Revista da Biblioteca Nacional de História
Ronaldo Pelli
“A 1ª lei da qual se possui registro histórico [sobre as drogas] é uma postura da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que regulamenta a venda de gêneros e remédios pelos boticários de 4 de outubro de 1830, que proibia a venda e uso do pito de pango”, complementa o historiador Henrique Soares Carneiro, professor na cadeira de História Moderna no Departamento de História da USP e também pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, sobre a denominação de um cachimbo para se fumar maconha e que, por associação, também apelidou a própria droga. “Havia multa ao vendedor e três dias de cadeia aos que usarem, explicitando-se aà escravos e demais pessoas. O critério, por explicitar escravos, era certamente de controle social”, diz, demonstrando que pode haver na lei, inclusive, um viés discriminatório.Segundo o sociólogo Paulo Cesar Pontes Fraga, o Código Penal do Império, de 1851, não tocava na questão de proibição, mas regulava o uso e a venda de medicamentos, enquanto o Republicano, de 1890, determinava uma multa a quem vendesse ou ministrasse substância venenosa sem prescrição nos regulamentos.
“É importante reparar a não referência a determinadas substâncias como maconha, cocaÃna ou ópio. O decreto legislava com a utilização do termo substâncias venenosas e, atrelado, notadamente, à prática sanitária”, ressalta.
Aliás, um paralelo possÃvel e sempre citado com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos. As drogas legais que alteram a consciência – é interessante ressaltar – estão sempre entre as mais vendidas, mesmo com todas as exigências para a sua compra. O ansiolÃtico Rivotril ficou em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por exemplo. O professor Henrique Soares Carneiro, em um artigo intitulado “Drogas, muito além da hipocrisia”, citou o que para ele são as razões para o sucesso dessas vendagens: o atual sistema de patentes, que prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe especÃfica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas demandas e necessidades.
“Sua outra contrapartida indispensável [para o crescimento dessas vendas de remédios legais] é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais passaram a ser substituÃdas por pÃlulas farmacêuticas”, argumenta ele, afirmando que “o maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêuticaâ€.
“A cocaÃna passou a ser vendida em farmácias na Europa, no século XIX, como medicamento para o tratamento de determinadas doenças como a depressão, a fadiga, neurastenia e, curiosamente, para a dependência de opiáceosâ€, adiciona o sociólogo Paulo Cesar, lembrando que a droga também era vista como um energético. “No Brasil, ela também foi vendida em farmácias para fins terapêuticos. Foi proibida, a partir de 1919, na Europaâ€, lembra ele, que ressalta que o cigarro era também receitado para tratamento de doenças no Brasil.
A partir de 1920, houve uma “onda mundial de combate ao uso de determinadas drogasâ€, segundo Paulo Cesar, agravada no Brasil com a troca, em 1932, da palavra “venenosa†para “entorpecenteâ€, do artigo 159 do Código Penal.
“A mudança do termo concebeu uma alteração para além da questão semântica, representou uma nova postura, um novo olhar dos governos sobre as drogas, implicando em uma moralização crescente e, consequentemente, legislações cada vez mais rigorosas e a institucionalização de um aparato burocrático para cuidar da questão e repressivo para fazer cumprir a leiâ€, explica ele, dizendo que era um reflexo da mudança de postura no mundo todo. A partir de então, as legislações foram sendo modificadas para criminalizarem não somente o comércio dessas drogas, mas também o cultivo e o consumo
Já o sociólogo Paulo Cesar acredita que as pessoas sempre “vão fazer uso de substâncias psicoativasâ€, independentemente de serem liberadas ou não. Por isso, ele sugere que, em vez de proibir, devemos tentar “reduzir riscosâ€. “Vejamos, o álcool é uma droga e seu uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação e são raros os comerciantes que vendem bebidas para crianças e adolescentes, principalmente, para serem consumidos em seus estabelecimentos. No entanto, qualquer criança ou adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não é reguladaâ€, argumentando, porém, que a descriminação do uso pode “acarretar no acesso de um número maior de pessoas a determinadas drogas†e sugerindo que haja uma polÃtica integrada para diminuir a demanda.O professor Henrique é ainda mais revolucionário: além da legalização de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do comércio.
“O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado ‘narcotráfico’, encerraria a ‘guerra contra as drogas’, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasilâ€, escreve ele, dizendo que se lá essa “guerra†é uma fonte de lucro para o sistema penal privado, aqui, é um mecanismo de repressão social e racial. “Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.â€
O debate, complexo, continua: deixe a sua opinião nos comentários. Você é contra ou a favor da legalização de drogas?