O hábito de ler os jornais do dia durante o desjejum pode ser um pouco indigesto. Foi o caso hoje, dia 19/11/2011, quando li as edições de O Globo e da Folha de São Paulo. No matutino carioca, leio sobre o constrangimento dos chefes militares brasileiros presentes ao ato solene de sanção pela presidente Dilma Roussef das leis de acesso à informação e da Comissão da Verdade. No jornal paulistano leio que skinheads colaram cartazes e distribuÃram panfletos no campus da USP, ameaçando os usuários de maconha e comunistas e reproduzindo a imagem do jornalista Vladimir Herzog enforcado em sua cela no DOI-CODI acompanhada da legenda “suicÃdio é tristeâ€.
Alguém pode dizer que as duas notÃcias não guardam relação entre si, mas o fato é que isto não é verdade. O que ambas nos revelam é que os fantasmas mais grotescos do passado ainda são capazes de nos assombrar e que se faz necessário acertar as contas com eles de uma vez por todas, o que não será feito com a tibieza e a pusilanimidade demonstradas pelos governos de Lula e de Dilma até agora. No entanto, há que se fazer a diferença entre os dois fatos enquanto conduta humana: os comandantes do Exército, Marinha e Força Aérea apenas se abstiveram de aplaudir os discursos de condenação da ditadura militar, o fato em si não se constitui em ofensa a ninguém, mas revela uma realidade que não é aceitável em uma sociedade plenamente democrática, que é o descompasso entre a opinião predominante nas Forças Armadas e os valores e princÃpios sobre os quais se erige o Estado democrático e social de direito.
Os generais que participaram das atrocidades da ditadura ou foram coniventes com elas já estão de pijama faz tempo ou falecidos, o problema é que, além de lhes ser garantida a impunidade, foi permitido a eles educar as gerações seguintes conforme a velha cartilha da doutrina de “segurança nacional†da época da Guerra Fria, segundo a qual o golpe militar de 1º de Abril de 1964 foi uma “revolução democráticaâ€. Pior, os cadetes de hoje continuam a ser doutrinados da mesma forma, o que é intolerável. Numa democracia, não pode passar pela cabeça de um militar a idéia de que uma quartelada possa ser legÃtima, isto é coisa que o avanço polÃtico, cultural e civilizatório largou na latrina e acionou a descarga. Admitir o contrário é brincar com lixo histórico altamente tóxico.
Falando em lixo, eis que um grupo de skinheads neonazistas resolve botar a cabeça para fora do ninho de ofÃdios para ameaçar os usuários de maconha e comunistas no campus da USP e zombar da morte de Vladimir Herzog, o Vlado, através de cartazes ostensivamente colados em pontos de ônibus e panfletos distribuÃdos até na porta de faculdades, assinados por um grupo que se denomina como “Comando de Caça aos Comunistasâ€, ou CCC, em óbvia alusão ao grupo paramilitar de extrema direita dos anos de chumbo. Aà estamos diante de um ato grotesco e monstruoso de afronta à s liberdades democráticas do povo brasileiro, ofensivo em si mesmo e que resume em sua bestialidade aquilo que não se encontra dentro dos limites do que é tolerável em termos de expressão polÃtica e ideológica. Aliás, do que é tolerável em uma sociedade civilizada. Como se vê, os fantasmas do passado teimam em nos assombrar. É mais do que hora de exorcizá-los definitivamente.
Gerardo Xavier Santiago, advogado