Estudo analisa efeito da erva no cérebro, que produz substância similar à da planta
11/8/2010
Euforia, indisposição, sedação, alteração da percepção do tempo, das funções sensoriais, além de boca seca e taquicardia, são alguns dos sintomas que podem sentir os usuários de maconha, alerta o professor do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) FabrÃcio de Araújo Moreira, que desenvolve pesquisa sobre os efeitos da erva no cérebro. Produzida pelo cérebro humano e descoberta em 1992, a anandamida, também conhecida como “substância da felicidade”, segundo o professor, pode ter efeitos analgésicos, ansiolÃticos e antidepressivos semelhantes aos do THC (Tetra Hidro Carboneto), componente da espécie vegetal cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha. No dia 4 de setembro será realizado, no Campus Pampulha, o 4º simpósio de Neurociências da UFMG, onde pesquisadores abordarão os avanços nos estudos sobre cannabis, canabinoides e endocanabinoides.
O professor revela que o estudo busca entender os efeitos da maconha no cérebro, já que ele produz substâncias que geram efeitos similares aos da planta. Até recentemente muito pouco se sabia sobre os mecanismos de ação da maconha no cérebro e no corpo. “A descoberta que o cérebro produz ele mesmo substâncias semelhantes aos princÃpios ativos da maconha, há 20 anos, impulsionou enormes avanços cientÃficos”. Para ele, após essa descoberta foi possÃvel não somente a compreensão da ação biológica da planta, mas também o entendimento do próprio funcionamento do cérebro e da fisiologia animal.
Assim, explica ele, com a colaboração do Instituto Max Planck de Psiquiatria de Munique, Alemanha, e com os departamentos de Neurociências e de Farmacologia da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto, pode-se afirmar que o conjunto de informações atualmente disponÃveis estimula um novo olhar sobre os efeitos psicológicos e comportamentais da maconha, permitindo também analisar, com bases mais sólidas, os riscos do uso abusivo e os benefÃcios do potencial terapêutico da droga.
Segundo Moreira, o principal desafio, e ao mesmo tempo a abordagem mais promissora, talvez seja aumentar os nÃveis da anandamida no cérebro, de modo a potencializar os efeitos benéficos da substância, que funcionaria como medicamento, e assim evitaria a administração de THC que ainda tem seus pontos negativos. “Desde as décadas de 1980 e 1990, começamos a entender como a maconha interfere em sÃtios especÃficos do cérebro, mas ainda não se sabe como evitar completamente seus efeitos deletérios”.
Ele diz que as pesquisas procuram entender melhor as funções dessa substância endógena no cérebro, já que a maconha é uma droga perturbadora do sistema nervoso, ou seja, ela altera o funcionamento normal do cérebro, provocando fenômenos psÃquicos do tipo delÃrios e alucinações. “O pior efeito da droga é tornar o usuário um dependente quÃmico. Esse é o maior obstáculo a ser vencido pela ciência para fins medicinais”, afirma.
Há substâncias medicinais na maconha
O pesquisador acredita que, ao entender melhor os efeitos no cérebro das substâncias quÃmicas contidas na maconha, possam utilizar apenas os aspectos medicinais da droga, evitando os efeitos eventualmente danosos. Para Moreira, existe um ingrediente ativo da maconha que poderia ajudar a combater, por exemplo, a depressão quando administrado em pequenas doses.
No entanto, ele alerta que o aumento da dose poderia provocar um efeito contrário, aumentando a depressão e até causando transtornos psÃquicos, entre eles, a psicose. “Uma dose maior poderia transformar o paciente em dependente da droga. Como a intenção do estudo é descobrir fórmulas medicinais com substâncias encontradas na erva, precisamos descobrir a quantidade ideal para o tratamento. As possÃveis descobertas poderiam ajudar a curar várias doenças, mas isso não implica que fumar um cigarro de maconha seria a solução. Não fazemos apologia do consumo da maconha”, ressalta.
No laboratório de Neuropsicofarmacologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Moreira e a professora Daniele Aguiar testam em animais experimentais os efeitos da anandamida e do THC. Além disso, estudam outras substâncias da maconha, a exemplo do canabidiol, com o intuito de contornar os problemas advindos do uso do THC. “Já identificamos diversas propriedades farmacológicas do canabidiol” , diz Moreira.
Desenvolver drogas com capacidade analgésica por meio da substância da maconha, mas sem seus efeitos colaterais, faz parte desse estudo, destaca o professor. Ele afirma que se sabe que o uso da erva produz perda de memória por sua ação sobre o hipocampo, a zona do cérebro que governa a maioria das funções cognitivas, mas até o momento não era conhecido o percurso molecular da droga. Ele acredita que o principal componente psicoativo da maconha, o THC, age sobre receptores canabinóides que se encontram em vários lugares do cérebro, mas aparecem concentrados em duas zonas do hipocampo. Com isso, garante o professor, o estudo pretende apenas entender os efeitos que a maconha provoca no cérebro.
O THC, explica ele, é uma substância quÃmica bastante potente quando comparado à s outras drogas psicoativas. Uma dose intravenosa, de apenas um miligrama, poderia produzir sérios efeitos mentais e psicológicos. Uma vez na corrente sanguÃnea, alerta o professor, o THC alcança o cérebro em poucos segundos após ser inalado e começa a agir imediatamente.
Segundo Moreira, no cérebro, existem grupos de receptores canabinóides concentrados em diferentes lugares. Estes receptores possuem efeitos em diversas atividades mentais e fÃsicas, incluindo: memória de curto prazo, coordenação, aprendizado e soluções de problemas. Ele assegura que os receptores canabinóides são ativados por um neurotransmissor chamado anandamida que pertence ao grupo das substâncias quÃmicas chamadas de canabinóides. “O THC também é uma substância desse grupo e copia as ações da anandamida, o que significa que a substância encontrada na maconha se liga aos receptores canabinóides ativando os neurônios, com efeitos adversos sobre o próprio cérebro e o restante do corpo. Queremos entender melhor as funções dessa substância endógena e outras propriedades da cannabis sativa nesse estudo”, prevê.
Mais informações sobre o 4º Simpósio de Neurociências da UFMG: www.ufmg.br/4simposioneurociencias