Escrito por Guga Dorea |
Quarta, 28 de Março de 2012 |
O ano no México começa efervescente, sobretudo porque em 2012 o paÃs será palco de mais uma eleição para a presidência da República. Tudo indica que, além dos slogans polÃticos de sempre, a principal bandeira da situação, representada pela candidata do Partido Ação Nacional (PAN), a ex-ministra da Educação Josefina Vázquez Mota, será o suposto combate oficial ao narcotráfico, colocado em prática desde 2006, quando Felipe Calderón assumiu o poder. Mas o que está politicamente por detrás dessa dita luta incansável contra o crime organizado?
A campanha eleitoral, com certeza, trará esse tema à tona. Pretendo com esse artigo, no entanto, ir ainda mais longe. Valendo também para paÃses como o Brasil, quais são os verdadeiros objetivos da polÃtica proibicionista à s drogas, adotada pelo menos desde o inÃcio do século XX em praticamente todo o planeta? E por que, tendo em vista o redundante fracasso dessa polÃtica, a proibição continua em pleno vapor até hoje?
Quando e porque emergiu o discurso de que certas substâncias são consideradas nocivas à saúde e, portanto, deveriam ser proibidas de serem vendidas e consumidas? O motivo da proibição foi realmente a prevenção da doença? A realidade já nos mostrou que, apesar da proibição, tanto a produção e a venda, como o consumo, só aumentaram.
É possÃvel afirmar, diante disso, que a principal conseqüência da proibição é a marginalidade de uma quantidade cada vez maior de pessoas, que passaram a ser vistas como desviantes do status quo dominante. As drogas mais populares, hoje proibidas, já eram intensamente produzidas e consumidas, muito tempo antes de serem alvos da proibição. É importante afirmar que drogas, como a cocaÃna, o ópio e a maconha (cannabis) eram consumidas para fins religiosos, recreativos e medicinais, além de plantas psicoativas e alucinógenas serem usadas para cultos indÃgenas nas Américas.
Era Moderna
Já na era moderna, a motivação econômica levou alguns estimulantes, como o álcool, o tabaco e mesmo as drogas, a se tornarem produtos de grande importância estratégica internacional no âmbito comercial e polÃtico. Até hoje, psicotrópicos, como barbitúricos, ansiolÃticos e antidepressivos, são amplamente receitados. Em meados do século XX, com o progresso da ciência médica, foram descobertas as primeiras drogas sintéticas, chegando-se ao ácido lisérgico (LSD), que passou a ser ingerido em quantidades mÃnimas com finalidades medicinais.
Foi a partir da colonização do chamado “Novo Mundoâ€, fortemente influenciada pela Igreja Católica, que se iniciou o processo de proibição. Plantas consideradas “sagradas†passaram a ser alvos dos colonizadores, sob a justificativa de que os indÃgenas deveriam ser catequizados. É essa a possÃvel origem da polÃtica proibicionista da modernidade, não sendo à toa que um dos pilares morais do combate à s drogas veio da influência do protestantismo norte-americano econômico.
Em 1909, a China foi o palco da primeira conferência internacional que debateu um possÃvel controle das drogas, a começar pelo ópio e seus derivados, como a morfina e a heroÃna. Talvez tenha sido um reflexo da conhecida Guerra do Ópio, onde a Inglaterra disseminou o uso massivo desse subproduto da papoula como droga anestésica, o que gerou sérios impasses econômicos e sociais na China. Até meados do século XVIII, convém frisar, o ópio era utilizado naquele paÃs apenas medicinalmente.
PaÃses como a Inglaterra, a França e a Alemanha foram cedendo à s pressões diplomáticas dos EUA até que, em 1961, a Convenção Única da ONU universalizou definitivamente a proibição. Foi, portanto, a partir do ideal de abstinência e de virtude, imposto pelo modelo de uma possÃvel sociedade sem vÃcios, que a cultura branca protestante anglo-saxônica passou a identificar os consumidores, mesmo de tabaco e álcool, como pertencentes a classes sociais inferiores, além de ligar o consumo à prostituição e aos desempregados. Desrespeitaram-se modos de vida e culturas alternativas, como a indÃgena.
