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Março 26, 2018

Oi, Jout Jout. Senta aqui. E se a gente humanizasse o holocausto?

Coluna da Gabi Nascimento*

Bizarra a pergunta, né? Pois bem. É exatamente o que você está perguntando aos pretos e pobres que encaram o encarceramento em massa como um projeto político de extermínio quando você sugere que exista uma “cadeia do bem”.

Uma penca de pessoas que estudam e pautam o sistema carcerário, não só aqui como em várias partes do mundo, enxergam o cárcere não como uma tentativa falha de ressocialização mas como uma instituição muito bem sucedida em seu propósito de controle social.

Isso significa dizer que o crime não é o principal objeto de preocupação do cárcere. Se o fosse, o perfil da pessoa encarcerada não seria tão específico, afinal pessoas ricas também cometem crimes. Só dar meia volta em qualquer centro acadêmico de faculdades renomadas e tradicionais que você encontrará traficantes de substâncias ilícitas. Ora, se o crime não é objeto de preocupação da indústria punitiva, por que a ressocialização seria o principal objetivo da prisão?

a prisão é a solução punitiva para uma gama completa de problemas sociais que não estão sendo tratados pelas instituições sociais que deveriam ajudar as pessoas na conquista de vidas mais satisfatórias. (…) as prisões tornam-se uma maneira de dar sumiço nas pessoas com a falsa esperança de dar sumiço nos problemas sociais latentes que elas representam. [1]

O que eu quero dizer com essa pequena introdução e com essas provocações é que o cárcere é necessariamente um instrumento de tortura dos mais pobres, e essencialmente dos pretos. O cárcere é, hoje, o nosso holocausto e não demanda humanização, mas sim um fim sumário.

A Pastoral Carcerária, no contexto dos massacres nos presídios do norte e nordeste do início de 2017 publicou uma nota falando justamente sobre como as prisões privadas (e aqui entramos no âmbito das APACs) funcionam nesta lógica:

Esse formidável, custoso e cruel aparato de controle social, estruturado em pleno período democrático, deita raízes profundas em nosso sistema econômico que “exclui para se manter”, como já afirmou o Papa Francisco, e cuja lógica neoliberal e mercantilizante atinge todas as relações humanas, sem exceção. Crime e castigo tornaram-se commodities, e corpos, quase todos pretos, novamente tornaram-se objetos de comércio e barganha, dessa vez em benefício dos senhores das prisões privadas.

As APACs são prisões gestadas por ONGs, sem fins lucrativos. E sua principal filosofia é “matar o criminoso para salvar o homem”. No entanto, como eu já disse, o sistema carcerário não se trata de crime e sim de controle. Neste sentido, fazer com que o preso viva religiosamente a sua pena e se agarre a ela como uma forma de penitência interessa a quem? Não há qualquer reflexão crítica sobre o que é o sistema penitenciário ou sobre como o capitalismo se utiliza do cárcere para gerir os que sobram, afinal você está preso porque Deus quis te castigar.

A narrativa de que dentre os egressos das APACs apenas 20% reincidem, isto é, voltam a cometer crimes, pode ser muito facilmente desmantelada, levando em consideração que os presos que vão para as APACs são rigorosamente selecionados, de modo que o perfil desejado pela administração são o de presos “menos problemáticos” (que não integrem facções, por exemplo). É praticamente um vestibular para entrar na unidade.

Além de tudo, os dados sobre reincidência nos estabelecimentos penais comuns, que foram citados até mesmo pelo Movimento Brasil Livre quando este propôs o fim do regime semiaberto, já foram contestados pela Agência Pública. Cabe uma pesquisa antes de sair soltando uns 80% aleatórios aí.

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Falar de APAC é necessariamente falar sobre privatização das prisões e essa tem sido uma das grande pautas dos movimentos que atuam no cárcere. A Agenda pelo Desencarceramento, construída conjuntamente por diversas organizações de direitos humanos, repudia qualquer tipo de privatização do sistema prisional e entre os motivos apresenta o lucro sobre nossos corpos. Não como se isso já não acontecesse agora, afinal, os presos constituem uma mão de obra barata, quando não de graça, como pesquisas já apontaram.

Alinhadas com uma pauta global, pessoas negras acadêmicas e militantes têm se colocado no espectro do abolicionismo penal que propõe o fim de todas as prisões. É isso mesmo. Não importa se tem uma horta na frente ou se tem florzinha desenhada na parede. Queremos que acabe. E não estamos sós nessa. Fiquem aí com Angela Davis:

Quando me refiro à abolição dos presídios, gosto de citar a noção de Du Bois sobre democracia da abolição. Que significa falar não unicamente, e não fundamentalmente, sobre a abolição como um processo negativo de demolição mas também como um processo de construção, de criação de novas instituições. [2]

Assim, cabe repensar como produzimos conteúdo e como podemos, na verdade, prestar um desserviço, mesmo quando as intenções são boas. Cabe pensar também quais são as vozes que a gente resolve amplificar. Falar de cárcere é necessariamente falar de tortura e demanda responsabilidade, estudo e atenção, sobretudo quando se tem mais de um milhão e meio de espectadores.

[1] DAVIS, Angela. A Democracia da Abolição: Para Além do império das prisões e da tortura; tradução Artur Neves Teixeira. Rio de Janeiro. Ed Difel, 2009. p. 47.

[2] Ibid. p.86″87

*Gabrielle Nascimento é feminista negra, do Coletivo NegraSô, e integrou a Campanha 30 Dias Por Rafael Braga.

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