O uruguaio Raul Zibechi é jornalista e escritor. Atualmente é responsável pela seção Internacional do semanário Brecha, além de ser professor e pesquisador da Multiversidade Fransciscana da América Latina e trabalhar junto a diversos movimentos sociais. Por e-mail, conversou com o DAR sobre alguma questões polÃticas latinoamericanas, nesta que é a primeira das entrevistas exclusivas que pretendemos fazer, na busca constante por abordar diversos aspectos da questão das drogas e do movimento anti-proibicionista.
Zibechi inciou sua militância combatendo a Ditadura Militar uruguaia, até partir para o exÃlio na Argentina em 1975 – de onde fugiu um ano depois, após ali também ter acontecido um golpe militar. Foi para a Espanha, onde trabalhou com o Movimento Comunista e com alfabetização de camponeses por mais de dez anos. Desde os anos 80 percorre a América Latina, estudando movimentos sociais e participação polÃtica popular. Destas investigações nasceram diversos livros e publicações, entre eles: “La mirada horizontal – movimientos sociales y emancipaciónâ€, “Dispersar el poder, los movimientos como poderes antiestatales†e “Territorios en resistencia – cartografia polÃtica de las periferias urbanas latinoamericanasâ€.
Para começar, gostaria de saber como você avalia a polÃtica externa dos EUA para América Latina depois de pouco mais de um semestre de governo Obama. Crê que há alguma mudança substancial de orientação? Talvez dois dos pontos principais sejam a ampliação da IV Frota e os acordos para novas bases militares na Colômbia, o que representam estas iniciativas?
Os Estados Unidos vivem uma decadência polÃtica e econômica, já não são a nação hegemônica mesmo que ainda sigam sendo dominantes. Dominam sem hegemonia, sem consenso, como fizeram todos os impérios no começo de seu declÃnio. Com as bases na Colômbia buscam reverter sua decadência e seguir controlando uma região que está escapando. A mensagem é para o Brasil, que é a potência regional que os está substituindo. O império só pode sobreviver apropriando-se dos bens comuns, água, hidrocarbonetos, etc. E aà estão o pré-sal, a Amazônia.
Entrando na discussão especÃfica de polÃtica de drogas, nos EUA há hoje discussões sobre modificações, uma vez que existe praticamente um consenso mundial de que o modelo proibicionista não tem resultados. Há o exemplo da Califórnia, onde o consumo é praticamente legal, e Obama esteve no México dias antes de lá ser aprovada a descriminalização do consumo de todas as drogas. Mas por outro lado seguem as polÃticas militarizadas para América Latina, o que acontece em sua opinião? Há uma ambiguidade na ação dos EUA ou somente uma estrategia mais refinada?
É só uma estratégia. São as drogas e os direitos humanos, e isso não porque eles acreditam nisso mas sim porque serve para unificar suas classes médias, que é o que importa, já que delas depende a estabilidade interior, o ponto chave. Drogas? Veja, 90% do dinheiro do tráfico fica nos EUA, não retorna a Colômbia, ficando com as máfias que o direcionam para o circuito financeiro. O problema é que o comunismo não unifica mais as classes médias, que estão pedindo o fim do embargo a Cuba.
São conhecidas as ligaçoes de Ãlvaro Uribe (presidente da Colômbia) com o narcotráfico, desde pelo menos o começo dos anos 1990. Acredita que sua relação subserviente com os EUA e também suas incessantes tentativas de outra reeleição são também tentativas para escapar das investigações?
São alianças. Uribe vai fazer tudo o que querem os EUA, e se não fizer o mandam preso por tráfico. As coisas são assim claras. Na Colômbia todos sabem quem é Uribe, e agora existem denúncias que a DAS, a encarregada de combater o tráfico, é na verdade quem o organiza.
Ainda falando de Colômbia, como avalia o Plano Colômbia? Que seus resultados foram nulos é incontestável, mas qual são as reais intenções por detrás dele? Crê que há uma verdadeira disposição de combate às drogas ou o plano é meramente um instrumento imperialista?
