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Junho 01, 2010

Na batida das raves francesas

Por Mariana Pires, da Comunidade Segura

No Brasil, elas já viraram moda. As festas rave, grandes eventos de música eletrônica que se estendem por vários dias, conquistaram também os franceses. Mas se a paixão pelo gênero musical techno é o que faz muitas pessoas frequentarem esses festivais, a liberdade para o consumo de drogas é também um atrativo. O uso de substâncias psicoativas – principalmente drogas sintéticas – é disseminado nas raves mundo afora. Mas uma iniciativa inovadora tem surgido nas raves francesas: algumas práticas de redução de danos vem esclarecendo usuários e prevenindo riscos neste âmbito de uso festivo de drogas.

As raves mais famosas acontecem na região norte da França, perto da fronteira com a Bélgica – que, por sua vez, dá acesso à Holanda, onde é mais fácil adquirir drogas. Tanto as festas de um lado quanto de outro da fronteira, que duram de três a quatro dias, são igualmente cobiçadas pelos frequentadores de raves (lá chamadas de teknivals) e algumas contam com mais de 40 mil pessoas. Foram exatamente essas festas que o professor francês Dominique Duprez, da Universidade Lille 1, elegeu como objeto de pesquisa de campo. Ele também é diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica francês e desde a década de 1990 se dedica ao estudo das drogas, porém em comunidades mais pobres dos subúrbios parisienses.

“Quando o assunto é uso de drogas, é muito mais fácil conversar, entrevistar e fazer perguntas às pessoas de localidades mais pobres. Nas classes médias, é quase impossível tratar deste tema com naturalidade. Por isso, tive que traçar uma estratégia de pesquisa e concluí que seria muito mais fácil penetrar nessa faixa através da cultura techno”, explica Duprez.

O uso de drogas nas raves é simultâneo e cumulativo: geralmente não se opta por uma substância de cada vez, mas sim pela associação de várias. “Eles misturam drogas como maconha, cocaína, ecstasy, LSD e cogumelos alucinógenos. A heroína, comum na França na década de 90, é usada apenas por uma minoria”, constatou.

Dominique Duprez flagrou em suas fotografias pessoas preparando a carreira de cocaína para aspirar – o que o fez concluir que, nestas raves, ninguém se esconde para usar substâncias ilícitas. Apesar de o Estado estar presente através de agentes de polícia, que geralmente dão apoio aos eventos, Duprez já presenciou a venda de drogas por parte da própria equipe contratada para fazer a segurança particular das raves.

Os quiosques de redução de danos

Foi pesquisando o uso recreativo de drogas nas raves que ele descobriu o que qualifica como um “trabalho de formiga” da ONG Médecins du Monde (Médicos do Mundo). Os médicos que tocam a organização montam stands de redução de danos (na França, “réduction des risques”) nas raves e desenvolvem ali algumas práticas, que fazem parte da “Missão Rave”.

A abordagem da ONG se dá em quatro frentes: aproximar-se dos usuários de drogas e chegar onde outros não chegam; a livre adesão por parte dos usuários; uma ligação médico-social isenta de preconceitos; e o não-repúdio ao consumo de drogas, que, nas raves, é visível. Essa intervenção sanitária da ONG nas festas surgiu após demanda dos próprios participantes, já que nenhuma outra instituição desse tipo chegava nos teknivals. A característica da ação do Médecins du Monde nas raves é a mobilidade: as equipes se deslocam a todo momento. As equipes são multidisciplinares: estes médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos e educadores, assalariados ou voluntários, já dão apoio aos teknivals desde 1997.

De acordo com o site da ONG, as emergências mais freqüentes são cortes, queimaduras, dores de cabeça e de barriga, cansaço e hipoglicemia. Estas, atualmente, acabam ficando por conta dos bombeiros, da Cruz Vermelha e do próprio serviço de atendimento médico de urgência, que ficam instalados ao redor das raves. “Nosso papel, portanto, tem se focado mais na proximidade com os usuários, na criação de uma ligação e na conscientização dos riscos. Com nossa equipe, eles se sentem à vontade para falar livremente sobre o uso de drogas”, informa o site.

