Por Roberta Duboc Pedrinha, 13.11.2011
É lamentável assistirmos ao entrelaçamento entre as medidas do Governo do Estado do Rio de Janeiro e a propaganda sensacionalista midiática, de absoluta espetacularização… Que não é nem mesmo um sensacionalismo barato, uma vez que o aparato bélico tem elevado custo para nossos cofres públicos. Trata-se de um sensacionalismo caro, dos figurantes ao armamento usado na cenografia, tudo cheio de efeitos especiais… Em manchete, o jornal O Globo on line (13 de Novembro de 2011) retrata em tom épico o que chama de: “Dia Histórico para a Rocinha e o Vidigal: Força de Paz ocupa a favelaâ€, seguida da imagem de um blindado do Exército…
É precisa sublinhar que a presença do BOPE, das Forças Armadas (com 194 Fuzileiros Navais), da PolÃcia Civil, da PolÃcia Militar, da PolÃcia Federal, PolÃcia Rodoviária Federal, em um total de 3.000,00 homens, ou seja, com atuação conjunta de todos os entes da federação, com um monumental aparato bélico na Rocinha, não se aproxima em nada da idéia de “Forças de Pazâ€. É impressionante o falacioso nome da operação, batizada como “Choque de Pazâ€. Vale rememorar o que ocorreu quando George W. Bush produziu a guerra ao Iraque, em nome da paz mundial, informando que conduziria à liberdade e à democracia, o povo do paÃs. Verificamos o saldo de mortos de mais de 1,5 milhões de pessoas, um paÃs devastado, com o seu presidente executado à morte, cujas imagens foram expostas na internet. Mas acredito que esta operação carioca não almeja mortes, e sim, votos.
No Brasil, na cidade maravilhosa, as mega-operações, de magnitude assustadora, funcionam com um arsenal de guerra, cuja orquestração se manifesta como um show de horrores nas favelas para milhares de moradores… As mega-operações revelam-se como uma prática cotidiana, que já viraram rotina, do governo reeleito, que confunde flagrantes questões atinentes à Segurança Urbana com questões de Segurança Nacional, pela intervenção inconstitucional das Forças Armadas no Estado do Rio de Janeiro.
A afirmativa do ex-caveira e âncora da Rede Globo, de que há muitos traficantes e usuários na favela, tem que nos fazer refletir. Pois será que não há traficantes e usuários, dentro da própria PolÃcia, da própria Rede Globo, por toda a zona sul, por toda a Cidade, por todo o Estado do Rio de Janeiro, por todo o Brasil, e, por todo o mundo? Mas não é essa polÃtica de repressão que deve ser empreendida, que de modo covarde adentra, com os principais recursos bélicos – 4 helicópteros da PolÃcia Militar e 3 helicópteros da PolÃcia Civil, 18 blindados, e, centenas de fuzis e metralhadoras com até 700 disparos por minuto -, os espaços territoriais de segregação sócio-econômica, onde se situam os segmentos mais vulneráveis da população.
A cruel associação entre favelados e traficantes, entre pobreza e criminalidade, faz com que as Comunidades do Rio se tornem sempre o foco de visibilidade. Assim, enquanto a favela é o alvo da repressão, a grande mÃdia tira, da mira de sua lente, o verdadeiro tráfico internacional, que gera bilhões, bem distante da realidade das Comunidades da cidade maravilhosa.
No mundo, em mais de 100 anos de proibição, criminalização e penalização, não se reduziu o uso ou a venda das drogas. O enfrentamento bélico mata absolutamente mais pessoas do que as que morrem por overdose. O México declarou guerra à s drogas, o que nem mesmo paÃses bélicos como os EUA fizeram, e, o paÃs está em guerra civil, quase 40.000 mortos nos últimos anos. Nós estamos com a maior taxa de autos de resistência (dispositivo criado na ditadura militar, em 1969, para ocultar os homicÃdios cometidos por policiais). Nos últimos anos, são mais de 1.000 mortos por ano, pela PolÃcia, pelos duvidosos dados oficiais, no RJ… Pois suspeita-se uma estimativa ainda bem maior. Trata-se da taxa de letalidade mais alta de todo o Brasil e de todos os governos anteriores do Estado do Rio de Janeiro…
Contudo, certamente, o Operação Choque de Paz na Rocinha, em plena Primavera de 2011, não tem como escopo mortes, mas sim difundir o medo, com uma mega-construção na imprensa do espetáculo, com interesses polÃticos eleitoreiros. Pois, sabe-se que não haverá resposta dos supostos traficantes, o que já havia sido anunciado dias antes pela mÃdia, muitos deles já fugiram, além do que, presenciamos a prisão sensacionalista do “Nemâ€, e, nem por isso nossas vidas mudarão… Prenderam o “Nemâ€, como antes dele, tantos outros, e, tantos ainda o serão, depois dele. Esta Operação consiste em um show particular do Governo do Estado. O estratégico é a fomentação do medo na população, a qual apavorada clama por polÃticas repressivas. Para acalmar o alarmismo produzido nada melhor do que aparecer com as pseudo-soluções rápidas, emergenciais, ostentatórias militarmente. Afinal, isso lhe renderá votos… Contudo, torço, e torçam comigo, para que polÃticas e polÃticos melhores nos acompanhem….
Mas até quando vamos ver o Estado insistir nessas medidas? Pois poucas são as polÃticas preventivas, as polÃticas públicas, educacionais e de saúde… Estas sim, podem salvar vidas. Todavia, sabemos bem a condição da Saúde Pública das pessoas no Estado, bem como da Educação Pública dos nossos jovens, entre as piores do Brasil… Precisamos parar de levar a guerra para as favelas! Precisamos dar fim à repressão! Precisamos de polÃticas públicas verdadeiramente sociais! Não podemos é entorpecer nossa razão com essa polÃtica do tigre de papel, que com toda sua força não consegue proteger aquilo a que, verdadeiramente, se propõe: a saúde, a integridade fÃsica e a vida dos seres humanos
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(*) Roberta Duboc Pedrinha é advogada. Professora e Coordenadora da Pós-graduação de Criminologia, Direito e Processo Penal da Universidade Candido Mendes (Ucam). Professora Concursada de Ciêncas Penais do Ministério de Justiça (MJ). Doutoranda em Sociologia Criminal pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ). Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Mestre em Ciências Penais pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Pós-graduada em Criminologia pela Universidade de Havana (UH). Membro Permanente da Comissão de Direitos Humanos do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Ex-Coordenadora de Sistema Penitenciário e Segurança Pública da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Rio de Janeiro (OAB-RJ).