FabÃola Ortiz
Especial para o UOL NotÃcias
No Rio de Janeiro
A internação compulsória de crianças e adolescentes dependentes de crack no Rio de Janeiro é uma realidade nas operações feitas em cracolândias cariocas desde maio e suscita polêmica entre especialistas ouvidos pelo UOL NotÃcias que criticam a medida como uma polÃtica higienista e criminalizadora.
Crianças e adolescentes usuários de drogas nas ruas da cidade de São Paulo poderão ser encaminhados para internação compulsória por intermédio da prefeitura. A medida começou a ser discutida com mais ênfase em reuniões esta semana entre o prefeito Gilberto Kassab (sem partido) e secretários municipais, após aval da PGM (Procuradoria Geral do MunicÃpio). Nem bem ainda finalizada, ela já é considerada polêmica.
“Será que a internação é o melhor tratamento?â€, questiona a psicóloga Fabiana Lustosa Gaspar, coordenadora psicossocial do grupo de polÃticas de drogas da ONG Viva Rio. Ela defende que o tratamento do dependente quÃmico saia do campo da segurança e passe a ser abordado pelo viés da saúde pública.
População de rua
“O crack está entrando no lugar da cola de sapateiro e, principalmente, na população de rua. A questão do crack em si traz um grande desconforto, a droga está vinculada a uma população invisÃvel, mas que incomodaâ€, analisa a psicóloga.
A coordenadora do Viva Rio argumenta que é preciso ter uma visão mais integrada e que o trabalho das equipes de abordagem dos dependentes quÃmicos nas áreas conhecidas como “cracolândias†é feito “de forma inconsistenteâ€.
“O trabalho segue a lógica de dar uma resposta à sociedade. Há um apavoramento em relação ao crack, mas ninguém se preocupa quem é o viciado. É uma perspectiva higienista, de limpeza e envolve o simbolismo que o tratamento vai recuperarâ€, salientou Lustosa.
Há um apavoramento em relação ao crack, mas ninguém se preocupa quem é o viciado
Fabiana Lustosa Gaspar, coordenadora psicossocial do grupo de polÃticas de drogas da ONG Viva Rio
As primeiras operações conjuntas de combate ao crack começaram em março e já foram realizadas 22 ações que envolvem agentes da Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura do Rio, o Ministério Público e forças de segurança da PolÃcia Militar e Civil para acompanhar as incursões nas áreas de consumo de drogas que, geralmente, ficam localizadas em comunidades pobres e violentas.
Segundo a Secretaria de Assistência Social, em todas as operações já foram retiradas de cracolândias 1.284 pessoas, sendo que destes 1.035 eram adultos e 249 crianças e adolescentes. Deste grupo infantojuvenil, 84 foram “abrigados compulsoriamenteâ€.
Contra os padrões internacionais
Segundo o advogado Carlos Nicodemos, membro do Conanda (Conselho Nacionaldos Direitos da Criança e do Adolescente) e coordenador-executivo da organização de direitos humanos Projeto Legal, as medidas adotadas no Rio de Janeiro vão “contra os padrões internacionais de direitos humanosâ€.
“O interesse é mais de ordem pública do que para a proteção da criança e do adolescente. O protocolo adotado viola frontalmente a Convenção sobre os Direitos da Criançaâ€, disse Nicodemos ao UOL NotÃcias.
A Convenção sobre os Direitos da Criança – adotada por unanimidade, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e promulgada em 1990 – destaca que o Estado deve assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, além da sua sobrevivência e o seu desenvolvimento.
Nicodemos critica a abordagem de cunho policial feita aos usuários de droga menores de 18 anos. “A abordagem não deveria ser feita pela polÃcia e sim por agentes do Conselho Tutelar. Recolhe-se todo mundo e leva para averiguação na delegacia de polÃcia para depois encaminhar aos abrigos. A abordagem é criminalizadora e violadora de direitos. Eles são tratados como criminosos.â€
Acompanhado da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, o membro do Conanda visitou, no último dia 21 de julho, um abrigo especializado no Rio, Casa Viva, que atualmente acolhe 12 meninos e meninas retirados das ruas e das cracolândias da cidade.
“Fizemos visitas e verificamos denúncias de fugas, controle por medicação e ausência de um projeto polÃtico-pedagógicoâ€, afirmou Nicodemos ao admitir que, nas internações, não há acompanhamento pelo Conselho Tutelar nem mesmo por parte da famÃlia.