Para prevenir, por exemplo, a desidratação, uma das principais conseqüências do ecstasy no organismo, a ONG disponibiliza uma barraca de hidratação, que borrifa água naqueles que a rodeiam, para diminuir a temperatura corporal, e onde há distribuição de água gratuita. Esse auxílio-água já acarretou problemas, quando uma empresa encarregada da venda de água em uma rave se sentiu prejudicada. Apesar das dificuldades, a ONG segue em frente nas festas, distribuindo panfletos que explicam do que são compostas as drogas e os efeitos que elas causam no corpo humano e, mais importante, com os especialistas abordando os usuários amigavelmente para lhes tirar dúvidas, inclusive sobre temas correlatos, como transmissão do HIV.

Há outras associações, que reúnem tanto profissionais franceses quanto belgas, que trabalham com práticas de redução de danos em raves, mas a Médecins du Monde hoje é a mais expressiva. “É também a encarada com o olhar mais torto pela classe médica francesa, ainda conservadora e descrente da eficácia das práticas de redução de danos”, diz Duprez. Segundo ele, os médicos da ONG estão em constante tensão com seus colegas de trabalho, com os conselhos profissionais e com o governo – já que algumas das iniciativas ainda são ilegais – mas acabam emplacando sua “vontade” devido à boa reputação que conquistaram ao longo de suas carreiras.

Mesmo nas raves ilegais – elas existem e são muito frequentes – as associações de redução de danos conseguem montar seus stands, onde oferecem kits de uso seguro, com material necessário para aspirar cocaína (chamado por lá de kit sniff) ou para injetar heroína (o kit shoot), e fazem testes de pureza dos comprimidos de ecstasy ou da cocaína que será aspirada. Mas, segundo o site da Médecins du Monde, esse tipo de teste, o RPP (da sigla em francês, Reconhecimento Presumido de Produtos), ainda é ilegal, o que limita e acaba por se tornar mais uma barreira para o trabalho da organização. Mesmo com limitações de pessoal (médicos e voluntários) para trabalhar nos stands, ele diz que as práticas de redução de danos são eficazes, já que os próprios usuários de drogas, segundo os profissionais, são receptivos às informações.

Tradição psicanalista pró-abstinência

De acordo com Duprez, em seu país as práticas de redução de danos sempre são estimuladas e tocadas por organizações não-oficiais, como as ONGs. “Mas elas chegaram atrasadas”, lamenta. De acordo com o professor, no início da década de 1990, a droga mais consumida na França era a heroína. O panorama assustava: a droga era de má qualidade – vários casos de overdose foram constatados entre 1991 e 1994 – e ainda era usada sem segurança.

Duprez sempre recorreu às obras de seu colega pesquisador Philip Bourgois, cujo tema de pesquisa era o uso de drogas no bairro do Harlem, em Nova York. O exemplo da política de abstinência que vinha de lá, segundo Duprez, não era nada animador: “A política de repressão conhecida como ‘tolerância zero’, associada à polícia da cidade na década de 1990, fez com que os usuários passassem a consumir drogas, principalmente injetáveis, de forma escondida, sem segurança ou higiene, levando uma ‘vida subterrânea’. Como conseqüência deste uso não-seguro, veio a disseminação galopante do vírus HIV na cidade”, relembrou o francês.

Enquanto países como a Inglaterra e a Holanda introduziram práticas de redução de danos no início dos anos 1990, a França precisou que o estímulo da disseminação da Aids – acelerado ainda mais pelo compartilhamento de seringas no uso da heroína – originasse alguma atitude governamental nesse sentido para controlar da epidemia. O professor, que na época já pesquisava sobre o tema das drogas, levanta uma hipótese:

“Havia um forte lobby junto ao Estado francês para que o tratamento para o vício em heroína não fosse feito com o uso paulatino e seguro de outras substâncias, e sim via abstinência. Essa pressão era feita por psicanalistas e psiquiatras, que repudiavam as terapias substitutivas”, sugere Dominique. Foi somente na gestão de Bernard Kouchner, enquanto ministro da saúde francês, em 1995, que a heroína foi substituída pela metadona.