Desde 1914, o uso de psicoativos sem finalidades medicinais passou a ser expressamente proibido nos EUA. Textos legislativos criaram a figura do traficante e transformaram em crime o consumo sem permissão médica. Em 1919, veio a Lei Seca nos EUA, o que só aumentou o consumo de bebidas alcoólicas, além de ser o estopim para o surgimento da máfia. As primeiras leis penais na Europa surgiram nesse perÃodo.
Não muito tempo depois, paÃses como a BolÃvia, Equador, Colômbia, Peru e Venezuela acataram a exigência proibitiva nos EUA. Entre os anos de 50 e 70, as polÃticas antidrogas endureceram seu controle, o que não significou a redução de consumo, sobretudo porque esse perÃodo ficou marcado por grandes transformações culturais com os movimentos de contracultura, pacifistas e de liberação sexual, colocando em xeque os padrões morais da época. Nesse perÃodo, os alvos preferenciais do combate à s drogas foram os chamados subversivos (contestadores, hippies, artistas e “desajustadosâ€), além dos ex-combatentes da Guerra do Vietnã.
Década de 70
Na década de 70, sobretudo a partir do governo Richard Nixon, os EUA passaram a ver o combate à s drogas como um de seus alvos militares, o que significou o aumento da repressão e da justificativa para invadir paÃses da América Latina, acusados de serem produtores e, portanto, perigosos. Um dos exemplos mais conhecidos é o do combate ao Cartel de Cali, na Colômbia, em que o alvo principal era, na prática, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARCs).
De acordo com especialistas, observou-se um viés social-racial muito intenso no combate à s drogas, enquanto o consumo, sobretudo nos EUA, não parou de crescer até os dias de hoje. Dessa forma, os negros foram associados à cocaÃna, os chineses ao ópio, o álcool aos irlandeses e a maconha (marijuana) aos mexicanos, historicamente estigmatizados de “indolentesâ€, “preguiçosos†e “agressivosâ€. Além de desempregados e criminosos, os grupos étnicos vistos como “ameaçadores†dos valores clássicos da América branca e puritana também não escaparam dessa estigmatização.
Historicamente falando, acredita-se que imigrantes mexicanos nos EUA foram os que introduziram o fumo da erva cannabis nos EUA nas primeiras décadas de 1900. Devido à grande recessão econômica que assolou os EUA na década de 30, a imigração mexicana passou a ser combatida, tendo aumentando o preconceito contra os mexicanos e latinos em geral, que passaram a disputar empregos com os brancos americanos.
O “Plano Colômbiaâ€, lançado pelos EUA em 1999, e o atual “Plano Méridaâ€, iniciado no México em 2008, são conseqüências polÃticas do histórico modelo proibicionista. Os EUA, para supostamente combater o narcotráfico nos paÃses andinos, investem bilhões de dólares, sem que o mercado ilÃcito de drogas reduza seu poder de fogo polÃtico, social e econômico.
Eleições no México
Retornando à s próximas eleições presidenciais no México, que será tema para um próximo artigo, a suposta luta do presidente Felipe Calderón ao crime organizado, colocada em prática há algo em torno de cinco anos, não passou de um “fracassoâ€. É o que revelou, inclusive, o documento “Nem segurança, nem direitos: execuções, desaparecimentos e tortura na guerra contra o narcotráfico no México”, lançado recentemente pela organização norte-americana Human Rights Watch (HRW).
De acordo com ele, a ofensiva aos cartéis do narcotráfico intensificou o “aumento drástico (no número) de violações aos direitos humanos”. O documento revelou ainda que, desde 2006, quando assumiu o poder, Calderón tem enviado militares para as ruas, o que provocou “um aumento dramático da quantidade de assassinatos, torturas e outros terrÃveis abusos por parte das forças de segurança”.
Enquanto o discurso polÃtico do governo mexicano é o de que a repressão contra o narcotráfico faz parte de sua polÃtica de luta irrestrita a favor da paz social, o que anda acontecendo no México, na prática, é a justificativa de um combate incansável ao crime organizado para camuflar a já chamada “guerra de baixa intensidadeâ€, onde todos os chamados “inconformes†sejam presos, torturados e assassinados indiscriminadamente, tanto pelas forças de segurança governamentais, como pelos paramilitares.
Guga Dorea é jornalista e sociólogo. Atualmente é colaborador do projeto Xojobil, além de educador e articulista na área da inclusão social. |