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Dezembro 04, 2011

O nascimento da estratégia de redução de danos

Blog coletivo do Outras Palavras

Baseada no respeito ao usuário, estratégia pode ser resumida no slogan: “Quem usa não abusa; quem não usa não acusa”

Apesar de ter se consolidado e ganhado projeção como estratégia de tratamento para dependência e uso abusivo de drogas durante o ascenso da AIDS, nos anos 1980,  as práticas hoje enquadradas sob o conceito de “Redução de Danos” (RD) têm suas origens na Inglaterra no início do século XX. Em sua tese de doutorado em Educação pela PUC, o psicólogo Marcelo Sodelli identifica o nascimento da RD em 1926, quando um relatório interministerial do governo inglês

“estabeleceu o direito de os médicos ingleses prescreverem suprimentos regulares de opiáceos a dependentes dessas drogas, nas seguintes condições: como manejo da síndrome de abstinência, em tratamentos com o objetivo de cura; quando ficasse demonstrado que, após prolongadas tentativas de cura, o uso da droga não poderia ser seguramente descontinuado; e quando ficasse provado que o paciente apenas seria capaz de levar uma vida normal e produtiva, se uma dose mínima de droga fosse administrada regularmente, mas que ficasse incapaz disso, quando a droga fosse inteiramente descontinuada. Esse ato médico era entendido como um tratamento e não como uma ‘gratificação da adição’”.

 

Maria Alice Pollo-Araújo e Fernanda Moreira, no artigo Aspectos históricos da Redução de Danos, sintetizam-na como “uma política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo e no seu direito de consumir drogas”. As autoras citam também o Medical Subject Headings, que define o termo como “ampliação de métodos projetados para reduzir o dano associado a certos comportamentos sem diminuição na frequencia daqueles comportamentos”.

Embora tenham origens anteriores, foi somente nos anos 1980 que estas práticas se estabelecem em programas públicos, especialmente através da distribuição de agulhas e seringas para usuários de drogas injetáveis, numa estratégia de prevenção da transmissão do vírus da AIDS.

Sodelli identifica na Holanda estes primeiros programas, quando uma associação de usuários de drogas lança uma proposta de troca de seringas para combate a uma epidemia de hepatite B entre usuários de drogas intravenosas. “Logo em seguida, o sistema de saúde holandês adotou esse programa e começou a distribuir seringas, para evitar que elas fossem compartilhadas e, assim, diminuir a transmissão da doença”, aponta o autor, que é professor da PUC e pesquisador também das relações entre educação e prevenção aos danos possivelmente causados por drogas legais e ilegais.

Ainda nos anos 1980, com a crescente comoção gerada pela difusão da AIDS, a estratégia começa a ganhar força em países europeus, como Inglaterra, Alemanha e Espanha, que “enfrentavam problemas sérios com farmacodependentes, comunidades protestando, rede de atendimento inadequada e sensação de impotência e ineficácia da força policial. A RD, com seu foco no pragmatismo, pareceu ser a estratégia mais lógica a ser seguida”, lembram Pollo-Araújo e Moreira.

No artigo Reflexões sobre a prevenção do uso indevido de drogas, o psiquiatra da Unifesp Dartiu Xavier da Silveira (leia excelente entrevista dele à Caros Amigos sobre internação compulsória aqui) explica que a epidemia de AIDS acabou por gerar uma “contribuição muito importante” na medida em que fez com que a população por ela atingida saísse da invisibilidade frente as políticas públicas. “A contaminação pelo vírus HIV entre usuários de drogas injetáveis e a propagação entre seus parceiros fez com que se tornasse imperativo parar de falar de grupos de risco e que se passasse a cuidar dos comportamentos de risco ou atitudes de vulnerabilidade, exigindo que ações concretas fossem tomadas”, aponta Silveira, que resume:

Surge então a redução de danos como estratégia inteligente e eficiente para minimizar as consequências adversas do uso indevido de drogas. Parte-se de uma realidade que se impõe (dependentes são dependentes), sem tentar negá-la ou modificá-la por discursos impositivos, morais ou éticos. Ao tratar o dependente como um igual, abre-se uma porta e os profissionais de saúde logo descobrem que, através do vínculo, é possível despertar no outro o desejo de se cuidar. Trata-se de uma atitude que respeita o indivíduo e oferece meios acessíveis de melhorar sua qualidade de vida, principalmente no que se refere à saúde.

