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Fevereiro 23, 2010

O conservadorismo dos dias de hoje

Coletivo DAR

No dia 11/02, Contardo Calligaris escreveu em sua coluna do jornal Folha de São Paulo um artigo intitulado “A Injeção do dia depoois”. Ele começa nos brindando com uma boa notícia: em recente pesquisa, foi-se descoberto que o tratamento com morfina dado imediatamente a soldados feridos no Iraque diminuiu significativamente os casos de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) apresentados pelos soldados. O TEPT é conhecido por deixar os veteranos de guerra com diversos problemas de sociabilização e ocorrências de “flashbacks” que os levam aos cenários de combate com o menor estímulo similar no seu cotidiano.

O problema, para Calligaris, é a forma como essa notícia foi veiculada. Um jornal americano, inspirado pelos resultados da pesquisa, ao divulgá-la, foi além e comentou a respeito dos possíveis usos desse benefício em contextos mais cotidianos que a guerra, como casos de estupro, mortes e etc. A partir disso, Calligaris leva o resto de seu texto ironizando a possibilidade de cada pessoa ter uma “bombinha” de morfina para os casos traumáticos dos mais banais, como a morte do cachorro ou o noticiário das 10. Seu último parágrafo começa com uma grande verdade sobre a vida: “infelizmente, viver é se machucar”, mas termina com uma enorme infelicidade: “para não se machucar, é sempre possível deixar de viver.”

A identificação da idéia de vida com conceitos como pureza e consciência datam dos tempos bíblicos. A suposta falta de auto-controle, a fraqueza do homem em rejeitar o pecado foi o que o levou a ser expulso do paraíso. Nesse sentido, fazer uso de drogas e alterar a consciência são práticas que até hoje são consideradas “do demônio”, coisas que levam os indivíduos para o mau caminho. Mas não é um discurso isolado esse do psicanalista Calligaris. Quem já assistiu as campanhas públicas contra o Crack sabe muito bem do que ele está falando, pois quem ouve o bordão “Crack, nem pensar” ou “Crack mata” não está escutando algo muito diferente do que o autor nos diz. É sabido que os índices de morte por overdose de crack estão muito abaixo do de outras drogas como a cocaína ou a heroína, logo fica claro o sentido dessa tal morte causada pela droga: não se trata da morte física, óbito; não, essa morte causada pelo crack, esse “deixar de viver” causado por um suposto uso contínuo de morfina, é a morte moral da pessoa. É a morte moral dos indivíduos usuários de crack, que ao invés de terem mais serviços de saúde à sua disposição são rejeitados e se tornam alvo de coação moral quando tentam ser atendidos em serviços públicos de saúde. É essa morte moral que faz com que “revitalizar o centro de São Paulo” seja sinônimo de encarcerar os usuários sob a custódia do que chamam de “clínica para dependentes”. É a morte moral que faz com que se considerem os usuários dessas drogas como alguém meio-vivo meio-morto, e o impressionante é que ao invés disso sensibilizar as pessoas para a falta de cuidado que o Estado tem com esses usuários, isso apenas cria estigmas cada vez mais pesados, até o ponto em que a própria existência destes usuários vira simplesmente um caso de beleza e higiene urbana. E ainda se acredita que a culpa disso tudo está no momento em que o indivíduo fez uma escolha moralmente errada, mordeu a maçã por escolha própria, e em conseqüência disso não deveria ter direitos iguais aos outros cidadãos.

A posição conservadora, aquela que acredita na ruína da civilização se algo da ordem estabelecida for balançada, está expressa no discurso de Calligaris. Cada época da história humana presenciou diferentes formas de consumo de drogas. Muitas drogas foram exploradas como mercadorias e seus consumos explodiram, como é o caso do açúcar, do café, do tabaco. Se formos mais longe e pensarmos no caso das drogas com uso medicinal difundido e industrializado, o que ha 100 anos atrás era curado com chás e ervas (também drogas), hoje é tratado com um comprimido comprado na farmácia. Vale lembrar que a aspirina, remédio tão banal e comprado sem receita médica, pode levar a óbito, coisa que algumas drogas ilícitas não fazem.

Julgar o uso que cada um faz das drogas pode ser uma armadilha moral. Fora do âmbito estrito da saúde (e mesmo nele moram perigos), o moralismo e a opressão espreitam o comentarista inadvertido. O que está em jogo quando se retira o usuário de droga da categoria dos viventes? O proibicionismo estende seus tentáculos e deixa mostrar sua verdadeira cara: a questão nunca foi de saúde.

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