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Março 23, 2012

Maria Lúcia Karam: a ONU se esforça para manter a guerra às drogas

Blog da Psicotropicus

As Nações Unidas se esforçam para manter viva a fracassada e nociva “guerra às drogas”

Maria Lucia Karam

Integrantes de órgãos das Nações Unidas e delegações dos Estados Membros, reunidos em Viena, de 12 a 16 de março de 2012, na 55ª Sessão da Comissão de Drogas Narcóticas (CND), em nenhum momento enfrentaram o ponto nevrálgico, provocador de crises, danos, enganos, sofrimentos, violência, violação de direitos fundamentais – a proibição, a política antidrogas, a “guerra às drogas”. Todos reivindicaram a continuação do atual padrão proibicionista, monotonamente seguindo o que parecia ser um script previamente aprovado.

Logo no início, proposta de resolução introduzida pelos EUA, para reafirmar as três proibicionistas convenções da ONU sobre drogas e comemorar o centenário da Convenção sobre o Ópio de Haia, dava o tom das discussões: sugestões de emendas e respectivas discussões lidavam basicamente com a forma, com vírgulas, sinônimos, nada dizendo a respeito da substância. Ao invés de ideias e criatividade, os integrantes das mais diversas delegações exibiam uma mentalidade estreita. Uma “voz única e unificada” surgia como algo mais importante do que discernir, questionar, debater e construir uma nova e saudável política de drogas.

Com efeito, os relatórios do Secretariado do CND e do Diretor Executivo do UNODC (Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes) pregavam a importância da “voz unificada”, ensinando a linguagem aceitável, tal como “responsabilidade comum e compartilhada”, “cooperação internacional em direção a uma estratégia integrada e equilibrada”, etc. Os integrantes das delegações repetiam essas e outras expressões como se fossem mantras proibicionistas.

A contínua pregação sobre a importância de uma “voz única e unificada”, embotando ideias, questionamentos e debates, dava à sessão do CND uma incômoda semelhança com reuniões características de organismos totalitários, em que confeccionadas e cegamente seguidas “linhas partidárias”. Um processo democrático convida à expressão de opiniões divergentes, de diferentes ideias, de estratégias diversificadas; processos democráticos não ditam “linhas partidárias”.

O ponto nuclear colocado diante das delegações dos Estados Membros da ONU e diante de todas as demais pessoas é se o mundo deve ou não prosseguir com as falidas políticas, convenções internacionais e leis nacionais que consagram a nociva proibição e a sanguinária “guerra às drogas”. Mas, essa discussão foi surpreendemente evitada, como se houvesse um elefante na sala e ninguém se referisse a ele, todos procurando apenas contornar sua presença.

Nenhum Estado Membro reivindicou a necessária legalização, controle e regulação das drogas tornadas ilícitas.

Algumas delegações, aparentemente mais progressistas, tentaram introduzir referências a direitos humanos nas resoluções afirmadoras da proibição e da “guerra às drogas”. Houve resistências. Mas, o que as delegações aparentemente mais progressistas não perceberam e não percebem é que direitos humanos e “guerra às drogas” são incompatíveis. O que as delegações aparentemente mais progressistas não enfrentaram e não enfrentam é a manifesta incompatibilidade entre a proibição ditada pelas convenções da ONU sobre drogas e as normas garantidoras de direitos fundamentais inscritas nas declarações internacionais de direitos. É preciso optar: direitos humanos ou aplicação das convenções proibicionistas. A proibição violadora do princípio da isonomia, da exigência de ofensividade da conduta proibida; do postulado da proporcionalidade; do princípio das liberdades iguais e assim do próprio princípio da legalidade; a proibição causadora de violência, de mortes, de prisões, de doenças – a proibição não se harmoniza com a ideia de direitos humanos. Trata-se de conceitos incompatíveis e incongruentes. Aliás, guerras (como a “guerra às drogas”) e direitos humanos não são mesmo compatíveis em nenhuma circunstância.

As delegações do México e dos EUA, reconhecendo o tremendo impacto dos custos do encarceramento diretamente resultante da “guerra às drogas”, propuseram resolução visando a implementação de um meio mais barato de manter intocada a política proibicionista: monitoramento, aplicação consistente de penas de curta duração, drug treatment courts. A insistência nas drug courts para impor tratamento médico é puro non-sense. Um conceito de justiça a ordenar tratamento médico é algo tão sem sentido quanto seria o conceito de uma justiça medicamente ordenada.

