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Janeiro 12, 2011

Cartas na mesa – Relato de uma experiência com sálvia

“Por estar meio curvado, foi como se a sala tivesse sido fechada sobre mim, dobrada, como um livro. Eu estava no meio, e toda minha visão se modificou. Passei a forçar para abrir o livro, e nessa abertura todas as formas que me circundavam foram se modificando, se espalhando”


“Me contem, me contem aonde eles se escondem?
atrás de leis que não favorecem vocês
então por que não resolvem de uma vez:
ponham as cartas na mesa e discutam essas leis” Planet Hemp

A seção Cartas na mesa é composta por opiniões de leitores e membros do DAR acerca das drogas, de seus efeitos político-sociais e de sua proibição, e também de suas experiências pessoais e relatos sobre a forma com que se relacionam com elas. Vale tudo, em qualquer formato e tamanho, desde que você não esteja aqui para reforçar o proibicionismo! Caso queira ter seu desabafo desentorpecido publicado, envie seu texto para coletivodar@gmail.com  e ponha as cartas na mesa para falar sobre drogas com o enfoque que quiser.

O texto que hoje apresentamos é de um leitor anônimo, identificado pelo pseudônimo de Teletomzé, que nos traz o relato de uma experiência sua com sálvia. Nossa seção Cartas na mesa tem trazido  contribuições de cunho mais acadêmico para o fenômeno das drogas, mas é com felicidade que publicamos uma experiência mais empírica como esta, esperamos poder seguir com esta interessante tradição já trilhada por Huxley, Baudelaire, Benjamin e tantos outros pensadores interessados nas reflexões e aprendizados trazidos pela alteração de consciência.

Sálvia, 30/10/2010

Por Teletomzé

A puxada forte fez os olhos tossirem e os pulmões chorarem. Passado aquele segundo e meio tipo topo da montanha russa – “não vai bater”, “quebrou, não vai descer” – minhas mãos e o bong já sumiram (felizmente estive auxiliado por um amigo redutor de danos que subtraiu o bong e o isqueiro da minha mão, esta também agora já subtraída da minha mente). Eu estava numa sala, à meia luz, Pink Floyd, o ambiente era pouco agressivo para São Paulo. Mesmo assim, havia pessoas conversando na cozinha, o que certamente influenciou, manteve o pé demasiadamente no chão. Mesmo assim, foram alguns poucos minutos definitivamente intensos.

Estava no sofá mas curvado para a frente, apoiado na junção entre minhas coxas e meus joelhos. Quando o sopro da sálvia me atingiu fiquei ainda mais curvado, e é aí que identifico a batida: toda viagem foi o processo de volta. Por estar meio curvado, foi como se a sala tivesse sido fechada sobre mim, dobrada, como um livro. Eu estava no meio, e toda minha visão se modificou. Passei a forçar para abrir o livro, e nessa abertura todas as formas que me circundavam foram se modificando, se espalhando, a cor branca-amarelada das paredes predominando.

Como tinha consciência do quão passageiro é o efeito, isso me tranquilizava. Como sabia que havia outras pessoas por perto, também pensava por frações de segundo que eu poderia estar parecendo ridículo, que talvez meus pés estivesse desconectados do meu corpo, que eu estava caído, onde estou, onde estou? Todo o processo foi uma luta não necessariamente para curtir a brisa, mas para sair dela, para recuperar a ordem das coisas naquela sala. Sem perceber já estava de pé, rodei pela sala, fui até a porta, um simples andar ao olhar externo para mim era uma forte batalha para recolocar as coisas em seu lugar. Aquele questionamento típico do LSD, tipo “isso não vai passar”, até apareceu em algum momento, mas foi rápido. A sensação maior era de absoluto deslocamento, despertencimento – mentalmente eu sabia perfeitamente onde estava, mas meu corpo e meus sentidos estavam absolutamente embaralhados, gravitando em um contexto incompreensível.

Começo a recuperar um pouco da “compreensão física” quando estou perto da porta, do interruptor: identifico esta parte da casa, e só então me dou conta não só de que estou de pé mas que estou longe do sofá onde estava, eu achava que no máximo poderia estar em pé no sofá – com meus pés para cima, porque eles estavam completamente deslocados do meu corpo na minha percepção. “Recuperei” também minhas mãos após isso, elas estiveram grudadas entre si logo abaixo do meu resto, num gesto louva-deus. Quando elas reapareceram foi como se escorressem da minha cara e derretessem de volta no que foram.

Isso foi como um “clic” para retornar. Comecei a olhar em volta e a ver todas as formas que conduziram minha viagem, e as vi numa perspectiva muito diferentes. A mesa de madeira do lado do sofá, a televisão, pedaços das paredes, cada coisa dessa era um mundo que me esmagava e me descompreendia, agora eram novamente só cada coisa dessas. Voltei para o lado do meu amigo, que ria obviamente, e ainda sob efeito da sálvia já queria muito explicar-lhe o que tinha rolado, mas me confundia todo nas primeiras tentativas. Depois consegui com muita dificuldade expor essa analogia do livro sendo fechado, e mesmo tendo ficado satisfeito com ela também sentia certo desespero por ter sentido uma onda que irremediavelmente jamais poderá ser posta em palavras, jamais poderá ser compreendida por ninguém salvo eu, jamais poderá inclusive ser repetida. Isso é o maravilhoso e o desesperador de tal experiência.

Foi a quarta vez que fumei sálvia, mas a primeira com bong, e a primeira que bateu de forma realmente intensa, nas outras somente senti alterações físicas e um pouco de alucinações visuais leves. Espero poder ter outras experiências, modificando não só o ambiente mas também quem sabe me posicionando mais duma forma a “aproveitar” a onda, e não necessariamente a querer sair dela. Creio que o esforço por sistematizá-la é importante, já vi amigos fazerem, verbalmente e por escrito, acho que vai exatamente neste sentido de lutar para que a exclusividade dessa experiência não se perca por completo. Parece que ainda a sinto entre os ombros e o peito, um pouco nos braços, como se restasse uma memória física da experiência, assim como depois de uma viagem intensa com ácido parece que ficou “um resto” no cérebro, algo que você aprendeu ou apreendeu e que mesmo indizível está presente, ou que está presente exatamente pelo indizível. Espero que a seção Cartas na mesa posa propiciar esse tipo de reflexão pisconáutica mais individual, e quem sabe a partir delas possamos refletir e dialogar sobre o estatuto mais concreto das experiências alteradoras de consciência em todas suas nuances e potencialidades.

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