Do blog de Lúcio de Castro, da ESPN
Nos últimos dias, o “Caso Adriano†tomou conta de todos os jornais, Tvs, rádio, internet, etc. Escrevi aqui nesse blog meus pontos de vista e ponderações. Li todos os comentários publicados aqui e deu muita esperança em olhar pra frente, assim como no debate de alto nÃvel, sem jornalismo-manja no Linha de Passe, e no que li e ouvi de alguns outros colegas por aqui. (Os comentários de blogueiros dão conta e esperança de um certo cansaço do jornalismo-manja).
Mas ainda são um grão nesse oceano. Assim como o mestre uruguaio, sigo achando que a maior parte do que se fala e publica sobre Adriano, como foi com Romário, como foi fulano, sicrano, etc, é fruto de preconceito. Quando eu, você e qualquer um de nós nos pronunciamos, sempre pode vir à tona aquele nosso preconceito enraizado lá no fundo da alma.
Lutar contra ele todo dia diante do espelho é tarefa de cada um, e não é fácil. Repito, antes que os apressados de sempre tragam suas pedras: tou nessa também, tentando vencer esses demônios que se escondem em nossas almas todos os dias.
Senão, salvo tal preconceito e desprezo que vem lá da Casa Grande na direção da Senzala, como entender porque é possÃvel tanta adjetivação, tanta conclusão? Alcoólatra (e antes que alguém diga, Adriano já falou que “teve problemas com bebidaâ€, o que é bem diferente de dizer que é alcoólatra), dependente quÃmico, envolvido com o tráfico, dito assim, sem qualquer prova.
“Tenho boa fonte que me garante que…†é o que mais escutei sobre Adriano nos últimos tempos. Se todas fossem verdade, estarÃamos falando de um morto. Pode ser que alguma seja comprovada amanhã ou depois. Hoje não se pode nem especular.
Mas é aà que a porca torce o rabo, é aà que me vejo lutando diante do espelho contra os preconceitos. Pois existe por exemplo um polÃtico brasileiro, alto escalão, de importante estado da federação, que “boas fontes garantem que…â€. Fui a um jogo nas eliminatórias atuais em que o estádio, em coro, muito espirituoso como são os estádios, comparava o tal polÃtico a Maradona, não pela sua habilidade com a bola.
Ontem, um vespertino de esporte na tv foi inteiro dedicado ao drama do alcoolismo no esporte, sucessivas matérias, sempre vinculadas a Adriano. Ainda aguardo ver programas de dependência quÃmica em referência ao polÃtico, já que estamos falando de suposições sem laudo, sem comprovação.
E então pergunto: por que razões ninguém fica na tv horas debatendo o vÃcio e a dependência do sujeito ou de outro do naipe, vindo da Casa Grande, baseado nas especulações?
Com o negro e favelado pode? Com o politicão, com tantos outros, não pode. Por essas e outras, pedi mais uma vez ao mestre Galeano que me ajudasse a olhar. Me ajudou a olhar para esse mar turvo, e enviei para ele o texto anterior sobre Adriano. Depois, como um Fã do Esporte, nos deu a honra de algumas palavras, com exclusividade. Pulo algumas palavras iniciais dele com sua imensa simplicidade e generosidade, e copio já a partir de onde espero que também ajude o Fã do Esporte a olhar. Depois dele, não me resta nada a acrescentar.
EDUARDO GALEANO:
“…Eu creio que o caso de Adriano é revelador, como bem disse, de preconceitos e julgamentos que vão além das anedotas.
O bombardeio que Adriano sofre revela, por exemplo:
– A obsessão universal pela vida privada dos que tem êxito, e acima de tudo pelos desportistas vencedores que vem da miséria e que tinham nascido estatisticamente condenados ao fracasso.
– Exige-se deles que sejam freiras de convento, consagrados ao serviço dos demais e com rigorosa proibição do prazer e da liberdade.
– Os puritanos que os vigiam e os condenam são, em geral, medÃocres cujo desafio mais audacioso, sua mais perigosa proeza, consiste em cruzar a rua com luz vermelha, alguma vez na vida, e isso tem muito a ver com a inveja que provoca o êxito alheio.- Tem muito a ver com a demonização dos pobres que não renegam sua mais profunda identidade, por mais exitosos que sejam.
– E muito tem a ver, também, com a humana necessidade de criar Ãdolos e o inconfessável desejo de que os Ãdolos se derrubem.
Um abraço do teu amigo,
Eduardo Galeano