Depois de um pequeno recesso, o blog retoma os trabalhos repercutindo uma notÃcia ainda do ano passado – mas importante na evolução dos acontecimentos que procuramos aqui retratar e debater. Às vésperas do Natal, a República Tcheca tornou-se o segundo paÃs da Europa, depois de Portugal, a descriminar formalmente o porte de todas as drogas. A nova lei, aprovada pelo Congresso do paÃs em dezembro e já em vigor, considera que portadores de quantidades especÃficas de drogas não sofrerão prisão, processo, multa ou qualquer outro tipo de sanção.
Desde o dia 1 de janeiro, qualquer cidadão tcheco pode portar até quatro tabletes de ecstasy, 15 gramas de maconha, cinco gramas de haxixe ou um grama de cocaÃna. A pena de prisão, porém, mesmo para não traficantes, segue podendo ser aplicada a quem portar quantidades maiores que estas.
A descriminalização do porte de pequenas quantidades de drogas no paÃs é o mais recente capÃtulo de um drama muito parecido com o que ocorreu em Portugal nos anos 90 (e que levou, em 2001, ao surgimento da pioneira polÃtica portuguesa de descriminalização geral). Ocorre que, entre 2005 e 2007, o governo tcheco detectou um aumento expressivo e preocupante no abuso de drogas entre jovens até 24 anos – especialmente de drogas sintéticas. Em 2007, o paÃs foi “eleito” o principal vetor de drogas sintéticas da Europa, “tÃtulo” que incomodou muito o governo e incitou debates em busca de soluções.
A mobilização ganhou mais força ainda em 2007, com a entrada no governo do ecologista Ondrej Liska, do Partido Verde tcheco. Histórico partidário da descriminação da maconha no pais, Ondrej tornou-se Ministro da Educação, e ajudou no processo que levou o debate sobre o assunto para dentro do Congresso, e que culminou com as mudanças na lei.
No que diz respeito especificamente à maconha, uma das razões que fortaleceram o argumento da descriminação do porte está no fato de que o consumo da droga no paÃs é alto porém quase não depende mais do tráfico ilegal, pois o costume do plantio pessoal é amplamente disseminado na República Tcheca. Quem já esteve por lá sabe como é fácil encontrar vasos nas varandas e pequenas estufas nos apartamentos de jovens adultos e estudantes. A verdadeira preocupação das autoridades de saúde pública tchecas diz respeito ao abuso de drogas à base de “pervitin” – espécie de metanfetamina muito comum no centro da Europa, que tem na República Tcheca seu principal centro de produção.
Produzido em laboratórios caseiros ilegais (conhecidos como “cozinhas”), o pervitin é conseguido a partir de substâncias legais, encontradas em remédios antigripais vendidos livremente em qualquer farmácia do paÃs (a efedrina, mesma substância que tirou Maradona da Copa de 94, é o principal exemplo). Atualmente, mais de 60% das apreensões de drogas realizadas todo mês na República Tcheca são de pervitin e similares.
Entre as principais bandeiras do ministro Ondrej está, justamente, a probição da venda de produtos farmacêuticos com substâncias legais perigosas, como a efedrina. Nessa luta, porém, o ministro tem como praticamente invencÃvel adversário a poderosa indústria farmacêutica, que não aceita restrições à venda de antigripais justamente por ser esta uma das categorias de medicamentos mais vendidas no planeta. Essa, sem dúvida, será uma luta inglória.