Em entrevista ao DAR, um dos fundadores do Planta na Mente afirma: o que nos une é um misto de indignação com alegria de viver
COLETIVO DAR
“Somos o Planta na Mente, o primeiro bloco carnavalesco do Rio de Janeiro a levantar a bandeira da legalização da maconha.†Assim começa o manifesto deste bloco que é movimento social e desse movimento social que tem um bloco e que tem incendiado as ruas do maior carnaval do Brasil. Fundado em outubro de 2010 como bloco carnavalesco, o Planta na Mente é um coletivo que defende a legalização da maconha para todos os seus usos. Após estrear no Carnaval 2011 com dois desfiles na Lapa, contando com público de mais de mil pessoas,eles participaram das três Marchas da Maconha realizadas no estado do Rio de Janeiro, e promovem também eventos pela discussão e conscientização sobre a proibição da maconha e seus efeitos na sociedade.
A fim de entender o que é e o que defende o Planta na Mente, o DAR conversou com um de seus fundadores, Antonio Henrique Campello, que nesta interessante entrevista nos explica que “o objetivo é plantar, com nossa arte, sementes de tolerância nas mentes das pessoas, para germinar uma grande mudança social e ver florescer um mundo mais pacÃfico e libertárioâ€.
Em 2012 o bloco chega ainda mais forte, tendo sido acompanhado por mil pessoas já em seu ensaio. Assim, no dia 22, “quarta-feira de brasasâ€, espera-se uma festa ainda mais poderosa do que nos últimos anos. Como diz o manifesto do bloco, “o carnaval também é uma grande oportunidade de discussão social. É o momento de usarmos da nossa irreverência, música e existência para disseminar nosso protesto e estabelecer nosso papel no mundo. Nossas marchinhas são manifestos e nossas apresentações, ações diretas! Estamos aqui para fazer história, construir novas pontes, adubar e plantar sementes positivas de tolerância. Nascemos para exercer nosso poder de criar, recriar e transformar essa realidadeâ€.
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DAR – Quando começou o Planta na Mente? Eram todos já ativistas da causa? Eram músicos?
Antonio – Nem todos os fundadores já militavam por essa causa e nem todos os fundadores eram músicos. A ideia surgiu de alguns estudantes do curso de História da Unirio, durante o carnaval 2010. Meio que na brincadeira lançamos a ideia, considerando que há diversos blocos que representam grupos sociais e que não havia nenhum diretamente vinculado aos usuários da planta. Durante meses, a proposta foi maturando, e em setembro de 2010, convoquei uma reunião na minha casa, convidando todos os meus amigos que imaginei que podiam gostar da ideia e contribuir efetivamente para o projeto. Eu já participava da Marcha da Maconha aqui do Rio de Janeiro, desde 2008, e havia participado de algumas reuniões de organização da Marcha, em 2010. Na convocação, já lançara as bases polÃticas do que o bloco pretendia: celebrar a cultura canábica, defender a legalização e os direitos dos usuários. Fomos sete presentes na reunião de fundação, alguns já frequentavam a Marcha da Maconha, outros nunca nem tinham ido.
Aos poucos, fomos agregando mais gente para trabalhar no bloco, e traçamos uma estratégia ousada para formação da banda: convocávamos ensaios em locais públicos e divulgávamos amplamente, esperando que os músicos aparecessem. Deu certo, mas foi um processo lento. Essa parte musical teve um impulso muito grande na liderança do Mestre Pajé, que assumiu a regência da banda e, além de conseguir chamar muitos músicos, conseguiu ensinar muitos não-músicos a tocar instrumentos, como alguns dos próprios fundadores.
DAR – Quais ideais unem o Planta?
Antonio – Acho que como todo o movimento antiproibicionista, o Planta na Mente também pode ser considerado uma frente ampla, no sentido de abrigar pessoas de formações polÃticas diversas. E considero que um dos pontos mais positivos do coletivo é o engajamento de alguns jovens que até então não se dedicavam a nenhum tipo de militância. O carnaval, como expressão de arte e cultura, tem esse papel estratégico de atrair, além das opressões vivenciadas por cada jovem usuário.
Acredito que o que nos une é um misto de indignação com alegria de viver. Todos que estão ali querem participar de alguma forma de um processo de libertação, mas também querem expressar isso de uma forma divertida e irreverente.