Partindo das categorias propostas pelos cientistas sociais franceses Robert Castel e Anne Copel, o antropólogo Edward MacRae lembra da existência de diversos níveis sociais de controle e regulamentação do uso de psicoativos, para além dos estatais, invariavelmente encarados como solução única. Os franceses em questão dividiam três instâncias de regulação: heterocontroles, que seriam leis, instituições de saúde e aparatos estatais diversos; controle societários, que seriam as pressões informais de pares e vizinhos; e por fim os autocontroles, que seriam levados a cabo pelos próprios usuários, sendo algumas vezes inclusive interiorizações dos outros tipos de controle elencados.

Ressaltando portanto que o respeito ao indivíduo e suas escolhas de uso não significa necessariamente uma completa ausência de controle ou regulação nestes comportamentos, MacRae defende que uma politica de drogas com maior eficácia deve buscar basear-se nos dois últimos tipos de controle descritos, pois seriam mais capazes de garantir regulação adequada para estas práticas sem auxílio de leis específicas. Os heterocontroles delegam seu poder regulador a agentes especialistas como médicos e policiais, e, segundo o autor, “embora possam ter legitimidade, não são capazes de controlar, nem tangencialmente, o conjunto dos problemas relacionados ao consumo de psicoativos. Pois são controles parciais ou abstratos, enquanto que as práticas de uso de drogas são multidimensionais e não somente relacionadas à delinquência e à patologia”.

“Constatando a constância da utilização de substâncias psicoativas pela humanidade através de sua história e o fracasso da política proibicionista em relação às ilícitas, parece sensato aceitar a necessidade de conviver com elas da melhor maneira possível, ao invés de preconizar utópicas políticas de ‘tolerância zero’ ou de sua erradicação definitiva”, preconiza o antropólogo e professor da UFBA, que prossegue ressaltando que isso não precisa significar uma renúncia a qualquer medida de controle. “O que se pode fazer é levar em conta os controles já existentes e seus campos de aplicação, assim como outros recursos, de vários tipos, que poderiam ser mobilizados para seu aperfeiçoamento”.

Para MacRe, pode-se atentar para as estratégias já empregadas pelos consumidores e tentar limitar os efeitos indesejáveis através de uma múltipla abordagem, “reservando um papel importante para a mobilização das suas próprias redes de sociabilidade, tal como em vários países vem se fazendo em relação a drogas lícitas como o álcool e o tabaco”.

Embora mostre que existem tendências dentro do campo da Redução de Danos que colocam a abstinência como objetivo final, Sodelli lembra que há outro entendimento que defende este tipo de política, que ele denomina de “abordagem libertadora”:

Como uma estratégia para reduzir danos decorrentes do uso nocivo de drogas e não tem, de forma alguma, o objetivo de alcançar a abstinência entre os usuários. (…) Um exemplo deste tipo de abordagem é da Rede Brasileira de Redução de Danos que tem como fundamento de trabalho, conforme rege seu estatuto: implementar medidas amplas para prevenir e tratar o consumo nocivo de drogas; não perseguir o consumidor de drogas, mas sim, buscar formas de regulação que sejam social e culturalmente aceitas pelos diferentes segmentos sociais. Na prática, tem como objetivo a aproximação com os usuários de drogas, para que, num futuro próximo, seja possível a criação de um vínculo de confiança, uma abertura. Instaurado, o vínculo funciona como uma base sólida para inserir-se a discussão a respeito das possibilidades de redução de danos à saúde do usuário, entre elas: a discussão do uso nocivo, a inclusão destes usuários nos programas da rede pública de saúde e até, se o usuário desejar, possibilitar tratamento ao uso nocivo de drogas, etc.

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