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Novembro 18, 2011

UPPs 2021: um exercício de ficção sociocientífica, por Eduardo Tomazine

Passa Palavra

Comentários dos leitores pedem a interdição deste conluio de vagabundos manipulados por traficantes, milicianos e líderes do MST, armado com o propósito de desestabilizar as UPPs e a política de combate ao crime organizado empreendida pelo governador Eike Batista. Por Eduardo Tomazine Teixeira

 

upps-1Uma estratégia de segurança pública com as proporções da “pacificação” de favelas no Rio de Janeiro tem limites coerentes com seus objetivos. Responde a finalidades eleitorais, econômicas e sociais, e é possível graças a uma conjuntura particular de crescimento econômico e alinhamento político. Trata-se, como eu já disse alhures [1], de uma estratégia que tende a ser cada vez mais reproduzida nas grandes metrópoles da semiperiferia sistêmica em vias de crescimento, em cujas necessidades de reorganização social, fundamentais ao amadurecimento do capitalismo nestas plagas, embora venha a passar por rearranjos estruturais, não afrontarão a injustiça social – como ocorreu, em certa medida, em um momento fugidio e regionalmente limitado da evolução do capitalismo. Isto significa que os ganhos de produtividade, a formação da força de trabalho e a manutenção de um ambiente seguro de negócios serão forjados sem as reformas sociais dos “trinta gloriosos” ou de antes. Evidentemente, um caminho semelhante de desenvolvimento tende a acumular tensões e a tratar a questão social como um assunto de polícia. Estaríamos, com isso, em vias de criar um Frankenstein, o qual, amanhã ou depois, despertará incontrolável para nos esganar?

O ano é 2021, e a cidade, Rio de Janeiro

I A última UPP [Unidade de Polícia Pacificadora] no município foi inaugurada já há cinco anos, completando o número de 40. Fechou-se, com isto, o “corredor de segurança” previamente esquadrinhado pelo estado, embora algumas unidades não previstas tenham sido instaladas na zona oeste, devido, em grande parte, à consternação da sociedade civil perante as imagens dos conflitos entre facções do tráfico de drogas e milícias que ocorreram por ali. De 2009, ano da inauguração da primeira UPP, até 2016, o efetivo da Polícia Militar do Rio de Janeiro cresceu de 32 mil homens e mulheres para 60 mil. As despesas para formar, remunerar e equipar toda essa gente, somadas aos demais gastos com segurança pública, ultrapassam 9% do PIB do estado do Rio, superando, assim, em muito, o percentual destinado à educação e à saúde. Afinal, não basta manter em dia o pagamento dos policiais, sendo preciso também mantê-los bem remunerados para evitar o seu aliciamento pela corrupção. As próximas eleições para governador ocorrerão no ano seguinte, e o tema que mais ocupará a pauta de debates será, sem dúvida, a reforma da polícia, com vistas a “fazer mais com menos”, isto é, reduzir o efetivo da corporação, que pesa como uma bola de chumbo no orçamento estadual. Sobretudo após a desaceleração econômica dos últimos dois anos. A bancada fluminense no Congresso pressiona pela legalização da venda da canabis para fins medicinais, alegando o imperativo de novas receitas para financiar a cara segurança pública no estado. As bancadas de São Paulo, Bahia e Pernambuco aderiram ao lobby do Rio.

II Depois da ocupação do complexo de favelas da Maré, na zona norte do município, em 2012, as diferentes facções do tráfico de drogas deram início às mal sucedidas disputas pelas áreas controladas por milícias, na zona oeste. Estas, mais bem organizadas e enraizadas no aparelho estatal, não demoraram para rechaçar as investidas. As milícias, hoje, ocupam quase a totalidade dos espaços pobres sem UPPs. Os narcotraficantes de antes, perdendo seus principais mercados, perderam também em poder de fogo, fragmentaram-se e desencadearam uma “guerra molecular” de longa duração na Baixada Fluminense e no interior do estado pelo controle das bocas de fumo. O governo do estado, em convênio com os municípios, respondeu com a abertura de sucedâneos desajeitados de UPPs, no âmbito dos quais os policiais logo foram corrompidos e tornaram-se mafiosos, cobrando taxas de comerciantes e de moradores para manter o “policiamento” nos bairros e loteamentos.

upps-3III Desde a desaceleração econômica que o salário dos policiais lotados em UPPs não são corrigidos, e há notícias de que, mesmo em algumas unidades da capital, a prática de extorsão de moradores tem virado rotina. Líderes comunitários foram assassinados nas favelas da Providência e do Parque União (no complexo da Maré), mas os policiais negam qualquer participação nos crimes, alegando tratar-se de acerto de contas entre grupos políticos rivais.