Práticas ainda engatinham na França

Esse foi, finalmente, o momento da emergência, mesmo que tímida – e a timidez ainda insiste em perdurar – de uma nova estratégia na abordagem ao usuário de drogas. A política da abstinência é abandonada e entra em cena a terapia de substituição e redução de danos, para que as pessoas usem drogas com prevenção dos riscos e de fornecimento de informação.

Quando iniciou sua pesquisa no campo da redução de danos, Duprez desacreditava destas práticas, que para ele eram hipócritas e só serviam para aumentar o risco. Hoje, depois de viver a experiência dos stands nas raves, ele se mostra confiante, ainda que as iniciativas sejam esparsas na França. Quando questionado sobre a eficácia da redução de danos, ele assegura: “entre a falta de informação e alguma, qualquer que seja, informação, é melhor escolhermos a segunda opção”.

Mas as políticas de redução de danos ainda deixam muito a desejar na França, depois de mais de 10 anos do início de sua implantação. “Muitos médicos que as corroboram ainda são mal-vistos e menos considerados pelos colegas. Outros nem querem lidar com essa questão, com medo de que isso afete sua carreira”, lamenta Dominique. O pesquisador explica que o ritmo de elaboração e de inclusão de políticas de redução de danos na política de drogas do país depende muito do apoio do Estado: “A França atravessa atualmente um período conservador, vide o presidente de extrema-direita Sarkozy, que não dá recursos nem atenção à área. Por isso, a gestão do risco acaba ficando nessa relação de forças entre as ONGs e as instituições do Estado.”

Cenário atual das drogas

A desconfiança em relação à procedência da heroína – a que chegava à França na década de 90 costumava ser paquistanesa – e ao uso desta droga e, principalmente, a queda do preço da cocaína foram os fatores que fizeram com que o uso de heroína na França caísse bastante a partir dos anos 2000. Associados à nova droga do momento, a cocaína, estavam as drogas sintéticas, como ecstasy e LSD.

Um movimento inverso ao da década de 1990 acontece hoje, de acordo com o professor Duprez: médicos canadenses, ingleses e suíços já comprovaram que a metadona, enquanto substância psicoativa, vicia mais do que a heroína, e por isso atualmente já têm prescrito heroína em dosagens controladas aos seus pacientes.

Usuários pobres criminalizados

Antes de se dedicar ao uso festivo das drogas e às políticas de redução de danos na França, Duprez analisou inquéritos e processos penais. Segundo ele, a conclusão que se tem ao se debruçar sobre os dossiês da Justiça é uma associação direta do mundo da droga à pobreza – pois só pobres, que não tem dinheiro para pagar multas ou fianças, são presos, processados e condenados. Duprez deixa clara, portanto, sua desconfiança em relação ao sistema penal francês, que ele considera contraditório. “O uso de drogas é hoje, na França, muito mais uma questão de segurança pública que uma questão sanitária. Estamos muito longe da descriminalização das drogas, tanto na França quanto no Brasil. São – e vão continuar sendo – sobretudo os pequenos usuários e traficantes os alvos da Polícia”, ele explica.

Um episódio recente que comprova o pensamento de Duprez aconteceu numa rave nos arredores de Paris. Em 20 de junho de 2009, em um grande festival num bosque na região oeste da capital, e equipe do Médecins du Monde teve seu trabalho violentamente interrompido pela ação súbita da polícia francesa. A força policial, que em outras raves tem atitude serena e comunicativa com a ONG, chegou sem avisar e, durante quatro horas, prendeu quase 600 pessoas por consumo de drogas. Sem preocupação alguma com o trabalho de conscientização da ONG, foram atiradas bombas de gás lacrimogênio perto dos estandes e um dos voluntários da equipe, de cadeira de rodas, foi fortemente agredido no braço por um policial com cassetete, que gritou “cale a boca, seja você deficiente ou não”.

Em outros sites:

Programa de Redução de Danos da ONG Médecins du Monde na França

O que faz a ONG Médecins du Monde nas festas techno? Artigo do Hospital Marmottan, de Paris, sobre a intervenção da ONG (em francês)

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