• Home
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
  • Podcast
  • Quem somos
  • A razão entorpecida
  • Podcast
  • Chame o DAR pra sua quebrada ou escola
  • Fale com a gente
Abril 01, 2012

Guerra às drogas e territórios em disputa

Le Monde Diplomatique

Na prática, a operação na Cracolândia, em São Paulo, não esconde seu caráter higienista de perseguição aos indesejáveis: moradores de rua, usuários de crack, prostitutas, vendedores ambulantes, comércios “irregulares” etc.
por Juliana Machado Brito
“Fase 1: consolidação da área
– início 03/01.
Trata-se de operação policial com vista prioritariamente a prender traficantes, usuários de drogas e procurados da justiça com ação de presença.
Fase 2: ação social
– não previsto início.
Fase 3: manutenção da área
– não previsto início.”

O trecho acima foi retirado de documento oficial enviado à Guarda Civil Metropolitana (GCM) pela Secretaria Municipal de Segurança Urbana (nota de instrução n. 01/2012) de São Paulo, com o teor do Plano de Ação Integrada Centro Legal, iniciado em 3 de janeiro deste ano, em sua versão voltada à região da Estação da Luz, estigmatizada como “Cracolândia”.Sob a justificativa de uma suposta “epidemia de crack”, as três esferas de governo se mobilizam para apresentar à sociedade uma proposta de restauração da ordem pública. Quarenta dias depois, a operação apresenta como resultados a dispersão de parte da população de indesejáveis para bairros vizinhos, 232 pessoas presas e 224 internadas.1

De tudo que se tem discutido sobre a Luz, proponho o olhar mais atento sobre a possível articulação entre a guerra às drogas e as disputas envolvendo o controle e a gestão de territórios. A operação policial na chamada Cracolândia guarda ressonâncias com investidas estatais recentes e aparentemente distantes: a ocupação da USP pela PM e a introdução do toque de recolher para crianças e adolescentes, entre tantas outras, convergem para o controle dos espaços públicos urbanos e caminham lado a lado com projetos de reurbanização e regularização fundiária.

O caso da Luz é emblemático: no momento em que o Centro de São Paulo é alvo de uma disputa acirrada entre o capital imobiliário especulativo e os interesses dos setores mais diversos presentes na região, o primeiro passo para a aplicação do Projeto Nova Luz2 e consequente expansão das fronteiras do mercado imobiliário é a expulsão – direta, pela ação ostensiva da PM, e indireta, pela valorização imobiliária – da população pobre.

Na prática, a operação não esconde seu caráter higienista de perseguição aos indesejáveis: moradores de rua, usuários de crack, prostitutas, vendedores ambulantes, comércios “irregulares” etc. No mesmo sentido, realizam-se despejos forçados e reintegrações de posse de imóveis vazios, ocupados pelos trabalhadores que disputam a oferta de empregos e de infraestrutura do Centro. Ainda assim, moradores, comerciantes, proprietários e movimentos de moradia têm se articulado para resistir aos efeitos da realização deste projeto, ou amenizá-los, buscando incidir nos escassos canais de participação política, como o conselho gestor das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis).

Num contexto em que a PM ganha espaço na gestão do estado (como tem acontecido nas subprefeituras e em outros órgãos municipais e estaduais), ocupando-se cada vez mais de serviços alheios à sua competência legal, o controle e a gestão urbana se desenvolvem como “polícia de costumes e condutas”, que tem na política de drogas proibicionista e repressiva sua ponta de lança.

No escopo da guerra às drogas, a ocupação do campusda USP pela PM reflete-se na revista de estudantes em frente à biblioteca, no controle do acesso ao restaurante universitário e na abordagem em espaços de sociabilidade dos jovens, voltando-se também aos crimes relacionados ao consumo de substâncias ilícitas, prioritariamente na moradia estudantil, entre negros, punks e gays.

Longe dali, nos bairros periféricos da cidade (e em 72 municípios no país),3 aplica-se a prática do toque de recolher, justificado pela proteção a crianças e adolescentes. A fim de combater o consumo de álcool e outras drogas, conselheiros tutelares e policiais militares se articulam para dispersar e recolher jovens após as 23 horas, restringindo sua permanência e circulação nos espaços públicos. Na região da Luz, o suposto combate ao tráfico resultou no encarceramento dos varejistas, sendo um terço dos presos moradores de rua,4 que comercializam drogas como estratégia de sobrevivência. O resultado da ação policial em nada afeta a rede do mercado ilegal.

Curioso constatar que, embora seja a bola da vez, o crack não é a droga mais letal: 84,9% das mortes relacionadas a drogas no Brasil são atribuídas, na verdade, ao álcool.5 Aqui, como nas ocupações militares “pacificadoras” do Rio de Janeiro, mais uma vez o combate aos entorpecentes vem legitimar a onipresença das forças de segurança, que têm como alvo, prioritariamente, condutas de populações específicas.

Todas essas situações denotam uma concepção de segurança pública – portanto, de controle de populações marginalizadas – que tem como estratégia central a ocupação territorial de forma ostensiva com o uso de forças militares: uma disputa que também é territorial, ao intervir em um dado espaço. Controlados e videomonitorados, os espaços públicos se reduzem a espaços de circulação e consumo, reservados para poucos. Nas diversas faces da guerra às drogas, que ataca certas substâncias e silencia sobre outras, a militarização do controle e gestão dos territórios se articula com o controle das condutas e costumes, atingindo os corpos pela via da saúde pública, da moral ou do encarceramento.

Juliana Machado Brito

Formada em direito pela PUC-SP e pesquisa megaeventos esportivos, relações de poder e o estado de exceção, em mestrado no Departamento de Sociologia da USP. Acompanha a questão do crack e da reurbanização do centro junto ao Coletivo Desentorpecendo a Razão, do qual participa.

Ilustração: Daniel Kondo
1 Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, 13 fev. 2012.
2 Concessão Urbanística Nova Luz: em um perímetro de 45 quadras nos bairros da Luz e Santa Ifigênia, o poder público municipal concede a exploração comercial do território para a iniciativa privada, que poderá instalar ali empreendimentos imobiliários voltados para o capital de grande escala – espaços de cultura suntuosos, escritórios de luxo, hotéis e centros de compra. Como contrapartida, realiza-se a reurbanização da região, por décadas abandonada pelo Estado, de modo que cabem às empresas desapropriações, intervenções urbanísticas e lucros advindos da valorização da terra.
3 Caros Amigos, dez. 2011.
4 Folha Online, 6 fev. 2012.
5 O Estado de S. Paulo, 15 fev. 2012.

Comments

comments

Nos ajude a melhorar o sítio! Caso repare um erro, notifique para nós!

Recent Posts

  • NOV 26 NÓS SOMOS OS 43 – Ação de solidariedade a Ayotzinapa
  • Quem foi a primeira mulher a usar LSD
  • Cloroquina, crack e tratamentos de morte
  • Polícia abre inquérito em perseguição política contra A Craco Resiste
  • Um jeito de plantar maconha (dentro de casa)

Recent Comments

  1. DAR – Desentorpecendo A Razão em Guerras às drogas: a consolidação de um Estado racista
  2. No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime em No Grajaú, polícia ainda não entendeu que falar de maconha não é crime
  3. DAR – Desentorpecendo A Razão – Um canceriano sem lar. em “Espetáculo de liberdade”: Marcha da Maconha SP deixou saudade!
  4. 10 motivos para legalizar a maconha – Verão da Lata em Visitei um clube canábico no Uruguai e devia ter ficado por lá
  5. Argyreia Nervosa e Redução de Danos – RD com Logan em Anvisa anuncia proibição da Sálvia Divinorum e do LSA

