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Fevereiro 24, 2012

Hélio Schwartsman: se continuarmos assim, construção de presídios vai se tornar a principal atividade econômica do país

Enxugando gelo

 Folha de S.Paulo

Reportagem de André Caramante publicada na edição de terça-feira da Folha mostra que o governo de Geraldo Alckmin (PSDB) precisaria aumentar em 81% o número de vagas para presos no Estado de São Paulo para zerar o déficit e acabar com a superlotação do sistema.

Há hoje 185.447 presos no Estado, para 102.242 vagas. Para resolver o problema, seria preciso construir 93 presídios com capacidade para 768 detentos (referência padrão em São Paulo), além dos 15 já em obras.

O cálculo é gentil para com o governo, pois não leva em conta o crescimento da população carcerária, que não é desprezível. Dados de janeiro deste ano mostram que, para cada 100 pessoas que deixam as celas, outras 121 entram. Ele também ignora o sempre elevado estoque de mandados de prisão a executar. Em agosto do ano passado, eles eram 110 mil. Mesmo lembrando que alguns deles ordenam a captura de pessoas já mortas ou encarceradas, sobra um montão de gente para pôr atrás das grades.

Não é preciso ser um gênio da logística para perceber que estamos diante de um problemão. O próprio secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Lourival Gomes, reconheceu que a superlotação não será resolvida apenas com a construção de presídios.

O que fazer?

O problema com o direito penal é que ele mexe com emoções fortes. O ser humano, como todos os animais com algo parecido com um cérebro, está programado para tentar colocar-se em segurança.

No passado darwiniano, essa atitude assumia formas como dormir em cavernas, reunir-se em bandos e, principalmente, fugir do que percebemos como perigos. Muitas das ameaças antigas, como mastodontes enraivecidos e tigres-dentes-de-sabre à procura de refeições, desapareceram, mas a urgência emocional de nos pôr a salvo permanece. Ela agora se volta para problemas mais prementes como o crime.

Morremos de medo de bandidos, mesmo em lugares onde a chance de sofrer um assalto ou ser vítima de um latrocínio é significativamente menor do que a de ser atropelado ou sofrer um infarto. Assim, pressionamos nossos parlamentares por leis mais duras contra o crime, mas não nos preocupamos em exigir mais faixas de pedestres ou em começar um programa de exercícios físicos.

O deputado, sensível que é aos anseios do povo, não pensa duas vezes antes de votar a favor de peças legislativas que criem novos tipos penais e agravem penas para criminosos, mesmo que as consequências práticas sejam inócuas ou até contraproducentes.

Um bom exemplo dessa tendência foi a Lei de Crimes Hediondos (LCH), a 8.072. Aprovada em 1990, ela alongou as sanções previstas para uma série de delitos considerados especialmente graves, como homicídio qualificado, tortura, sequestro, estupro, tráfico de drogas, falsificação de remédios, e estabeleceu limitações ao regime de progressão, algumas das quais foram depois consideradas inconstitucionais pelo STF.

Na verdade, a LCH nada mais é do que o catálogo das grandes ocorrências policiais que ganharam as manchetes dos jornais na década anterior a 1990 e, por isso, foram rapidamente transformadas em “hediondas” por nossos valorosos parlamentares.

O problema com a LCH é que ela opera uma simplificação da realidade grosseira demais para funcionar. A criminalidade brasileira não é nem nunca foi o reflexo de leis e juízes indulgentes.

O buraco é mais embaixo. Nossa coleção de fracassos começa com uma polícia que simplesmente não funciona. Segundo a pesquisa Mapas da Violência 2011, de Julio Jacobo Weiselfisz, a polícia brasileira esclarece apenas 8% dos homicídios que investiga. A título de comparação, nos EUA e em países europeus, as taxas variam em torno dos 70% ou 80%. Basicamente, por aqui vale a pena resolver uma disputa eliminando a pessoa que está criando dificuldades. As chances de jamais ser apanhado são bem maiores que as de sê-lo.

Depois, ainda temos uma Justiça excessivamente lenta e com claro viés econômico. Nossa população carcerária é composta quase que exclusivamente de pobres, a grande maioria dos quais negros.

Evidentemente, não são apenas pessoas com pouco dinheiro e muita melanina que cometem crimes por aqui.

Os absurdos continuam dentro do sistema carcerário, que dá a impressão de ter sido concebido para converter-se numa competitiva universidade do crime. São pouquíssimas as chances dadas ao presidiário de efetivamente encontrar um meio de sobreviver dentro da lei quando deixar a cadeia.

Mas, voltando ao problema das vagas, a menos que adotemos a estratégia de ir encarcerando parcelas crescentes da população –os EUA optaram por essa trilha e não se pode afirmar que tenham colhido bons resultados–, precisamos antes de mais nada repensar a oportunidade das penas de privação de liberdade.

Pessoalmente, penso que elas devem ser reservadas a pessoas que representam uma ameaça física à sociedade, isto é, a bandidos que se valem de violência. Para os demais casos, aplicaríamos as chamadas penas alternativas, que incluem multas (às vezes bem pesadas), restrição de direitos e prestação de serviços.

Em princípio, é fácil concordar com essa tese. A coisa muda de figura quando se examinam os delitos que deixariam de gerar penas de prisão. A lista inclui tráfico de drogas, fraude, lavagem de dinheiro etc.

E, se já é difícil explicar para um sujeito com genuínas inclinações liberais que é preciso soltar traficantes, isso se torna quase impossível quando a pessoa a ser persuadida é um político ou alguém com intuições mais viscerais de Justiça.

Vale aqui lembrar o episódio da demissão de Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas no ano passado, por ter sugerido que pequenos vendedores de drogas não fossem encarcerados, entendimento aliás respaldado pelo STF, que já considerou constitucional a aplicação de penas alternativas nestes casos. Se apenas emitir uma tese perfeitamente defensável, mas impopular, já é arriscado num governo supostamente de esquerda, como seria o do PT, quais não serão os obstáculos para implementar uma nova política penal?

A questão é complicada porque uma abordagem mais puramente pragmática e racional contraria os impulsos da maioria da população. É claro que não dá para defender que as decisões sejam todas tomadas por bando de especialistas, pouco importando os sentimentos dos cidadãos. Um direito fundado nestes termos falharia em um de seus propósitos mais básicos que é o de propiciar às pessoas um ambiente onde se sintam seguras.

O caminho, portanto, é mais pedregoso. É preciso introduzir paulatinamente a noção de direito penal mínimo e ampliar as discussões sobre o tema. A aplicação de novos paradigmas tem algum valor pedagógico, ou ainda estaríamos esquartejando criminosos e salgando-lhes as terras.

Não há, porém, como deixar de trilhar essa rota. Se insistirmos em manter as coisas como estão ou, pior, em agravar penas, como quer a bancada da bala, a construção de presídios vai se tornar a principal atividade econômica do país e com poucos resultados concretos na redução do crime.

Hélio SchwartsmanHélio Schwartsman é articulista da Folha. Bacharel em filosofia, publicou “Aquilae Titicans – O Segredo de Avicena – Uma Aventura no Afeganistão” em 2001. Escreve na página 2 às terças, quartas, sextas, sábados e domingos. Na Folha.com, escreve às quintas-feiras.

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