ClÃnica antidroga é acusada de torturar pacientes em SP
Prefeitura contratou local para atender a dependentes de crack e cocaÃna
“Mãe, me tira daqui… estou sendo espancado, estou todo machucado”, foi o pedido de ajuda de um paciente da New Life
LAURA CAPRIGLIONE
DE SÃO PAULO
Espancamentos, cárcere privado, castigos, fome, choques elétricos. Esse foi o tratamento que 59 dependentes quÃmicos dizem ter recebido após procurar a Prefeitura de São Paulo em busca de ajuda para se livrar das drogas.
As agressões teriam ocorrido na New Life, no municÃpio de Embu-Guaçu, região metropolitana. Trata-se de uma clÃnica contratada sem licitação pela prefeitura paulistana para “prestação de assistência a portadores de dependência de substâncias psicoativas, que necessitem de cuidados de reabilitação em regime de internação”.
Pelo serviço, a Secretaria Municipal da Saúde pagaria R$ 1.450.800 ao ano.
“Foi a pior cena que já presenciei na minha vida: meu filho estava dopado, não conseguia nem abrir os olhos, babava, e me dizia: “Mãe, me tira daqui… Eu estou sendo espancado, estou todo machucado”.”
Assim a mãe de B., 20, descreveu a situação do filho, que estava internado na New Life havia apenas dez dias.
A Folha teve acesso às denúncias feitas pelos pacientes e seus familiares, endereçadas ao Ministério Público, à Secretaria Estadual da Saúde, à Prefeitura de São Paulo e ao Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Também recebeu cópia dos boletins de ocorrência com denúncias de maus-tratos na New Life.
PORTAS FECHADAS
Em 25 de novembro, após receber as denúncias, a Secretaria Municipal de Saúde rompeu o contrato com a clÃnica. As vigilâncias sanitárias estadual e municipal de Embu-Guaçu interditaram por “completa inadequação” as unidades 2 e 3 da clÃnica.
Parte dos pacientes foi para outras clÃnicas conveniadas. Parte optou por tratamento sem internação.
Os denunciantes foram levados pela Prefeitura de São Paulo à New Life. Estavam em desespero com o uso de drogas, a maioria já dependente de crack. Em seu site, a clÃnica alardeia que Rafael Ilha, o ex-cantor do grupo Polegar, foi um de seus pacientes. “Achei que era minha chance. O lugar era bonito, tinha piscina”, afirmou P.
O local, entretanto, seria apenas um breve estágio. Assim que a ambulância da prefeitura ou os parentes iam embora, a clÃnica providenciava a remoção dos pacientes para sua sede 2, localizada a poucas quadras dali.
“Tinha grades por todos os lados, tudo fechado, oito pessoas por quarto de 6,5 metros quadrados”, disse A.
“O dono da clÃnica só pensava no dinheiro. A comida era arroz com cenoura. E só. Depois de muito reclamarmos, colocaram também carne podre no almoço. O cheiro era terrÃvel, mas comÃamos assim mesmo porque a fome era desesperadora”, disse P.
Os pacientes relataram tentativas de fuga encerradas na base da “sarrafoterapia” ou “madeiroterapia”, aplicadas pelos seguranças da clÃnica -“O Marcelo [proprietário da New Life] dizia que esses eram os tratamentos que vermes como nós mereciam”, contou E.
Os pacientes relataram também o uso frequente de uma arma não letal para aplicação de choques elétricos nos internos “rebeldes”.
SOLITÃRIA
S. disse que foi dopado com um coquetel de Fenergan, Haldol e Diazepan, também ministrado a outros pacientes. “Eles dopavam a gente quando suspeitavam de alguma tentativa de fuga. Então, jogavam a gente no compulsório [havia duas dessas celas fechadas na unidade 2 e estava em construção uma terceira].”
Segundo os pacientes, as agressões eram facilitadas pelo fato de os parentes serem mantidos afastados, o que é um procedimento até comum nesse tipo de clÃnica. “Mas, na New Life, eles diziam que nós devÃamos obedecer, porque as nossas famÃlias não queriam mais saber de nós”, relatou A.
“Como é possÃvel que pessoas em busca de tratamento para sua doença tenham sido enviadas pela prefeitura para um verdadeiro local de tortura como esse?”, questionou Lucio França, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana.