Por Coletivo DAR
Nesta terça-feira O Globo e a Viva Rio promoveram no Rio de Janeiro o evento “Contribuições da juventude para o debate sobre drogasâ€, que contou com participação na mesa de aliados como Renato Cinco (Marcha da Maconha RJ) e Sérgio Vidal (UNE, Ananda, Marcha Salvador), além de representantes da Viva Rio, da Comissão Brasileira Drogas e Democracia. “As idéias discutidas serão aproveitadas pela Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD) para a formulação de propostas públicas de mudança na lei de polÃticas de drogasâ€, afirma o convite do evento.
 A Comissão é uma versão brasileira da Comissão Latino Americana sobre Drogas e Democracia, composta por polÃticos e figuras públicas, como o ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, que em oito anos de mandato nunca fez uma única movimentação no sentido de mudanças quanto à s polÃticas de drogas brasileiras. Assim como sua “mãe†latina, a comissão brasileira é formada por membros indicados com critérios muito pouco claros, e com uma amplitude social absolutamente restrita, além de contar com figuras sem qualquer relação com o tema. Não é de se estranhar portanto que a “juventude†(como se houvesse alguma unidade entre todos as pessoas jovens do paÃs) não conte com representação na comissão, e que seja convidada no máximo a apresentar “idéias†que podem ser “aproveitadas†pelos iluminados membros deste seleto grupo polÃtico-empresarial .
O Coletivo Desentorpecendo A Razão (DAR) celebra qualquer iniciativa que vise discutir e apontar alternativas ao atual absurdo status quo, no qual algumas drogas são arbitrariamente proibidas e responsabilzadas por quase todos os males da sociedade. No entanto, nos preocupa que um setor especÃfico da sociedade se coloque como representante da diversidade de atores e posições polÃticas que a compõem, sem falar na amplidão existente também entre os que se debruçam há mais tempo sobre a questão da proibição das drogas. Por isso, gostarÃamos de expor aqui algumas de nossas posições, não como contribuição para que uma comissão formule saÃdas, e sim como maneira de dialogar com um debate que é muito mais amplo do que inicialmente pode parecer.
O que nos preocupa quanto a CBDD não é apenas sua composição auto-proclamada e pouco democrática, mas também os caminhos que parecem estar sendo delineados dentro dela, assim como o foram em sua “mãe†latina. Talvez a linha propositiva esteja mais claramente definida no texto de Fernando Henrique Cardoso publicado em O Globo recentemente, intitulado “O desafio das drogasâ€, no qual o ex-presidente fala em mudanças nas polÃticas de drogas brasileiras, mas partindo do princÃpio que as drogas são um “flagelo†e tendo como norte a diminuição do consumo e a manutenção da repressão, neste caso apenas deslocada dos usuários. Em outras palavras, a pauta máxima da Comissão parece ser a descriminalizaçã o do uso e consumo das drogas hoje ilÃcitas, principalmente da maconha.
Ao contrário da legalização, a descriminalização traz em si a compreensão de que as drogas são um problema, um mal a ser extirpado, sendo que a atual saÃda repressiva indiscriminada não seria a mais adequada. O DAR não acredita que as drogas, sejam lÃcitas ou ilicitas, sejam um problema a priori. Assim como alimentos, televisão, automóveis ou idéias, acreditamos que as drogas são elementos cujos efeitos dependem diretamente de seu uso. Podem portanto acarretar em problemas sérios, obviamente, mas podem também não só não serem problemáticas como trazerem uma série de benefÃcios pessoais e sociais. Problemas mesmo quem traz é a proibição das drogas, que não só não incide sobre o consumo como traz uma série de outros efeitos colaterais, como aumento da violência do crime e do Estado, corrupção, criminalização da pobreza, etc.
Efeitos nefastos que não são resolvidos por uma descriminalizaçã o que liberte os usuários da repressão mas que siga mantendo proibidas produção e venda de substâncias cujo consumo não mais seria crime. Sem falar na contradição que beira a hipocrisia pura e simples, a questão da violência, do tráfico, da corrupção e da intervenção seletiva estatal não estariam em nada modificadas. A descriminalização das drogas pode até representar um avanço em relação ao atual panorama, na medida em que aponta para uma mudança na compreensão de que a saÃda repressiva e do direito penal não resolvem qualquer problema. No entanto, não pode jamais ser encarada como o horizonte a ser almejado, sob risco de que tudo mude sem mudar nada.
Do mesmo modo, uma abordagem que atente apenas para as especifidades da maconha, mantendo outras substâncias na ilegalidade, também é completamente insuficiente, na medida em que novamente são mantidos os pontos principais da “guerra à s drogasâ€, direcionada neste caso somente a um alvo a menos.
Em diálogo com outros setores organizados e estudiosos do tema, o DAR vem há muito debatendo alternativas ao proibicionismo. As possibilidade são variadas, e passam por diversos nÃveis de controle, dos mais aos menos restritos. Ao contário do que dizem os proibicionistas, o “liberou geral†invariavelmente está fora de consideração, e a discussão em torno da regulamentação ou coibição do caráter mercadológico dessas substâncias doravante não mais proibidas também faz-se necessária, assim como polÃticas consequentes de redução de seus danos e educação.
O momento é de rever o proibicionismo, não só de analisar seus já mais do que comprovados efeitos colaterais. O momento é de propor alternativas concretas à “guerra à s drogasâ€, e não de buscar remendos. Se partimos desse princÃpio, aà sim o debate sobre qual melhor caminho a percorrer até lá pode ser feito com consequência, fraternidade e tranquilidade. O debate da questão das drogas interessa não só aos incontáveis usuários das substâncias hoje proibidas, mas a todos que, assim como o cantor espanhol Chicho Ferlosio, não dão a ninguém permissão para que matem em nosso nome. O momento é de desentorpecer a razão, para, a partir daÃ, fazermos uso dela na construção deste outro mundo possÃvel e necessário.