Marcela Rocha
Em entrevista a Terra Magazine, o deputado estadual Marcelo Freixo (Psol-RJ), conhecido pelo combate à s milÃcias, afirma que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não fez “a escolha polÃtica” de ir “à fonte do financiamento do tráfico”. Segundo ele, a ação da polÃcia carioca nas favelas reforça “a criminalização da pobreza” e não enfrenta o crime organizado. Ele será enfrentado, diz Freixo, “onde há o lucro (com a ilegalidade), que não é na favela”.
– A favela é a mão de obra barata. É a barbárie – diz o deputado, elencando a Baia da Guanabara e o Porto como locais onde há o tráfico de armas e onde lucra o crime organizado.
CrÃtico da polÃtica de segurança pública do Rio, Freixo afirma que as reclamações dos moradores dos morros questionam a presença da polÃcia, comparando à ausência de polÃticas sociais, postos de saúde e escolas. Para o deputado, as Unidades de PolÃcia Pacificadora (UPPs) visam atender as necessidades de uma cidade que será OlÃmpica em 2016:
– As UPPs representam um projeto de cidade e não de segurança pública. O mapa das UPPs é muito revelador: é o corredor da Zona Sul, os arredores do Maracanã, a zona portuária e Jacarepaguá, região de grande investimento imobiliário. Então, são áreas de muito interesses para o investidor privado. (…) A retomada é militar para permitir um projeto de cidade, que é a cidade OlÃmpica de 2016. Para toda cidade OlÃmpica tem cidades não-OlÃmpicas ao redor – afirma.
Freixo foi presidente da CPI das MilÃcias, que investiga a ligação de parlamentares com grupos paramilitares. Por conta disto, o deputado chegou a ser ameaçado de morte. Leia abaixo a Ãntegra da entrevista:
Terra Magazine – O senhor é conhecido pelo combate à s milÃcias. Em alguma medida, esses ataques podem interferir no comportamento delas?
Marcelo Freixo – Esses ataques não tem nada a ver com milÃcias, são reações à s UPPs, que não atingiram as milÃcias em nada. Não há nenhuma área atingida pelas milÃcias que tenham sido ocupadas pelas UPPs. Pelo contrário.
Sobre esses ataques…
Esses ataques são do varejo da droga, que é muito menos organizado do que se imagina. Representam o crime da lógica da barbárie, da violência. Não são pessoas que têm referência com o crime organizado, porque a organização não faz parte de sua cultura de vida. É a barbárie pela barbárie. Então, os ataques não vêm do crime organizado, que deve ser enfrentado de uma outra forma.
Que forma?
Se quiser enfrentar o crime organizado tem que ir para a Baia da Guanabara que é por onde as armas entram. AÃ, sim. Ali tem a operação financeira do crime organizado para o tráfico de armas. Isso não se enfrenta no Rio de Janeiro.
O senhor afirma que se trataram de atos bárbaros, sem uma organização. Mas esses ataques estavam sendo comandados pelo Comando Vermelho e pelo Amigo dos Amigos.
São facções da barbárie. É o crime organizado dentro das cadeias. São grupos que só são organizados de dentro das cadeias. Muito mais dentro do que fora. O crime organizado é onde tem dinheiro e poder, que não é o caso das favelas, onde fica a pobreza e a violência. A tradicional polÃtica de segurança do Rio, perpetuada há 11 anos, enfrenta as favelas com uma ação letal. Em 2007, o mesmo governo (Sérgio) Cabral entrou no Complexo do Alemão, matou 19 e saiu. Como está o Complexo do Alemão hoje? Igual. Esse tipo de ação é muito ineficaz. Se é para enfrentar o crime organizado, tem que ser onde ele lucra, que não é na favela. A favela é a mão de obra barata, e é a barbárie. É preciso ir à fonte do financiamento e aonde passam as armas. Essa é a escolha polÃtica que até hoje o governo Lula não fez.
Como o senhor avalia a implementação das UPPs?
As UPPs representam um projeto de cidade e não de segurança pública. O mapa das UPPs é muito revelador: é o corredor da Zona Sul, os arredores do Maracanã, a zona portuária e Jacarepaguá, região de grande investimento imobiliário. Então, são áreas de muito interesses para o investidor privado. O Estado, portanto, retoma – militarmente – este território. A retomada é militar para permitir um projeto de cidade, que é a cidade OlÃmpica de 2016. Para toda cidade OlÃmpica tem cidades não-OlÃmpicas ao redor.
No morro Dona Marta, por exemplo, moradores reclamaram bastante da truculência policial durante a ocupação das UPPs.
Em todas as áreas de UPPs existe muita reclamação, e hoje em dia isso vem aumentando. A maioria das queixas são causadas pela agressividade policial, não necessariamente agressão fÃsica, mas pela atitude, ou abuso de autoridade. Outra reclamação recorrente é que só polÃcia chegou a esses morros.
Como assim?
Só chegou polÃcia e não investimentos sociais. E é claro que não só de polÃcia a favela precisa. Uma coisa é enfrentar a barbárie, outra coisa é o fator que mantém aquela favela ali. As pessoas precisam de direitos. Não adianta levar a polÃcia e não levar a escola, o posto de saúde, o saneamento. Isso vai gerando um desgaste para a própria polÃcia também.
Dentro desse cenário que o senhor chama de “barbárie”, e somando a ele esses ataques recentes, o senhor acredita que fica de ônus ao morador da favela?
Esses momentos reforçam o processo de criminalização da pobreza no Rio, o que é muito perigoso. Hoje, todas as operações policiais no Rio acontecem nas favelas. Todas. Não há nenhuma na Baia da Guanabara, nem no Porto, que é por onde entram as armas e onde funciona – verdadeiramente – o crime organizado. Então, reforça-se esse processo de criminalização das áreas pobres.