Guilherme Balza e Janaina Garcia
Do UOL, em São Paulo
A atuação da PolÃcia Militar de São Paulo na reintegração de posse do Pinheirinho, na cracolândia e na USP (Universidade de São Paulo) revela que o Estado está agindo à base da força e perdeu o controle da polÃcia. Esta é a avaliação do jurista Walter Maierovitch e do cientista polÃtico Guaracy Mingardi, ambos especialistas em segurança pública.
Maierovitch avalia que a PM “não é uma polÃcia preparada para a legalidade democráticaâ€. “Hoje os problemas são resolvidos à base da força. É um quadro traumático. Precisamos começar a desmilitarizar a polÃcia. Temos que ter uma polÃcia cidadã. E deixar a polÃcia de fora em casos que não são de polÃciaâ€, diz o jurista.
Já Mingardi vê nos episódios falta de controle do Estado. “Toda polÃcia no mundo quer extrapolar porque é mais fácil agir usando de violência; é mais fácil quando há, portanto, a reação do outro lado. O papel do governante é dizer o ‘não pode’ ou o ‘quem passar desse ponto, será demitido’â€, avalia.
O cientista polÃtico cita o exemplo da Inglaterra: “lá a polÃcia é super controlada, com pouquÃssimas mortes causadas ao ano. A situação só começou a sair de controle quando a ordem era tirar os terroristas de circulação a qualquer custo. Resultado: um inocente [o brasileiro Jean Charles de Meneses] foi mortoâ€, diz.
Para o jurista, no caso da USP, a polÃcia desviou o foco de sua atuação, quando “em vez de prevenir os crimes, resolveu se preocupar em reprimir os alunosâ€. “Criaram um caso de proporções exageradasâ€, diz. No caso da cracolândia, avalia Maeirovich, o “governo não percebeu que o problema é de saúde pública, e não de polÃcia.â€
“Em vez de uma operação que priorizasse ações sociossanitárias, optou-se por uma repressão policial equivocada. E burra, porque nenhuma rede de tráfico foi afetada. Fizeram uma ação de limpeza. Prenderam os usuários e sequer havia para onde levá-losâ€, aponta o jurista.
Maierovitch questiona a necessidade da operação de reintegração de posse no Pinheirinho, em São José dos Campos (SP). “Em que paÃs civilizado isso ocorreria? A expulsão de 1.500 famÃlias sem ter para onde ir? Nesse caso, a culpa deve ser atribuÃda à Justiça, que determinou a reintegração. Colocaram uma tropa de choque para atuar de surpresa contra uma população que não está rebelada. É uma arbitrariedade muito grandeâ€, critica.
O jurista critica ainda a inserção de PMs disfarçados dentro da comunidade. “A PolÃcia Militar usou técnicas da época da ditadura. Se infiltrou para ver quem eram as lideranças.â€
Mingardi aponta problemas no comando da PM paulista. “A própria Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) teve, entre seus últimos comandantes, alguma relação com a violência [o atual comandante, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia, é um dos 116 PMs acusados do massacre no Carandiru, em 1992]. Por melhor que seja o sujeito para a função, esse é um sinal que o gestor dá, um sinal errado para a corporação.”
Coronel da reserva da PM de São Paulo, ex-secretário nacional de Segurança Pública e consultor do Banco Mundial, José Vicente da Silva Filho defendeu que a ação da polÃcia no Pinheirinho ajudou a resguardar a ordem pública em uma área onde, afirma, a degradação vinha de anos e era alimentada “por interesses polÃticos”.
“Sempre houve uma letargia das autoridades, de todas as esferas de poder, sobre a remoção daquele quadro. Pelo contrário: benefÃcios e infraestrutura acabaram sendo levados até lá, como água e luz. Claro que isso aumentou o grau de resistência das pessoas”, disse.
“E é fato que havia uma parte de crime organizado lá dentro, e muitos ladrões e interesseiros de polÃticos; afinal, quantos votos não rende o Pinheirinho?â€, questionou o coronel da reserva.
Silva Filho foi comandante da PM em São José dos Campos durante cinco anos, entre 1988 e 1993. Sobre os relatos de abusos e de violência contra mulheres e crianças, o policial diz que é resultado da ação de desordeiros que resistem à ação da PM.
“Confronto é praticamente inevitável, e sempre há um núcleo dos que resistem e um grupo de desordeiros: foram esses que tomaram a linha de frente contra a polÃcia e atingiram casas, comércio e veÃculos com coquetéis molotov. A ação da polÃcia foi planejada e inteligente no sentido de neutralizar essas pessoas e não postergar mais a ordem pública em uma reintegração que sempre se soube que seria complexa, dada a imersão polÃtica dessa comunidadeâ€, afirmou.
O UOL entrou em contato com a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo) para responder à s crÃticas dos analistas, mas eles não se posicionaram até o fechamento desta reportagem.