Eles ainda eram bebês ou crianças pequenas quando, em 1992, a União Nacional dos Estudantes (UNE) liderou o movimento cara-pintada que culminaria no impeachment de Fernando Collor. Seus pais cresceram nos anos 1970 e 1980 na São Paulo assustada com o aumento dos roubos e dos assassinatos, espalhando shopping centers pelas ruas e muros nos condomÃnios.
No novo século, quando viraram adolescentes, em vez de ficar enfurnados nos seus quartos, passaram a se comunicar pelas redes sociais, abrindo uma interface com as ruas da cidade. Assumiram o papel que eles definem como de “hackers urbanos”, transformando a ocupação e as intervenções nas ruas da cidade em uma bandeira.
No ano passado, sem se importar com a lentidão que provocam no trânsito, contribuÃram para que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) precisasse interditar 12 vezes por dia as ruas da cidade para eventos polÃticos, esportivos, sociais e religiosos. Foram 4.497 eventos em 2011, 25% a mais do que em 2006. Até fevereiro, as ruas já haviam sido interditadas 490 vezes.
Podem ser desde bicicletadas a passeatas que defendem a liberação das drogas ou protestam contra ações policiais em Pinheirinho, Favela do Moinho e cracolândia, três momentos que motivaram a militância no começo deste ano. Passa por eventos de cunho polÃtico abastecidos por churrascadas e cervejadas – como o que criticou moradores de Higienópolis que não queriam o metrô ou o que protestou contra o projeto de lei que pretendia coibir álcool nas ruas.
Também cada vez mais gente se junta para pular carnaval em blocos de rua. Há ainda amigos e parentes de vÃtimas de acidentes de carros que param os bares em passeatas para pedir cuidado aos motoristas. Grafiteiros e pichadores, além de esportistas que transformaram os pulos entre muros e telhados em nova modalidade, conhecido como parkour, desde 2004 na cidade.
Mesmo quando motivados por causas diferentes, por meio do Facebook e Twitter, é na rua que a geração pós-shopping center prefere se encontrar.
“Tanto na Primavera Ãrabe quanto aqui, as redes sociais facilitaram a troca de informações. Só que cada grupo vive o contexto de sua própria cidade. Em São Paulo, o que une jovens é a luta pelo resgate e humanização da cidade”, diz Pedro Nogueira, integrante do coletivo Desentorpecendo a Razão, grupo que começou na semana passada a arrecadar fundos para realizar a Marcha da Maconha, que ocorre em maio, amparada por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Coletivos. Para tentar mudar o mundo, em vez de ONGs, esses novos grupos agora se organizam em “coletivos”, estruturas horizontais onde não há chefes nem lideranças. Também se denominam “INGs”: indivÃduos não governamentais.
“É mais ou menos como uma bicicletada. Naquele bolo de ciclistas, todos viram para a direita no improviso. Não é preciso uma liderança dizer aonde é que se vai”, diz Lucas Pretti, integrante do coletivo Casa da Cultura Digital, que organiza o Festival Baixo Centro, que vai até 1.º de abril nas ruas ao redor do Minhocão, no centro.
O festival terá mais de cem intervenções nas ruas e será financiado por crowdfunding (doações voluntárias que têm viabilizado projetos alternativos pela internet) e por leilões alternativos de obras doadas por integrantes do grupo e simpatizantes.
O artista Francilins Castilho Leal vem de Salvador para celebrar Exu e Pombagira, orixás das ruas. “Vamos distribuir 500 litros de pinga pelas encruzilhadas.” A performer Luanah Cruz vai participar com um vestido de 30 metros de cauda. “O tecido interage com a paisagem da cidade e provoca interação das pessoas. É bom partilhar as ruas de uma cidade que está ficando pequena demais para o desejo de todos esses grupos.” / COLABOROU ARTUR RODRIGUES