IV Os moradores destas duas favelas, em protesto, ocupam a entrada dos edifícios das UPPs, queimando ainda carros e pneus nas vias de acesso às comunidades. Os protestos se alastram para outras três favelas “pacificadas”. As emissoras de TV fazem uma cobertura ostensiva dos manifestantes encapuzados e ateando fogo em viaturas da polícia, provocando a imediata indignação da sociedade civil, a qual clama pela intervenção das Forças Armadas. Praças lotados em UPPs vizinhas, reforçados por homens do BOPE [Batalhão de Operações Policiais Especiais] e dos Fuzileiros Navais cercam as comunidades. O secretário de segurança do estado dá um ultimato de 48 horas para que os logradouros públicos e as entradas das UPPs sejam desobstruídos. Os manifestantes recusam-se a sair. Helicópteros blindados da PM sobrevoam as comunidades em chamas. A tensão cresce. As operações de manutenção da ordem são iniciadas pela madrugada na favela da Providência, próxima ao porto “revitalizado”. 50 manifestantes são presos, 15 moradores saem feridos, e um deles é morto durante a operação. Os manifestantes das demais comunidades encerram os protestos, em troca de uma anistia oferecida pelo governador. A população carioca dorme aliviada. O governador, o secretário de segurança e os capitães das UPPs reúnem-se no Palácio Guanabara para negociar aumentos salariais.

V O mercado imobiliário prosperou nas favelas da rica Zona Sul da cidade. Hostels e restaurantes das comunidades do Vidigal e Santa Marta figuram, pelo terceiro ano consecutivo, no Guide du Routard [2] (que esqueceu-se, porém, de instruir os leitores sobre os procedimentos para a compra de drogas no Rio “pós-pacificação”…). As casas coloridas das favelas e suas vielas emaranhadas – esta Casba nas Américas, como definiu a revista Time – conferem uma originalidade a mais na pitoresca paisagem carioca. Os moradores das áreas mais baixas das comunidades alugam seus barracos aos comerciantes ou aos novos vizinhos da classe média remediada, alugando para si casas no alto do morro. Os moradores menos aquinhoados, por sua vez, migram para favelas mais distantes, onde sofrem com a tirania das milícias ou com a guerra dos bandos de narcotraficantes. O Rio de Janeiro é a 20ª cidade mais rica do mundo, e cinco bilionários seus destacam-se na última edição da revista Forbes. A despeito das violentas manifestações dos últimos meses – a inteligência [serviços de informação e espionagem] da polícia suspeita instigações por parte de narcotraficantes –, os hotéis têm, em setembro, praticamente 100% da capacidade já reservada para o próximo carnaval, um indício de que a atividade econômica deve retomar o dinamismo de outrora. A companhia de eletricidade, Light, comemora a desativação daquela que seria a última ligação clandestina em comunidades “pacificadas”. Na favela da Rocinha, uma reunião, contando com a participação de mais de 3.500 moradores de diversas favelas, vota pela criação da Liga de Comunidades em Áreas de Pacificação. Uma pequena reportagem a respeito é publicada no portal eletrônico de um importante jornal. Comentários dos leitores pedem a interdição, pela Justiça ou através da bala, deste conluio de vagabundos supostamente manipulados por traficantes, milicianos e líderes do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra], armado com o único propósito de desestabilizar as UPPs e a agressiva política de combate ao crime organizado empreendida pelo governador Eike Batista. A previsão do tempo para o domingo é de sol forte, com possíveis pancadas de chuva ao final da tarde.

upps-2

Notas

[1] Ver, aqui, aqui e aqui, os demais artigos do mesmo autor sobre as UPPs publicados no Passa Palavra.

[2] Um dos mais importantes guias turísticos internacionais, contendo, além de sugestões de passeios e informações históricas, recomendações de hotéis e restaurantes aos visitantes.

As imagens utilizadas neste artigo são de Friedensreich Hundertwasser (a primeira e a última) e de Francis Bacon.

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