• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Maio 06, 2021

O que eu vi filmando a Cracolândia

Por Daniel Mello*

Um casal dançou de corpo colado no meio da tarde ao som de uma música que não pude escutar e nem sei dizer se existia, apesar do sol sobre as cabeças desprotegidas e os pés descalços. Os pés nus também não impediram de uma roda de homens chutar durante vários minutos uma bola de futebol para o alto em um jogo sem regras. Na noite de ano novo, à meia-noite houve fogos que iluminaram várias vezes a multidão e piscaram quase tantas vezes com os isqueiros que acendiam os cachimbos.

https://coletivodar.org/wp-content/uploads/2021/05/WhatsApp-Video-2021-05-06-at-10.44.46.mp4

As imagens têm datas, horários e nenhum som. Fazem parte do acervo construído pela A Craco Resiste a partir de um sistema de monitoramento com câmeras de vigilância da área conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo. O trabalho foi iniciado em dezembro (2020) e resultou em um dossiê inicial com 12 vídeos de violência desproporcional e injustificada. O uso das chamadas câmeras de segurança, destinadas a observar e, eventualmente, gravar continuamente é uma tecnologia usada pelas forças de vigilância privada e pública.

A opção de usar esse tipo de equipamento tem como objetivo principal mostrar todo o desenrolar das ações em que há uso de bombas de gás e balas de borracha, assim como uma série de abusos cotidianos, como socos e investidas com viaturas. Mostrar para o público, assim como movimentos e ativistas vêm denunciando há anos, que a repressão da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar no bairro da Luz não é uma reação à violência das pessoas que vivem e frequentam aquelas ruas, são uma política com rotina estruturada.

As imagens gravadas ininterruptamente vão além disso. Ultrapassam a visualidade espetacular que tem sido explorada há anos por fotógrafos de todo o tipo: artistas, fotojornalistas, cineastas, cinegrafistas profissionais, diletantes e amadores ( quantas mais categorias queiram ou não se encaixar). A situação de miséria extrema que se mistura aos descartes de tecnologia barata do centro da metrópole sempre exerceram um fascínio para os profissionais da imagem e seus públicos. O uso de drogas ilegais de forma constante, especialmente a tão estigmatizada cocaína fumada em cachimbos, que atende internacionalmente pelo nome de crack, é outro elemento que torna essas fotografias objeto de desejo para produção e consumo.

Ao mesmo tempo, há uma dificuldade para produzir essas imagens, o que aumenta o fetiche. Uma fotografia de guerra (da Síria às drogas). A guarda e a polícia abominam câmeras vigiando suas atividades em qualquer parte da cidade, ainda mais nessa onde se sentem à vontade para cometer todo o tipo de abusos. É comum que as pessoas que tentem filmar ou fotografar esses agentes sofram todo o tipo de intimidação, desde a violência física à detenção.

O fluxo, conjunto de pessoas que vivem e frequentam essas ruas, também não tem simpatia pelas câmeras. Sabem que as imagens tendem a ser usadas para promover a criminalização como grupo ou individual. As pessoas mais organizadas, que não dormem na calçada, podem ter problemas com a família e no trabalho. Quem estiver mais próximo ao comércio ilegal de drogas pode ser preso. Ou pode ser simplesmente a vergonha de ser descoberto nas ruas depois de uma longa ausência entre queridos e conhecidos.

Assim, a grande maioria das imagens que escapam da Cracolândia são de cenas de violência, depois do primeiro estouro, quando é difícil dizer se começou de uma pedra ou uma arma, ou então, muitas vezes, são uma pintura do imaginário do fotógrafo. Quem procura o desespero, fotografa desespero. Quem busca um zumbi, faz imagens de uma horda em transe. Os que procuram violência têm à disposição pessoas com o rosto encoberto com paus e rojões.

Nessa tempestade de imagens feitas antes de apertar o botão, é difícil ver um homem sentado com ou sem cachimbo na mão observando o fluxo de trabalhadores que passa pela Estação Julio Prestes. Falta coragem para ver as ruas também ocupadas pelo ócio das pessoas que saíram sem saída das masmorras do sistema prisional, das travestis expulsas de casa aos 14 anos, das esquizofrenias não domadas pela indústria farmacêutica e os gritos das igrejas.

Não digo que é algo bonito de se ver. A resistência verdadeira, de quem luta pela vida contra as forças opressivas da morte raramente pode se vestir à moda para a revolução. Os farroupilhas, hoje nome de rua e avenida, eram os que vestiam farrapos. Os cabanos, aqueles que viviam nas malocas à beira rio. Existir e ser visto no centro de São Paulo, em meio a tantas vozes que determinam extermínio, é, sem dúvida, algo que merece respeito.

*Daniel Mello é jornalista, documentarista e poeta. Faz parte d’A Craco Resiste e é autor de Gargalhando Vitória – poemas da cracolândia.

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos