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Outubro 11, 2013

Pablo Ortellado: vidas devem valer mais do que vidraças

Correio da Cidadania 

O 7 de setembro foi um dos momentos notáveis em que o país novamente assistiu a brutais ações repressivas da polícia cuja “contundência” seria justificada pela violência dos manifestantes, sobretudo do Black Bloc. Para quem segue achando que meninos e meninas que quebram vidraças são “violentos” e que, por isso, precisam ser contidos também com violência (sem aspas), convido a uma reflexão histórica sobre a origem dessa tática.

 

Em 1999, os movimentos sociais dos Estados Unidos se preparavam para protestar contra a Rodada do Milênio da Organização Mundial do Comércio, que buscava levar a desregulamentação econômica para outro nível, incluindo o setor de serviços e criando absurdas garantias para investidores. Duas iniciativas grandes foram feitas para protestar contra o encontro que acontecia na cidade de Seattle: uma grande manifestação de sindicatos, sobretudo os ligados à confederação AFL-CIO, e um bloqueio dos acessos ao local do encontro organizado pela rede Direct Acion Network (DAN). O bloqueio organizado pela DAN era caracterizado pela observação estrita da não-violência, na tradição inaugurada pelo movimento dos direitos civis de Martin Luther King Jr.

 

Alguns ativistas acreditavam, no entanto, que essa estratégia da não-violência tinha se tornado inefetiva e que era preciso inovar. A não-violência de Gandi e Luther King foi caracterizada por uma desobediência aberta a leis injustas e a não reação à ação repressiva do Estado – usualmente extremamente violenta. Foi assim que os indianos enfrentaram o colonialismo inglês e os negros do sul dos Estados Unidos enfrentaram a política segregacionista. Eles desafiaram colonialismo e segregacionismo violando aberta e publicamente as leis e dando a outra face quando atacados pela violência policial. Essa postura que conciliava uma causa muito justa e uma ação de resistência passiva chocou a opinião pública, que logo se colocou a favor dos protestos, tirando a legitimidade da opressão colonial britânica e da política de segregação dos estados do sul.

 

Mas para que a estratégia desse certo era preciso que os meios de comunicação cobrissem a violência do Estado. Era a visão da violência do Estado sobre manifestantes passivos em defesa da justiça o que gerava os efeitos políticos buscados. Mas, desde os protestos contra a segregação racial, os movimentos sociais americanos não conheciam uma campanha de maior expressão que tivesse sido bem sucedida. E o principal motivo para que isso tivesse acontecido era que a grande imprensa não cobria a violência policial e, portanto, a resistência passiva gandiana não tinha qualquer efeito prático. Foi esse o entendimento dos ativistas que discordaram do DAN e optaram por montar um Black Bloc, na tradição alemã.

 

No entanto, de maneira um pouco diferente do que faziam os alemães (que se dedicavam a enfrentar a polícia e proteger as manifestações de agentes provocadores), os ativistas americanos do Black Bloc buscariam retomar a atenção da grande imprensa por meio de uma ousada campanha de destruição de propriedade privada – uma ação simbólica, orientada a grandes cadeias comerciais como McDonald’s e Starbucks. Assim, conseguiriam simultaneamente resgatar a atenção dos meios de comunicação e demonstrar simbolicamente seu repúdio a alguns símbolos do avanço do capitalismo transnacional.

 

É preciso notar que essa ação de destruição de propriedade também era não-violenta, já que uma das regras que foram auto-instituídas pelos manifestantes é que pessoas ou animais não poderiam ser machucados (regra que extraíram das ações “terroristas” do movimento ambiental radical americano) – e também que nenhum estabelecimento comercial operado pelos donos (isto é, nenhum pequeno comércio) poderia ser atacado.

 

O que vimos recentemente no Brasil é um direto desenvolvimento dessa estratégia, que já dura 15 anos, e que não está sendo colocada em prática apenas no Brasil, mas em muitos lugares do mundo, como a Grécia e o Egito. Quando olhamos sob a ótica da sua origem histórica, a ação dos Black Bloc parece razoavelmente bem sucedida.

 

Enquanto a repressão da polícia a manifestantes pacíficos segue invisível para a maior parte da grande imprensa, a destruição de propriedade privada, sobretudo de bancos, ganha enorme visibilidade. Adicionalmente, o fato de o Brasil ainda manter uma polícia militar que opera praticamente sem controle, e que é acusada de ações regulares de extermínio de jovens pobres, cria uma paradoxal situação que tem sido bem explorada pelos manifestantes. A imprensa gasta páginas e mais páginas de jornal e dezenas de minutos de jornalismo televiso para discutir a “violência” contra vidraças, enquanto a verdadeira violência contra a vida de nossos trabalhadores ganha menções pontuais e breves.

 

Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade. É uma questão em aberto se essa mensagem está sendo adequadamente recebida pelo público. Mas, seja como for, essa tática não é nem violenta, nem arbitrária – e, sobretudo, ela não é tola. Nossos jovens que estão nas ruas merecem respeito e nosso apoio – e nossa indignação precisa estar orientada para a verdadeira violência, aquela que faz desaparecer Amarildos e assassinar Ricardos.

 

Vidas devem valer mais do que vidraças.

 

Pablo Ortellado é professor e pesquisador da USP.

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