DAR – De que forma vocês veem que projetos de cultura como o Planta podem contribuir para a mudança do proibicionismo?Â
Antonio – A escolha do carnaval e de outras expressões culturais que o Planta promove é estratégica. Além de utilizar a diversão para atrair e engajar novos ativistas, conscientizando-os de seus direitos e de seu papel transformador, acreditamos que a cultura mexe realmente com as mentalidades. Acho que é um ponto essencial da existência do bloco isso, mudar a cabeça das pessoas é tão importante quanto mudar a legislação. O proibicionismo possui uma ligação intrÃnseca com o preconceito e a cultura canábica expressa e representa a quebra de alguns estigmas e estereótipos. Além de motivar o “orgulho†de ser maconheiro, de vencer a vergonha imposta pela discriminação, tenho visto muitos não usuários aderindo a causa por conta dessa alegria com que lutamos. O objetivo é plantar, com nossa arte, sementes de tolerância nas mentes das pessoas, para germinar uma grande mudança social e ver florescer um mundo mais pacÃfico e libertário.
DAR – O Planta na mente provavelmente pode ser visto mais como um coletivo do que meramente um bloco, desde o inÃcio já havia essa pegada, como realização de eventos e debates por exemplo?
Antonio – Já havia essa pegada desde o inÃcio sim. O bloco se pretende um movimento social desde sua fundação. É sintomático o fato de que nem havia banda quando realizamos o primeiro evento público do Planta na Mente, só discotecagem de músicas, projeções, decoração e muitos textos nas paredes, todos relacionados ao tema. Funcionamos como um coletivo horizontal, com reuniões regulares, além do grupo fechado organizativo pelo Facebook. Todas as reuniões são abertas e divulgadas, com mesmo peso de voz e voto para todos. A “diretoria†do bloco é quem quiser chegar junto. Nas apresentações musicais, sempre tentamos politizar ao máximo, com cartazes e discursos, além das próprias letras com mensagens libertárias. Mas, sem dúvida, a ideia do CinePlanta foi um salto qualitativo na questão do aprofundamento do debate sobre a legalização.
DAR – Como tem sido essa experiência dos cine debates?
Antonio – Esse tipo de atividade é fundamental. Com o CinePlanta, permanecemos na mesma linha de ativismo cultural, com todos os potenciais de “fazer a cabeça†das pessoas que eu falei anteriormente. Só que no caso do cine-debate, a mensagem é mais direta do que nas músicas. Podemos aprofundar um pouco mais essa proposta do bloco de fomentar o debate sobre a maconha, sua proibição e suas implicações sociais.
Apesar de atingirmos uma quantidade menor de gente nesse tipo de evento, vale muito a pena. Até para os próprios organizadores do bloco, tem sido enriquecedor , dando um embasamento maior para nossa militância.
DAR – E em relação ao bloco em si, como são feitos os ensaios? E a composição das músicas, é coletiva? As letras tratam exclusivamente de maconha ou falam de outros temas?
Antonio – Fazemos ensaios totalmente abertos e divulgados nas ruas uma vez por semana, na Escadaria Selarón, na Lapa. Assim agregamos públicos, disseminamos nossa mensagem e também nos abrimos à possibilidade de adesão de novos músicos e ativistas. Assim a Banda Erva (como chamamos) foi formada, com as pessoas chegando e se juntando a ela.
Depois que havia já uma consolidação da banda e demanda para apresentações, sentimos a necessidade de marcar ensaios fechados, sem divulgação, apenas para afinar, entrosar e planejar os arranjos.
Nosso repertório no carnaval passado contava com paródias de marchinha clássicas de carnaval e releituras de músicas que representam a cultura canábica em diversos estilos, como funk, reggae, samba, rock etc. Em 2012 estamos lançando nossa primeira composição original, o nosso hino “Proibir Uma Planta É Sacanagemâ€.
As paródias foram composições coletivas, inclusive algumas enviadas como sugestões pela internet ou surgidas espontaneamente nos ensaio abertos. Nosso hino foi composto por três músicos e fundadores do bloco.
DAR – Quando o bloco está na rua como tem sido a recepção do público? Quem participa do bloco em si?
Antonio – A recepção do público foi crescente desde o inÃcio. O crescimento do público foi rápido e surpreendente. Temos muitos seguidores fiéis, que sempre vão e sabem cantar todas as letras. Muitos começam assim e acabam se engajando efetivamente na organização do coletivo. A cada evento, há novas pessoas que não conheciam o bloco, então o crescimento tem sido constante. No nosso ensaio geral, no último domingo, já havia mais de mil pessoas. Esperamos mobilizar bastante gente no desfile da Quarta-Feira de Brasas(22/2).
DAR – Já houve tentativas de repressão ou impedimento dele?
Antonio – Sim. Aqui no Rio, desde o inÃcio do governo Eduardo Paes, há uma burocratização do carnaval de rua. Entre muitas exigências e mercantilização dos blocos, a prefeitura abusa da sua autoridade exigindo que que os blocos peçam “autorização†para ir à s ruas. No ano passado, nosso bloco teve a inscrição indeferida e o desfile reprimido no dia, pelo Choque de Ordem, mesmo nós cumprindo todas as suas exigências descabidas e nos enrolarem durante meses num jogo de empurra entre Riotur e subprefeitura. Acreditamos que o tema do bloco foi fundamental para essa censura.
