Coletivo DAR
Para as e os antiproibicionistas, 2009 terminou com a sensação de passo adiante. Se no começo do ano o obscurantismo botou as manguinhas de fora na proibição da Marcha da Maconha em várias capitais, a realização exitosa (e vultuosa) do evento em diversos cantos do paÃs mostrou que liberdade de expressão e pensamento podem vencer, esperança realçada pelo triunfo tardio da Marcha em Salvador – que só foi acontecer em dezembro. No âmbito da opinião pública (e ou publicada), também se viu uma ampliação do debate não só acerca da maconha como das drogas em geral, num ambiente que se não se mostrou marcadamente progressivo ao menos esteve aberto como nunca antes. PolÃticos, intelectuais, artistas, pesquisadores, organizações e ativistas ajudaram a pautar o debate com menos preconceito e mais disponibilidade ao diálogo, mesmo que por diferentes razões (e interesses).
Internacionalmente, a partir do encontro em Viena que reavaliou as polÃticas de drogas da ONU nos últimos dez anos (onde se viu que o proibicionismo não é mais aquele consenso inquestionável de outrora) diversas fissuras no proibicionismo se apresentaram, desde relatórios acerca do sucesso da etapa descriminalizatória em Portugal, passando por mudanças na Argentina, México e na República Tcheca, além de um grande encontro antiproibicionista realizado nos Estados Unidos. A Comissão Latino-Americana Drogas e Democracia, formada por personalidades e ex-presidentes de direita, produziu um relatório relativamente progressista, apontando inclusive os limites do proibicionismo, e na Europa mudanças no panorama parecem estar cada vez mais maduras. Redução de Danos é cada vez menos uma expressão marginal defendida em congressos e pedidos de editais e cada vez mais um ponto balizador de polÃticas alternativas para o trato com as substâncias por enquanto ilÃcitas.
Em nossas cidades a violência da proibição segue matando e encarcerando jovens pobres, negras e negros, e o grito que vem da periferia está cada vez mais difÃcil de ser ignorado. Se parte das pessoas ainda pede mais repressão quando cai um helicóptero, outra grande parte – incluÃdos aà inclusive alguns policiais cansados de atirar sem mais nem porquê – percebe que a guerra à s drogas é uma guerra contra pessoas, e que, como em todas as guerras, pra cada vencedor contam-se milhares de vencidos, sendo que a maioria deles sequer sabia estar combatendo.
O debate está, portanto, mais do que aberto. Resta agora que nos posicionemos, que disputemos os rumos das alternativas que há muito já estão sendo formuladas e articuladas pelos mesmos que formulam e articulam tudo neste paÃs. Se 2009 foi ano de debates, 2010 é o ano das alternativas. É preciso que a sociedade debata de maneira franca e sem preconceitos os limites do proibicionismo e que saÃdas concretas possam ser construÃdas, de maneira que não se mude tudo para não mudar nada. Se algum dia foi possÃvel que se convivesse com tanta violência, racismo, criminalização da pobreza e privação de liberdades individuais, religiosas e cientÃficas, o momento é de dizer chega. E mais do que isso, de apresentar soluções que vão para além de meias-saÃdas como a mera descriminalização da maconha ou do usuário de drogas, que cheguem ao fundo da questão: ao poder do crime e do Estado corrupto, assassino e segregador, gerados não pelas drogas mas por sua proibição.
Alternativas que não irão cair do céu, nem da cabeça de iluminados que só querem saber de projeção polÃtica e da divisão dos lucros numa possÃvel legalização. Se em 2009 mais uma vez o antiproibicionismo se levantou, em 2010 ele irá marchar. Não em cÃrculos, pautado pelo calendário eleitoral que mais uma vez irá “escolher†entre a marcha-ré e a marcha-fúnebre, mas para o futuro, para um mundo mais justo. Se há algo de que poderão nos acusar é de meter o nariz onde não fomos chamados; não há de existir um espaço onde nossa semente não seja lançada, onde possa ser ignorada a voz dissonante de uma sociedade pautada por outros valores que não o medo e a punição.
O antiproibicionismo começa o ano marchando contra o aumento da passagem de ônibus em São Paulo, a favor de uma cidade para todos, e segue de pé até o Fórum Social Mundial, no Rio Grande do Sul e na Bahia, onde diremos aos que dizem que outro mundo é possÃvel que sim, é claro, companheiras e companheiros, mas pensem um pouco sobre essa tal de proibição das drogas também, que a direita já está estudando isso faz tempo. Articulados seguiremos, rumo a engrossar as fileiras da sempre firme Marcha Mundial das Mulheres, que neste 8 de março irá caminhar contra a militarização de nossas vidas. Em maio novamente será a vez da Marcha, das Marchas da Maconha, por todo o Brasil, um evento polÃtico-cultural para debater muito mais do que o direito a fumar uma erva natural que não pode te prejudicar: “pela liberdade de expressão, contra a guerra à s drogas†é o guarda-chuva sob o qual pretendemos abrigar o coro dos descontentes.
Se no Brasil ano mesmo só começa depois do carnaval, em ano de Copa e Eleição a impressão que dá é que ele pode nem começar. Para nós já começou, e não nos moldaremos por evento nenhum, nem este que alguns acham que é sinônimo de democracia: as eleições. Não nos furtaremos a participar propositivamente deste espaço quando possÃvel ou necessário, mas nossa marcha quem faz são nossos pés, e estes estarão ao lado daqueles tantos outros que há tantos anos seguem em luta: com os trabalhadores rurais sem-terra na briga pela soberania alimentar e por um alimento que vá para a barriga de todos e não para o bolso de poucos, com os estudantes que desde 68 não levantaram suas barricadas, com as trabalhadoras e trabalhadores que não aceitarão nenhum direito a menos, com todos rebeldes e insurgentes latinoamericanos e mundo afora, com todos aqueles que ainda escutam os apelos deste planeta que sofre as mudanças climáticas provocadas pelo capitalismo, com todos aqueles que querem fazer uso de seu corpo e mente sem interferência de Estado ou igrejas – defensores da livre prática sexual e da legalização do aborto, das drogas e do livre conhecimento.
Desejamos a todos e todas (nós) um agitado e agitativo 2010, com não menos conquistas do que sonhos. Nos vemos por aÃ, em marcha por um mundo no qual não seja mais a razão a estar entorpecida, onde finalmente seja proibido proibir.