Rafael Sampaio Do G1 SP
Marcada para 19 de maio, a Marcha da Maconha de São Paulo está sendo planejada com dois meses de antecedência. Os organizadores cadastraram o evento, que foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em um site de financiamento coletivo via internet. Eles esperam arrecadar R$ 15 mil para a realização do ato a favor da droga.
Os recursos podem ser doados por qualquer um, anonimamente ou com o nome divulgado no site de financiamento, o Catarse. Se a marcha obtiver R$ 20 mil até 1º de maio, a coordenação do evento vai promover um show com grupos pró-legalização, diz Gabriela Moncau, uma das organizadoras. “A ideia [do financiamento] é comprar materiais de uso fixo da marcha, como megafone, bandeiras e faixas, que podemos usar outras vezes.”
O evento é criticado por entidades como a Associação Brasileira de Estudos do Ãlcool e outras Drogas (Abead). O presidente, Joaquim Ferreira de Melo Neto, considera que a Marcha da Maconha abre “um precedente perigoso”.
“Daqui a pouco vamos ter marcha a favor da cocaÃna, marcha do crack, a favor de drogas sintéticas. A liberdade de expressão deve ser respeitada, mas é preciso cuidado para não atentar contra a saúde da maioria da população”, diz Melo Neto. A entidade é formada por médicos, enfermeiros, psicólogos e outros profissionais que trabalham com dependência quÃmica.
Bônus para quem apoia
Há incentivos para quem apoia a Marcha da Maconha no Catarse – entre os bônus estão adesivos, que serão dados a quem doar R$ 30; menção especial no filme que será feito sobre a marcha, para quem doar R$ 80; e quem pagar R$ 200 recebe todos os bônus anteriores e um álbum de fotos da manifestação.
Para o estudante Diego Reeberg, um dos fundadores do Catarse, a Marcha da Maconha tem cunho polÃtico e serve para discutir um tema que é tabu no Brasil. Questionado sobre a razão para o site ter aceitado o evento entre seus projetos cadastrados – o público do Catarse é em geral formado por artistas e músicos -, o universitário diz: “Talvez o grande motivo seja porque o Catarse acredita em uma sociedade mais livre, que tem a liberdade de expressão como um dos seus pilares”.
Reeberg afirma que o Catarse não possui uma polÃtica padrão de restrição – todos os projetos passam por uma avaliação prévia da equipe do site, incluindo o da Marcha da Maconha. “O Catarse não é a favor nem contra [a marcha]. Acreditamos que seja um projeto importante pelo valor social que ele gera através da discussão que ele traz”, afirma.
Diretora-executiva da Associação Parceria Contra as Drogas, a psicóloga Marylin Tatton classifica a Marcha da Maconha de “oba-oba” e indaga se os participantes da manifestação sabem os efeitos maléficos da dependência quÃmica. “Essas pessoas não sabem o que é ser dependente. Nunca foram aos Narcóticos Anônimos, não conhecem a Cracolândia, não têm esse problema em casa”, afirma.
Tanto Marylin quanto Melo Neto se dizem favoráveis à descriminalização da maconha – para eles, um problema de saúde pública, e não de polÃcia. “Mas a droga é uma porta de entrada para outras. A gente sabe que a maioria dos usuários de crack começou com maconha. É uma droga que prejudica a memória, o raciocÃnio”, afirma o presidente da Abead.
Sem medo
Organizadores da Marcha da Maconha dizem “não estar com medo” de proibição judicial ou confronto com a PolÃcia Militar neste ano, após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de novembro de 2011, reforçar a determinação de que manifestações pró-maconha não são crime no Brasil.
Na época, os ministros do STF decidiram, por unanimidade, que esse tipo de protesto não pode ser enquadrado na Lei de Tóxicos, que considera crime induzir ou instigar alguém ao uso de drogas. O relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, entendeu que o direito à liberdade de expressão deve prevalecer. “Quem quer que seja pode se reunir para o que quer que seja, no plano dos direitos fundamentais, desde que o faça de forma pacÃficaâ€, disse, na época.
“A gente tem uma comissão jurÃdica, contatos com advogados para dar apoio. As Marchas [da Maconha] no passado foram importantes para pressionar o STF a julgar logo a questão”, diz Gabriela, referindo-se a problemas ocorridos nas marchas anteriores. O Ministério Público do Estado de São Paulo afirma que não vai processar os organizadores ou tentar proibir a marcha, já que o caso foi julgado pelo STF. Também não haverá ações judiciais contra os apoiadores no Catarse, de acordo com a Promotoria.
Gabriela diz que a Marcha da Maconha 2012 vai acontecer mesmo se não forem obtidos os R$ 15 mil. Manifestações a favor da droga estão previstas em 20 cidades, de acordo com o site da organização das marchas.
Em maio de 2011, policiais militares usaram bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para dispersar manifestantes pró-legalização da maconha, na Avenida Paulista. Dois PMs foram afastados após o confronto – ao menos sete manifestantes foram detidos e dez ficaram feridos.