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Fevereiro 14, 2012

O combate ao crack e a cultura do medo

Teoria e Debate

Julio Delmanto

Insuflado pelo clamor midiático e pelo oportunismo de políticos sempre em busca de “soluções mágicas” que garantam alguns votos (ou trocados), o crack ganha cada vez mais espaço na agenda pública brasileira. Por toda parte surgem discursos acerca de uma suposta “epidemia” no uso da substância, e a partir daí se empreendem ações meramente repressivas e midiáticas, que de nada ajudam a encarar o sério problema do uso abusivo de drogas.

A demonização do crack é mais um capítulo na triste e recente história da “guerra às drogas”. Ao pretender incidir sobre a oferta das substâncias tornadas ilícitas há pouco menos de cem anos, camuflam-se problemas sociais complexos através da fetichização de certas drogas e de uma suposta defesa da saúde pública que traz muito mais danos sociais – como a violência estatal e do crime e o encarceramento em massa – do que o consumo em si.

Não há dados que comprovem tamanho furor em relação a consumo de crack no Brasil. De acordo com o Relatório Brasileiro sobre Drogas, elaborado em 2010 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), de cada cem brasileiros, 38 já ingeriram álcool, dezoito fumaram cigarro e dois fumaram maconha. Somente um em cada mil entrevistados declarou ter fumado crack. A Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Senad, pretende terminar em 2012 um estudo feito em cenas de uso de diversas capitais. Enquanto isso, mídia e governos preferem tomar por base uma enquete realizada pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) entre prefeitos, que apontaria “presença” do crack em 98% das cidades brasileiras, numa metodologia sem nenhum fundamento científico.

É nesse cenário que se inserem dois fatos importantes: a “Operação Sufoco”, empreendida pelos governos estadual e municipal de São Paulo no bairro da Luz, e o Plano de Enfrentamento ao Uso do Crack e Outras Drogas, lançado pela presidenta Dilma Rousseff em dezembro de 2011. Se a primeira iniciativa alinha-se explicitamente ao que há de mais autoritário e higienista, a segunda tampouco serve como alternativa eficaz e respeitosa dos direitos humanos no que concerne ao uso problemático de drogas.

Iniciada em 3 de janeiro de 2012, a Operação Sufoco dizia ter como objetivo combater o tráfico de drogas na região conhecida como “cracolândia”, no bairro da Luz, centro de São Paulo. No entanto, assim como não é a droga o principal problema dos moradores de rua ou dependentes químicos expostos pelas lentes sensacionalistas da mídia em situação de extrema vulnerabilidade – causada sobretudo pela absoluta ausência de oportunidade, moradia, saúde, educação etc. –, também não era o crack o principal determinante de tal operação, que, depois de algumas semanas, não afetou em nada o consumo de drogas, apenas o deslocou para regiões vizinhas.

Há tempos que as administrações de Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin buscam “limpar” o bairro da Luz do maior empecilho para sua “revitalização”: as estigmatizadas pessoas que moram em suas ruas, ou as frequentam cotidianamente em busca de drogas e ou do sentimento de pertencimento a uma comunidade oferecido pelas “cracolândias”. Às portas da Copa do Mundo da Fifa, é inaceitável para o poder público paulista que seus financiadores de campanha tenham seus interesses econômicos (sobretudo imobiliários) prejudicados por pobres que insistem em se manter longe das periferias (ou das prisões) cada vez mais distantes que lhes foram reservadas.

“Vida sim, drogas não.” Por outro lado, foi com esse chavão que a presidenta Dilma apresentou seu novo programa de “enfrentamento ao crack”. Apesar de incluir em suas diretrizes demandas progressivas e interessantes relacionadas ao campo da “redução de danos” – eficiente abordagem de saúde que busca tratar o uso abusivo de drogas através do diálogo com usuários e do incentivo ao autoconhecimento e à minimização dos riscos –, tal programa hegemonicamente se configura como a repetição do velho, e fracassado, viés proibicionista, acrescido de favorecimento ao lobby religioso no tratamento da dependência química e retrocesso no campo dos direitos humanos.

Sem entrarmos no mérito de que nunca existiu vida humana em sociedade sem o recurso à alteração de consciência, cabe assinalar que o plano é marcado pela perspectiva do enfrentamento, “vencer o crack”, nas palavras do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Elegendo a consequência como a causa da vulnerabilidade, o governo demonstra não ter interesse em analisar suas determinações históricas e sociais para atuar a fundo sobre elas. Repete estratégias que, se por um lado fracassam para lidar com o consumo abusivo, por outro beneficiam diretamente retrógrados setores sociais e políticos.

Com pouca ênfase em informação, prevenção e no estudo das causalidades do recurso ao uso de drogas, o plano apresentado é preocupante. Abre a possibilidade de transferência de recursos públicos para as “comunidades terapêuticas”, clínicas pouco ou nada fiscalizadas mantidas por grupos religiosos e nas quais inúmeras denúncias de abusos e tortura foram constatadas, e também para a internação compulsória, estratégia de segregação social já em curso em algumas capitais brasileiras que, além de violadora de direitos constitucionais, é ineficiente. Segundo dados da ONU, apenas 2% dos pacientes tratados de forma involuntária aderem à abstinência apregoada pelo método.

“Muito poder e dinheiro estão à espera daqueles que penetram em nossas inseguranças emocionais e nos fornecem substitutos simbólicos”, salienta Barry Glasner, autor de A Cultura do Medo. Infelizmente, ao invés de buscarem alternativas que respeitem o direito ao próprio corpo no caso do uso de drogas, e estimulem um cuidado eficiente e consequente no caso do uso abusivo, que é minoritário, nossas políticas públicas seguem majoritariamente fundadas num discurso de medo e exceção que serve a interesses políticos e econômicos muito claros. É por isso que são ineficientes, e é por isso que devem ser repensadas.

Júlio Delmanto é jornalista, mestrando em História Social, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Neip) e membro do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR)

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