Este ano, tivemos novamente o direito de manifestação negado pela prefeitura e estávamos prestes a entrar na justiça com um mandado de segurança, pois nossos advogados avaliam que é uma prática arbitrária e inconstitucional por parte do governo municipal, ainda mais a pós a decisão do STF em favor das manifestações antiproibicionistas. No entanto, fomos surpreendidos com o recuo deles em sua censura, após muitas reuniões que estive lá pressionando. Devem ter resolvido evitar a mesma repercussão midiática do ano passado e entrarem em uma briga jurÃdica que, dependendo do resultado, poderia abrir precedentes para o cancelamento de toda essa estrutura estatal que se montou em volta do carnaval de rua no Rio de Janeiro.Nós acreditamos que o carnaval é uma manifestação popular, e como tal, não pode ser controlada.
É importante ressaltar o apoio incondicional dos advogados da Marcha da Maconha, Gerardo Santiago e André Barros, em todo esse processo.
DAR – Como é a relação do Planta na Mente com outros grupos e movimentos do antiproibicionismo e com movimentos polÃticos em geral?Â
Antonio – Logo que iniciamos o processo de construção do nosso movimento, recebemos muito apoio de outros coletivos do Rio. O Hempadão nos convidou para ajudar a organizar e promover o I Fenacuca -Festival Nacional da Cultura Canábica, onde também aconteceu a primeira apresentação musical do Planta na Mente. Alguns integrantes do Planta também participaram da fundação do MLM – Movimento pela Legalização da Maconha, que aconteceu pouco após a fundação do bloco. E logo no inÃcio dos planejamentos para a Marcha da Maconha 2011, surgiu o convite para nós tocarmos durante a passeata. Além de tocarmos na Marcha da Maconha do Rio, nos integramos à organização do ato, em parceira com Growroon, MLM, Rádio Legalize, Hempadão, Psicotrópicos, além de ativistas independentes. Organizamos uma festa beneficente para a Marcha em parceira com a Rádio Legalize, que acabou sendo censurada pela reitoria da Unirio, local onde havÃamos realizado todas nossas festas até ali e onde o bloco havia nascido. Apesar da frustração desta festa, consolidamos uma forte parceria com a Rádio Legalize na produção de outros eventos culturais para fins de arrecadar dinheiro para o movimento.
Tivemos a felicidade e a honra de também sermos convidados pelos coletivos locais de Niterói e Rio das Ostras para tocar nas suas edições da Marcha da Maconha. Aceitamos e tocamos em todas as edições da Marcha da Maconha no estado do Rio, além de ajudarmos na divulgação, lançando por nossa conta um panfleto exclusivo com as marchas do estado e produzindo um vÃdeo com a convocação para as três marchas.
Para Rio das Ostras, conseguimos levar uma caravana com integrantes de membros de vários coletivos do Rio. Alugamos o “Cannabusâ€, com um auxÃlio financeiro da galera do coletivo local, e montamos lá o “Acampamento Sativa Loverâ€, no quintal de uma das organizadoras da Marcha.
Também participamos e tocamos na Marcha da Liberdade e no Dia pela Legalização da Maconha.Temos um relação muito próxima com entidades do movimento estudantil, realizando vários eventos nas universidades, como o CinePlanta.
DAR – Por fim, o é que o Planta está preparando para as Marchas da Maconha deste ano?
Antonio – Pra falar a verdade, estamos muito focados no carnaval agora. Pretendemos seguir apoiando e participando das Marchas, onde pudermos, e ficamos muito felizes de saber que em várias cidades onde nunca estivemos, já cantam nossas letras. O importante para fortalecer essa luta é a união. Esperamos que o Planta na Mente contribua para essa união e para isso, o Encontro Nacional da Marcha da Maconha vai ser muito importante. Vamos pensar em estratégias e repertório para as Marchas, após o carnaval.
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Evento do desfile do Facebook http://www.facebook.com/events/220388521390062/
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Hino do Planta na Mente – Proibir uma Planta é Sacanagem
Canta, minha gente! Canta!
Quem canta seus males, espanta
Viemos cantar com você
Pra legalizar o jererê
Planta na Mente! Planta!
Tem tanta gente por aà que fuma
Olha mais uma! Olha mais Uma!
Tem gente que não fuma, não
E defende a legalização
Se pode fazer vários usos dela
Roupa, remédio e papel
Não precisa invadir a favela
Transformando o povo em réu
Bob levantou por seus direitos
Bezerra acendeu a malandragem
D2 mas mantenha o respeito
Proibir uma planta é sacanagem
Proibir uma planta é sacanagem
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