Tão logo a sinalização de tráfego acusa a permissão de passagem, um desenho se forma no fundo verde do semáforo da Visconde do Rio Branco, na altura da Padre Valdevino. O que será?
10.08.2011| 01:30
Surpresas de uma cidade – por vezes de uma forma bem silenciosa, misteriosa até, que zomba com a desatenção nossa de cada dia. Um sujeito, que ninguém viu, nem sabe quem é, se homem ou mulher, menino ou o quê, deve ter pego um cavalete (daqui a pouco o leitor há de concordar) e pintou uma folhinha no “verde†do semáforo da avenida Visconde do Rio Branco com a rua Padre Valdevino, quando a primeira encontra a Aguanambi, fechando a bifurcação.
O semáforo é daqueles de chão (daà o cavalete) e a pintura parece (impossÃvel afirmar com precisão) ser feita de tinta spray. Um adesivo simples, na forma da folha da cannabis sativa ajudou a definir a forma que ali ficou, há cerca de três meses. Quase quatro, talvez. Mais que dois, com certeza.
“Eu fiquei na minha. Achei estranho, porque geralmente ou é redondo ou tem aquele bonequinho de atravessar a rua. Desses aÃ, eu nunca vi, nãoâ€, se espantou a estudante Ana Carine Ferreira, 17. Raissa Martins, 18, ia ao lado, avoada que só ela, nem prestou atenção: “Gente, eu sou muito dispersa. Não vi nadaâ€. E voltaram caminhando à casa da tia, residente das redondezas.
“Era só o que faltavaâ€, comentou o motorista de ônibus, avexado com o dito sinal – mais pela pressa que pela curiosidade. Comandando uma linha freguesa daquela via, ele nunca tinha atentado para a mudança. Queria até saber se era como aqueles que tem uma bicicleta desenhada. Era não.
O Osmanir, que é Alves Ferreira e dono do restaurante na pontinha de quadra que se forma com a junção da Visconde com a Aguanambi, não tinha tanto tempo para conversas na última segunda-feira, pelo começo do expediente. Ele, que mora em cima do estabelecimento, não prestou atenção na marca do semáforo.
Com muito serviço, que impedia delongas, se disse contra as drogas, e a liberação delas. “É bom fazer essa pesquisa, pra tirar. Agora, se for pra liberar, eu estou foraâ€, declarou, solene. Por dois anos, o pagode do lugar transcorria bem, mas uma briga, grande, feia, deixou três “com a cabeça quebrada†e um prejuÃzo de R$ 3 mil. Ele está certo de que foi coisa de gangue e droga.
Se o dono não viu, parte da clientela viu. Aurélio Oliveira, 32, e Paulo BasÃlio, 23, almoçavam com os colegas da oficina de carros ali do lado e todo mundo comentou o ocorrido. “Eram uns seis meninos (almoçando). E tinha um que era especialista, tirou até fotoâ€, brincam. Uma cliente da oficina ficou deveras intrigada e resolveu dar uma olhadinha de perto. Lá se vem ela de volta. “Não, isso não é desenhoâ€, explica. “É que ficou sujo e o sujo penetrou por cima da luz. Mas isso é só sujoâ€. Será?
“É legal o cara ter essa ideiaâ€, imagina BasÃlio, que não é primo de ninguém dessa história. “Isso é coisa de desocupadoâ€, repreendeu Aurélio, que até agora não fez nenhum dicionário, enquanto voltava a cabeça para a conversa. E logo mudou de ideia: “Mas é legal, simâ€.
O Jovenildo dos Santos, 27, que também trabalha ali perto, imagina que tenha sido um pichador mesmo, já que “eles picham os lugares mais difÃceisâ€. Ele não tinha reparado na folhinha. E todo mundo da empresa ficou com um olhar curioso quando soube do chiste. Os colegas de trabalho, José Nildo, 27, e Francisco Wellington, 23, acharam graça. Um tinha visto, o outro, não. Mas aà foi o jeito continuar o trabalho, satisfeitos com aquele tempinho de distração. Com o carro estacionado na Visconde do Rio Branco, a professora Tereza Esteves, da escola ali do lado, sugeriu uma discussão mais ampliada sobre o tema, “para não estimular essa alusãoâ€.
Nem a turma de um lado, nem a turma do outro fazia ideia de quem tenha sido o pintor. Chegamos, nós todos, à conclusão de que seria impossÃvel empreender tal façanha à luz do dia, porque depredar o patrimônio público é ilegal, como lembrou Aurélio. De madrugada, provavelmente. Que tenha um spray à mão, uma ideia na cabeça e algum tempo livre. Ou seja: quase meio mundo. “Mas vai ser difÃcil, viuâ€, desestimula o Aurélio. De qualquer forma, a gente teima. E jura que não conta para ninguém.
E agora
ENTENDA A NOTÃCIA
Em tempos de marchas pela liberação do uso da maconha mundo afora, a intervenção no semáforo da avenida Visconde do Rio Branco pode ser um caso isolado ou parte de alguma manifestação polÃtica. Isso, no entanto, fica resguardado no sigilo da ação.
SAIBA MAIS
Procurada pela reportagem, a AMC, responsável pela instalação e manutenção dos semáforos da Capital, relatou, através de sua assessoria, que esse não é o primeiro caso, mas o segundo, e na mesma redondeza. Até o fechamento desta edição, porém, não forneceu mais detalhes.
VÃdeo
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Júlia Lopes
julialopes@opovo.com.br