher se dá quanto mais aumenta sua participação no espaço público –o que aprofunda o critério seletivo de criminalização. A urbanização e a progressiva destruição de cortiços acabou fazendo com que a população mais pobre se utilizasse com frequência da rua como seu espaço de lazer, ficando, portanto, muito mais exposta à fiscalização.

Essa distinção se fazia ainda mais visível no caso da prostituição, diante da separação entre as profissionais de cabaré (aceitas pela sociedade como um mal necessário) e a forte repressão ao baixo meretrício de rua.

O caráter “doméstico” da mulher chegou, inclusive, a ser importante referência legislativa: enquanto os reclusos tinham direito a trabalho externo, este era proibido para as mulheres presas até 1977.
Pensando criminalização e ressocialização desta forma, o resultado não poderia mesmo ser alvissareiro.

Como aponta a autora, em suas conclusões, “a proposta de reeducação e recuperação moral das detentas para a sua reinserção na sociedade não possibilitou uma real transformação social, capaz de retirar essas mulheres das condições de subordinação e precariedade que as tornavam vulneráveis e expostas aos olhos da justiça criminal”.

O estudo é rico em arquivos extraídos das penitenciárias, estatísticas de prisões, relatos do cotidiano prisional e serve como um excelente ponto de partida para outras pesquisas na área.
Afinal, a ideia expressada em 1924 por Cândido Mendes de Almeida Filho, de que “o sistema penitenciário brasileiro era vergonhoso”, não está muito distante da realidade de hoje, quase um século depois.

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