Ótica policialesca
O advogado defende uma polÃtica efetiva de “acolhimento e não recolhimento como tem ocorridoâ€. As polÃticas públicas, segundo Nicodemos, devem dar conta da proteção integral da criança e do adolescente em situação de rua. “Há um problema de princÃpio nas ações de judiciliazação, que são por ordem da Justiça, em vez de programas preventivos no âmbito da saúde, da educação e da convivência comunitária social e familiar. Entendo que o lugar da criança e do adolescente é na famÃlia e na comunidade.â€
Nicodemos afirma que há uma previsão legal para casos de internação compulsória em relação à saúde mental, mas que deve haver um laudo de um especialista que declare o comprometimento da saúde mental da pessoa. “O laudo é levado à Justiça, e o juiz decreta a internação. Nesse caso (nas ações no Rio de Janeiro), os laudos são produzidos após a internação e não antes.â€
Para o representante do Conanda, as mudanças ocorridas após as dezenas de operações de combate ao crack são “aparentes e simbólicas†e abre um debate distorcido, pois, segundo Nicodemos, “não atinge o âmago da questão com programas de inclusão do núcleo familiar para proteção da criança e do adolescenteâ€.
O advogado atenta para a inexistência de polÃticas estruturantes de assistência social, que acabam sendo empregadas sob uma ótica “policialescaâ€. “Caminha para uma higienização. Não adianta tirar a criança, desintoxicar e depois soltá-la. Ela vai acabar retornando para as ruas. Não se pensa sob o ponto de vista da proteção social da criança e do adolescenteâ€, concluiu.
Outro lado
O secretário municipal de Assistência Social do Rio, Rodrigo Bethlem, rebate as crÃticas e afirma que estas medidas têm sido eficazes no combate ao crack. “Nas operações, temos visto bem menos crianças nas cracolândias. Temos conseguido reduzir sim, as ações tem surtido efeito. Em cracolândias como no Jacarezinho (zona norte), a gente encontrava 20 crianças e adolescentes, e hoje só 3 ou 4. Grande parte delas está em abrigamento compulsórioâ€, disse Bethlem ao UOL NotÃcias.
O “abrigamento compulsórioâ€, como define o secretário, é a única forma de conter o avanço do crack, defende. “Antes, o que a gente fazia era enxugar gelo. Nós retirávamos as crianças e, na semana seguinte, voltávamos lá e eram as mesmas na cracolândia, um lugar completamente inóspitoâ€, argumentou.
O secretário explica que a população infantojuvenil acolhida é encaminhada para uma análise clÃnicamédica para avaliar o caso de uma possÃvel internação. Na cidade do Rio, existem quatro unidades especializadas no tratamento e recuperação de crianças viciadas em crack. Bethlem afirma que o número de estabelecimentos é suficiente para atender a este público de menores de 18 anos. Segundo ele, existem hoje 70 vagas ociosas. “Se for necessário, vamos abrir mais.â€
Uma criança ou adolescente fica em média três meses internada. “Depois começa um processo de re-inserção social com a famÃlia, muitas delas nem mais famÃlia têm. Depois são encaminhadas para abrigos ou para o projeto ‘FamÃlia Acolhedora’, que é uma pré-adoção em que famÃlias se cadastram e recebem apoio mensal da prefeituraâ€, explicou.
Quem não é encaminhado para uma unidade especializada pode ir para um abrigo comum da prefeitura que conta com 28 abrigos próprios e outros conveniados somando um total de 3.500 vagas.
Os investimentos nas ações de retirada da população em situação de rua que envolvem, em grande parte, as cracolândias e acolhimento de dependentes quÃmicos, passaram de R$ 17 milhões, em 2010, para R$ 28 milhões este ano.
Internação à força de adultos
O secretário de Assistência Social defende ainda a internação compulsória de adultos usuários de crack. “O crack vicia muito rapidamente, o poder do crack é muito grande, e violentÃssimo, deixa sequelas e destrói todo o sistema nervoso. Eu defendo que o adulto também tenha internação compulsória. O usuário de crack é muito diferente de qualquer outro consumidor de droga. A dependência quÃmica faz com que a pessoa perca a noção completa da realidadeâ€, ressaltou.
Segundo Bethlem, este deverá ser o próximo passo, a internação à força também de adultos viciados em crack. “Temos unidades para tratar adultos e quando perguntamos a eles se querem se tratar, muitos dizem que querem, mas de cada 10, fica só 1 no abrigo que nem chega a terminar o tratamento. O Ãndice de recuperação é muito baixoâ€, admitiu.
Sobre o emprego da PolÃcia Militar para dar apoio à s operações de acolhimento de usuários, o secretário contrapõe que as comunidades onde há cracolândias não são pacificadas. “A gente precisa ir com as forças de segurança, a polÃcia para entrar nesses lugares. Quando as UPPs (Unidades de PolÃcia Pacificadora) chegarem a essas áreas também será uma forma de ajudar no combate ao crackâ€, discutiu.