Archives

  • Março 2022
  • Dezembro 2021
  • Setembro 2021
  • Agosto 2021
  • Julho 2021
  • Maio 2021
  • Abril 2021
  • Março 2021
  • Fevereiro 2021
  • Janeiro 2021
  • Dezembro 2020
  • Novembro 2020
  • Outubro 2020
  • Setembro 2020
  • Agosto 2020
  • Julho 2020
  • Junho 2020
  • Março 2019
  • Setembro 2018
  • Junho 2018
  • Maio 2018
  • Abril 2018
  • Março 2018
  • Fevereiro 2018
  • Dezembro 2017
  • Novembro 2017
  • Outubro 2017
  • Agosto 2017
  • Julho 2017
  • Junho 2017
  • Maio 2017
  • Abril 2017
  • Março 2017
  • Janeiro 2017
  • Dezembro 2016
  • Novembro 2016
  • Setembro 2016
  • Agosto 2016
  • Julho 2016
  • Junho 2016
  • Maio 2016
  • Abril 2016
  • Março 2016
  • Fevereiro 2016
  • Janeiro 2016
  • Dezembro 2015
  • Novembro 2015
  • Outubro 2015
  • Setembro 2015
  • Agosto 2015
  • Julho 2015
  • Junho 2015
  • Maio 2015
  • Abril 2015
  • Março 2015
  • Fevereiro 2015
  • Janeiro 2015
  • Dezembro 2014
  • Novembro 2014
  • Outubro 2014
  • Setembro 2014
  • Agosto 2014
  • Julho 2014
  • Junho 2014
  • Maio 2014
  • Abril 2014
  • Março 2014
  • Fevereiro 2014
  • Janeiro 2014
  • Dezembro 2013
  • Novembro 2013
  • Outubro 2013
  • Setembro 2013
  • Agosto 2013
  • Julho 2013
  • Junho 2013
  • Maio 2013
  • Abril 2013
  • Março 2013
  • Fevereiro 2013
  • Janeiro 2013
  • Dezembro 2012
  • Novembro 2012
  • Outubro 2012
  • Setembro 2012
  • Agosto 2012
  • Julho 2012
  • Junho 2012
  • Maio 2012
  • Abril 2012
  • Março 2012
  • Fevereiro 2012
  • Janeiro 2012
  • Dezembro 2011
  • Novembro 2011
  • Outubro 2011
  • Setembro 2011
  • Agosto 2011
  • Julho 2011
  • Junho 2011
  • Maio 2011
  • Abril 2011
  • Março 2011
  • Fevereiro 2011
  • Janeiro 2011
  • Dezembro 2010
  • Novembro 2010
  • Outubro 2010
  • Setembro 2010
  • Agosto 2010
  • Julho 2010
  • Junho 2010
  • Maio 2010
  • Abril 2010
  • Março 2010
  • Fevereiro 2010
  • Janeiro 2010
  • Dezembro 2009
  • Novembro 2009
  • Outubro 2009
  • Setembro 2009
  • Agosto 2009
  • Julho 2009

Categories

  • Abre a roda
  • Abusos da polí­cia
  • Antiproibicionismo
  • Cartas na mesa
  • Criminalização da pobreza
  • Cultura
  • Cultura pra DAR
  • DAR – Conteúdo próprio
  • Destaque 01
  • Destaque 02
  • Dica Do DAR
  • Direitos Humanos
  • Entrevistas
  • Eventos
  • Galerias de fotos
  • História
  • Internacional
  • Justiça
  • Marcha da Maconha
  • Medicina
  • Mídia/Notí­cias
  • Mí­dia
  • Podcast
  • Polí­tica
  • Redução de Danos
  • Saúde
  • Saúde Mental
  • Segurança
  • Sem tema
  • Sistema Carcerário
  • Traduções
  • Uncategorized
  • Vídeos