O Plano Colômbia é um êxito para o que foi desenhado: militarizar a polÃtica colombiana e exportar o militarismo para a região. Insisto: as drogas não importam, como não importava o comunismo. Agora, com os anos e em vista das relações EUA-China, alguém crê que o comunismo era sentido como um problema para os dirigentes ianques? Ou seja, o problema não era a URSS, como hoje não é a China, e sim o domÃnio do mundo e para isso ter um discurso que unifique as classes médias. Nada mais. Além disso, não se quer combater o narcotráfico porque entre os sete milhões que consomem cocaÃna grande parte provém dessas classes que sustentam o Pentágono e a Casa Branca.
Como lhe parece o termo “narcoterrorismoâ€, tão utilizado pelos EUA, Uribe, etc? Há de fato uma simbiose entre FARC e narcotraficantes ou essa classificação é mais um instrumento de intervenção?
Me parece horrÃvel. Não existe narcoterrorismo, e se existe são os próprios ianques que o usaram na guerra do Vietnã e no combate aos Panteras Negras.
Mesmo com os resultados do Plano Colômbia, os EUA aprovaram em 2008 a Iniciativa Mérida, também conhecida como Plano México, pelas suas semelhanças. Que intenção há por trás dessa estratégia?
O problema do México é outro. Os EUA não podem permitir um poder tão grande das máfias em sua própria fronteira. Essas máfias nunca incomodaram, sempre foram aliadas do poder do PRI mas agora que decidiram combatê-las se meteram em problemas, e a desestabilização é forte. Os EUA levam seu problema ao México, porque quem financia e dá as armas às máfias mexicanas é o mercado estadunidense.
Uma das pernas de sustentação do narcotráfico é a lavagem de dinheiro pelo sistema bancário internacional. Mas o que se vê na prática é a repressão somente aos paÃses supostamente produtores e aos pequenos comerciantes. Crê que isso é uma opção ou somente uma dificuldade de combater os que realmente ganham com o comércio de drogas?
Já aconteceu com o Cartel de Medelin e Pablo Escobar. O problema não eram as drogas e sim que o cartel se meteu com a distribuição nos EUA, e passou a sacar o dinheiro que deveria permanecer no sistema financeiro de lá. Aà houve uma luta de poderes, para ver onde ficaria este dinheiro, se é para lubrificar o sistema financeiro, ou seja o poder estabelecido, aà não há problemas. O problema começa quando eles não o controlam, ou seja, quando aparecem atores que não são controlados pelo poder.
Por fim, aqui no Brasil um dos efeitos principais da “guerra à s drogas†é a chamada criminalização da pobreza, a atuação do estado reprimindo seletivamente setores da população. Seus estudos focam na questão da resistência das periferias, você constatou essa criminalização atreves das drogas em outros paÃses também? Ou seja, a utilização deste intrumento de suposto combate à s drogas como mais uma maneira de opressão aos pobres e negros? O que fazer para frear a militarização do Estado e das polÃtica sociais?
Aqui temos um grave problema de interpretação. O que são as máfias das drogas? Existem, têm força, estão por fora do controle do Estado e o Estado luta contra elas com repressão e polÃticas sociais. Minha pergunta é: que representam as máfias? São formas de afirmação dos excluÃdos? Com essa pergunta não pretendo insinuar que possam ser positivas para a luta social, aà está o caso do MTST e os sem-teto reprimidos e assassinados pelas máfias das favelas. A pergunta é mais geral e de longo fôlego. Partha Chatterjee constata na Ãndia que à medida que os de abaixo se afirmam também cresce a deliquencia. Marx disse algo parecido a respeito do roubo de madeira dos camponeses. Vejo dois problemas, um nosso outro da realidade, que também é nosso. Não sabemos bem como nos posicionar frente à s máfias, como interpretá-las. Isso confesso que não tenho claro e que me tira o sono. O segundo é que não sabemos como afastar as pessoas da droga e das máfias, e nisso as igrejas pentecostais nos levam muita vantagem. Em todo caso, são coisas que um revolucionário que trabalha entre os que “não tem mais nada a perder exceto seus grilhõesâ€, como disse Marx, não deve ignorar.
Textos de Zibechi sobre IV Frota e Farc:
http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=5221&lg=po
http://www.tlaxcala.es/pp.asp?reference=5551&lg=po