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outubro 09, 2020

Racismo & militarismo: todos os soldados vão para o inferno

Por Daniel Mello*

O Grande Mago ou o Mago Imperial são os títulos dos líderes máximos da organização racista norte-americana Ku Klux Klan. A série da HBO Lovecraft Country (2020) faz um uso quase literal dessa denominação ao fazer uma releitura dos elementos do terror cósmico do autor H.P. Lovecraft em uma mistura com o terrorismo real que os grupos de ódio promoveram ao longo do século 20. A trama se aprofunda ainda no horror que os Estados Unidos promoveu nas guerras e invasões em países asiáticos.

O protagonista, Atticus, um jovem negro, é um veterano da chamada Guerra da Coreia. Além dos monstros humanos e inumanos que enfrenta, tem que lidar com as assombrações das barbaridades que cometeu como soldado. O passado do herói se conecta com a crítica de como essas guerras têm uma base essencialmente racista, resumida na célebre citação a respeito da Guerra do Vietnã – “pessoas brancas mandando pessoas negras para lutar contra povos asiáticos para proteger o país que eles roubaram dos povos indígenas”.

As invasões abertas e declaradas não foram a única forma que os Estados Unidos usaram para promover o terror ao redor do mundo. Em diversos outros conflitos há suspeitas e indícios da ação dos serviços de inteligência agindo fora de qualquer lei nacional ou internacional. É nesse ambiente de terrorismo institucional que surge o Spawn, personagem que marca a ascensão do que pode ser chamado de forma imprecisa de anti-heróis nos quadrinhos na década de 1990.

Spawn tensiona de forma explícita o dualismo entre os heróis de coração puro, que têm como maior exemplo o Superman, e os vilões do mal absoluto. Antes de se tornar o Spawn, Al Simmons era um dos agentes enviados para missões secretas fora do território norte-americano. As perversidades que comete nessas ações faz com que, depois de traído e morto pelo próprio chefe, seja recrutado como soldado pelo exército do inferno.

Longe do Éden Africano de Wakanda, terra natal do Pantera Negra, Simmons está muito mais próximo das dores dos homens negros dos Estados Unidos e de outras partes do mundo. Talvez pela aparência monstruosa que recebe ao ser reenviado para o plano terrestre para ser treinado como comandante das tropas demoníacas, Spawn também seja muito menos lembrado como protagonista negro. Mas nada tem de acaso no fato de que ele escolha como refúgio, enquanto luta para quebrar a maldição que o aprisiona, a Cidade dos Ratos – uma Cracolândia da Nova Iorque fictícia onde moradores de rua se esquentam ao redor de fogueiras improvisadas, oprimidos entre a polícia e as máfias.

Na Cracolândia real do centro de São Paulo, essa população que dorme nas calçadas vive sua própria cota de pesadelo, sofrendo todo tipo de abusos à luz do dia. Os agressores são as forças policiais, ali Guarda Civil Metropolitana e Polícia Militar – com uma presença ostensiva de alguns agentes tão negros como as pessoas que apanham.

Oficialmente, entre os integrantes da Polícia Militar pouco mais de um terço (37%) são negros. Porém, entre os mortos os soldados negros são maioria: 51,7%, segundo o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um número que os próprios pesquisadores responsáveis pelo estudo consideram que pode estar subestimado devido ao método da autodeclaração, em que as pessoas podem evitar se considerar como pretas ou pardas.

Fugindo do estereótipo tão batido do “capitão do mato”, que no seu artigo definido tenta estabelecer como responsabilidade individual a escolha dos agentes a serviço da repressão institucional, é preciso entender que colocar homens pretos na linha de frente da guerra às drogas e outras batalhas inglórias é parte do racismo estrutural. Ser soldado de polícia não é um trabalho destinado à classe média no Brasil. O salário só compensa os riscos, na maior parte do país, para quem tem muito poucas outras opções à disposição. O histórico de abusos sem apuração se torna atrativo ainda para pessoas de perfil perigoso, tornando a corporação um ambiente terrivelmente insalubre.

Não são todos os que resistem a essa vida entre a pressão da corporação pela violência contra os mais pobres e as tentações criminosas. Nos últimos anos vem crescendo o número de suicídios nas polícias de São Paulo. Aqui, finalizo com uma citação da poeta Pat Parker (em tradução livre) – “pessoas negras não se suicidam”.

“elas foram assassinadas

ainda crianças na escola

por professores

que não ligaram

elas foram assassinadas

por policiais

que não ligaram

elas foram assassinadas

por assistentes sociais

que não ligaram

pelos seguranças de loja

que não ligaram

pelos religiosos

que não ligaram

elas foram assassinadas

pelos políticos

que não ligaram”

Extrato de jonestown, Pat Parker (1984)

* Daniel Mello é jornalista, documentarista e poeta. Faz parte d’A Craco Resiste.

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