Folha de S.Paulo
ENTREVISTA PAULINA DUARTE
Falar que paÃs vive epidemia de crack é grande bobagem
SECRETÃRIA DE POLÃTICAS SOBRE DROGAS COMENTA MAPEAMENTO DO CONSUMO NO BRASIL E CRITICA O QUE CHAMA DE “PEDAGOGIA DO TERROR”
NATUZA NERY
DE BRASÃLIA
O Brasil lançará em algumas semanas o primeiro mapa nacional de drogas, um enfoque inédito sobre o consumo de crack no paÃs.
No comando da Secretaria Nacional de PolÃticas sobre Drogas, Paulina Duarte, 54, diz que, apesar de preocupante, “não há uma epidemia” da droga atualmente. A sondagem nacional sobre drogas identificou cracolândias itinerantes, que reaparecem em outras áreas logo depois de serem desmobilizadas pela polÃcia.
A pesquisa, feita por Senad, Fiocruz e a Universidade de Princeton (EUA), traz amostra inédita de 25 mil usuários. A radiografia indicará, também, o tamanho da invasão do óxi no Brasil.
Folha – O que diz o mapa?
Paulina Duarte – Teremos mapeadas todas as cracolândias do Brasil. O que se tem no imaginário popular é que o Brasil está tomado pelo crack. Nesse mapa, vimos que não há um “exército de zumbis” consumindo num só lugar, mas pequenas “cenas” de uso. Vimos pequenas cracolândias móveis, que migram em busca de melhores condições de sobrevivência.
Cracolândias itinerantes?
Com cerca de dez pessoas. Combatem-se essas “cenas” com atendimento na rua, não com abordagem higienista, de recolher usuários.
Há também o óxi. Diz-se que causa dependência no primeiro uso.
Não há nenhum relato disso. É mentira, não há embasamento cientÃfico. Eu vi, um vez, uma propaganda que trazia três letras C em um outdoor: “crack, cadeia e caixão”. Não serve para prevenir nem alertar. É o que chamo de pedagogia do terror.
O tema tem de ser tratado com dados cientÃficos, sem paixão, sem fundamentalismo. Também não podemos banalizar o consumo dizendo que não tem problema fumar maconha, beber cerveja.
Como o óxi chegou ao Brasil?
Pelas fronteiras. Passou a haver tráfico maior de pasta-base, forma rudimentar da cocaÃna e do crack, fruto de um controle maior sobre o tráfico de cocaÃna refinada. É produzido a partir de substâncias como querosene, gasolina, cal virgem e até solução de bateria.
Estamos encontrando na pesquisa uma rede estruturada do óxi, mas não organizada no sentido de grande tráfico e crime organizado. É o camarada que dá um galão de gasolina e o outro que produz na cozinha dele. É artesanal, não há laboratórios.
O óxi caminha para uma epidemia, como o crack?
O governo nunca reconheceu o crack como epidemia. Isso é uma grande bobagem.
Nossas fronteiras são vulneráveis?
O Brasil não produz cocaÃna, nenhuma folha de coca. Toda matéria-prima vem de fora. Fazemos fronteira com paÃses que produzem droga. Isso nos coloca em situação de maior vulnerabilidade. O governo está investindo no patrulhamento.
Todas as drogas oferecem algum nÃvel de risco?
Nem toda pessoa que usa droga se torna dependente. Também não há consumo de drogas sem um potencial de risco, por menor que seja.