por Sidarta Ribeiro, neurocientista e professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte
O ano de 2017 será lembrado como marco da “renascença psicodélica”. Levantam-se, com rapidez e vigor, as terríveis barreiras impostas há décadas à pesquisa e ao uso terapêutico das substâncias psicodélicas: maconha, ayahuasca, LSD, psilocibina, MDMA (ecstasy), DMT e muitas outras. Em abril, pesquisadores de todo o mundo se reuniram em São Francisco para três dias de intensa troca de conhecimentos no congresso da Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS). Na primeira vez em que estive nesse congresso, em 2011, o grosso do público parecia composto de personagens do livro O senhor dos anéis, de J.R.R. Tolkien. O autêntico hippie-chic da Califórnia misturado a poucos mas ótimos cientistas, num ambiente de celebração do interesse da ciência pela psicodelia. O congresso não passou de 300 pessoas. De brasileiros apenas a antropóloga Beatriz Labate, especialista em ayahuasca, e dois neurocientistas a seu convite, Eduardo Schenberg e eu.
O congresso seguinte, em 2013, teve o dobro de público e uma mudança evidente na composição. Os cientistas invadiram a praia de Tolkien, mesclando-se aos seres mitológicos da Terra Média em proporções iguais. Nós brasileiros agora formávamos um grupo de certa visibilidade. Em 2017 o congresso cresceu como um tsunami. Eram quase três mil pessoas, grande quantidade de cientistas renomados, imprensa internacional e salas de hotel fechadas para gravação de documentários. Os seres de Tolkien praticamente desapareceram, embora alguns ainda estivessem presentes, à paisana. A principal diferença do congresso de 2017 em relação aos anteriores foi a chegada de fundações e empresas interessadas em financiar pesquisa sobre o uso de psicodélicos para tratar ansiedade, depressão, síndrome de estresse pós-traumático e até mesmo câncer.
Thomas Insel, diretor por 14 anos do órgão governamental norte-americano para saúde mental, hoje na Google, reconheceu publicamente o imenso potencial terapêutico dos psicodélicos. O farmacologista David Nichols, da Universidade de Chapel Hill, apresentou os resultados de um artigo publicado em janeiro sobre o LSD, que foi capa da excelente revista Cell, demonstrando que a estrutura molecular do receptor de serotonina, quando ligada ao LSD, se altera de forma a aprisioná-lo, levando a efeitos intensos mesmo com doses baixas.
Dessa vez o time brasileiro estava fortíssimo. Dezenas de inquietos tupiniquins aumentando o tom das conversas em toda parte e, o que é mais importante, mostrando excelente pesquisa. Também deram ótimas palestras o psicólogo Bruno Ramos Gomes e o médico Bruno Rasmussen. Um grande número de pós-graduandos apresentou pôsteres e participou ativamente das discussões. Marcelo Leite, um dos fundadores do jornalismo científico no Brasil, acompanhou tudo de perto. Labate foi uma das principais organizadoras do evento, responsável por uma sessão enorme sobre Plantas Medicinais e por discursar na abertura do evento, ao lado do presidente da MAPS, Rick Doblin, e da Condessa Amanda Feilding, respectivamente papa e papisa do movimento.
Com sua equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, capitaneada pela doutoranda Fernanda Palhano, Dráulio Araújo obteve excelentes resultados da ayahuasca aplicada ao tratamento da depressão, em ensaio clínico randomizado e controlado por placebo. A ayahuasca atenua rapidamente os sintomas da depressão e esse efeito persiste por pelo menos sete dias, muito mais do que a quetamina, sua concorrente direta. Stevens Rehen também apresentou resultados de grande impacto, mostrando que componentes da ayahuasca e do rapé indígena yopo induzem neurogênese e plasticidade sináptica.
Voltei do congresso com a certeza de que a nova medicina do futuro virá da antiga, inventada por pajés.
Este artigo foi publicado originalmente na edição de junho de Mente e Cérebro, disponível na Loja Segmento.