Nem mesmo o Presidente da Bolívia, Evo Morales, intervindo na plenária de abertura, ou os demais representantes bolivianos, em painel dentro dos eventos paralelos, se desviaram da “voz única e unificada”. Em 75% de seu tempo reiteraram e apoiaram as regras proibicionistas, procurando se apresentar como aplicados “combatentes” da “guerra às drogas”, aparentemente em um esforço para serem aceitos pela ONU. Os restantes 25% do tempo foram gastos no que apontaram como uma necessária correção de um erro histórico, qual seja a ratificação da Convenção Única de 1961 que bane a folha de coca, pela ditadura então no poder na Bolívia. O Governo boliviano deixou claro seu apoio à “guerra às drogas”, procurando apenas excepcionar o direito cultural, histórico e “sagrado” do povo boliviano a mascar a folha de coca e/ou consumi-la de outros modos.  Insistindo em que a folha de coca, em sua forma natural, não é venenosa, nem danosa, fazia questão de diferenciá-la da cocaína. O posicionamento da Bolívia reafirma a artificial e arbitrária distinção entre drogas lícitas e ilícitas, entre drogas “boas” e “más” – a folha de coca é “boa”; a cocaína é “má”.

    De todo modo, a posição da Bolívia merece destaque e tem sua importância, na medida em que é a primeira vez que uma nação se desvia unilateralmente de parte do padrão ditado pela ONU. Denunciando convenção proibicionista da ONU e requerendo nova adesão condicionada a uma reserva quanto à folha de coca, a ação da Bolívia representa um singular exercício de soberania nacional e pensamento independente, diante de forte pressão contrária internacional. Poderia servir de exemplo para outros países.

As anêmicas discussões naturalmente conduziram à conclusão reafirmadora do status quo, apesar dos relatórios do Secretariado do CND, narrando a deplorável situação mundial em relação ao abuso de drogas e à sua comercialização, e apesar do relatório do Diretor-Executivo do UNODC, detalhando uma miríade de caríssimos programas e ações antidrogas por todo o mundo. Programas e ações custando 1,036 bilhões de dólares no biênio 2012-2013, conforme previsão orçamentária para tal período, isto é, aproximadamente 500 milhões de dólares anuais. A proibição às drogas também é um grande negócio.

    Na cega reafirmação do status quo, outro dos mantras repetido à exaustão, não só por funcionários do CND e do UNODC, ou delegações dos Estados Membros, mas até mesmo por algumas ONGs, era a expressão “com base em evidências” – “tratamento com base em evidências”; “alternativas à prisão com base em evidências”; “soluções com base em evidências”. A evidência maior do fracasso e dos danos provocados pela atual política proibicionista, no entanto, permaneceu ignorada.

A maioria das ONGs não assume seu papel próprio de antagonistas à manifestamente falida e danosa política de drogas, normatizada nas convenções da ONU. Ao contrário, em Viena, assumiram um papel de diplomatas, marginalizando a contribuição que poderiam dar à reforma da política de drogas. Em reunião de ONGs acreditadas junto ao ECOSOC com a presidente do CND, as perguntas apresentadas foram anêmicas e submissas, sugerindo um desejo de maior participação, ao preço de renunciar à assertividade, ao questionamento, ao desafio, às propostas construtivas. ONGs devem manter distanciamento dos centros de poder e ser “radicais”, ou seja, reivindicar em alto e bom som necessárias mudanças profundas, que atinjam a raiz dos problemas, pensando e agindo com independência e fora dos padrões dominantes.

As delegações dos mais diversos países reunidas no Edifício M da sede da ONU em Viena, repetindo seus mantras proibicionistas, certamente não farão história. Ninguém lembrará por muito tempo o que foi dito em Viena. Foram palavras vazias, discussões que evitaram tocar no maior dos danos relacionados às drogas tornadas ilícitas – a proibição, a política antidrogas, a “guerra às drogas”. Foram ideias predeterminadas que reafirmaram e cimentaram uma falida e danosa política que, além de não funcionar em sua inviável pretensão de salvar as pessoas de si mesmas e construir um mundo sem drogas, produz demasiada violência, demasiadas mortes, demasiadas prisões, demasiadas doenças, demasiada corrupção.

Repetindo seus mantras proibicionistas, as delegações reunidas em Viena, ao reafirmarem a nociva e sanguinária “guerra às drogas”, consciente ou inconscientemente, reafirmavam uma política destinada a deixar um mundo com drogas mais descontroladas e desreguladas; com mais crimes, punições, prisões, perda da liberdade; com mais violência, mais mortes; com mais doenças, dependência, overdoses. A “guerra às drogas” já demonstrou ser uma calamitosa produtora de crises, violações a direitos fundamentais e sofrimentos, mas, durante a reunião do CND, lamentavelmente, ela ainda entrava e saía no Edifício M do Centro Internacional de Viena, sem precisar de crachá, sem passar pelos procedimentos de segurança, sem questionamentos e sem escrutínio.

__________________________________________________________
(*) Maria Lucia Karam é juíza aposentada no Rio de Janeiro. Membro da diretoria da Law Enforcement Against Prohibition (LEAP) [www.leap.cc e www.leapbrasil.com.br], esteve em Viena, com três outros integrantes da mesma organização, assistindo à Sessão do CND.

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