Comércios e escolas na zona leste fecham as portas em obediência a uma ordem da facção criminosa ThaÃs Nunes
thais.nunes@diariosp.com.br
Não existe comprovação oficial, mas para os moradores de Cidade Tiradentes, extremo da Zona Leste, bastou o boca a boca para que todos entendessem o recado. Desde esta quarta-feira, o bairro se rendeu a uma possÃvel imposição do crime organizado para que estabelecimentos comerciais, postos de saúde e escolas baixassem as portas.
O toque de recolher seria uma retaliação à ação da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) na noite de segunda-feira, quando seis pessoas foram mortas em uma suposta troca de tiros na Favela Tiquatira. A PM diz que 14 pessoas estavam reunidas no local para articular o resgate de um preso. Todos os suspeitos teriam relação com o PCC (Primeiro Comando da Capital).
Investigação do DHPP (Departamento de HomicÃdios e Proteção à Pessoa) constatou indÃcios de que pelo menos um dos suspeitos foi executado na Rodovia Ayrton Senna. O sargento Carlos Aurélio Thomaz Nogueira e os soldados Levi Cosme da Silva e Marcos Aparecido da Silva foram presos por homicÃdio e tortura.
Entre os mortos estava José Carlos Arlindo Junior, 35 anos, acusado de executar um professor de capoeira na UTI do Hospital Cidade Tiradentes em 2008. Junior era integrante do tribunal do PCC e julgava quem seria punido pela facção, além de ser um dos criminosos mais influentes do bairro.
BOATOS/ Assim que a prisão dos PMs foi anunciada, boatos  sobre ataques iminentes começaram a se espalhar. De acordo com os moradores, o “salve†(recado, na gÃria do PCC) foi passado por traficantes em motocicletas.
A cúpula da Secretaria da Segurança Pública nega. “Não há e não haverá toque de recolher em São Pauloâ€, diz a pasta, que não reforçou o policiamento no bairro, mesmo com a UBS (Unidade Básica de Saúde) e as principais escolas municipais e estaduais de portas fechadas.
A PolÃcia Civil recebeu denúncia de que criminosos invadiram um ônibus a procura de PMs em Itaquera, mas o caso não foi registrado. Onze pessoas foram conduzidas até o 54º DP (Cidade Tiradentes) e liberadas após averiguação.
Comércios e escolas nos bairros de Guaianases, São Miguel Paulista, Itaquera e CangaÃba também fecharam mais cedo. O secretário da Segurança Pública, Antonio Ferreira Pinto, garante que o risco de atentados orquestrados pelo PCC é zero.
PCC não quer confrontar o Estado, garante especialista
O cientista polÃtico Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública e crime organizado, garante que o PCC não tem interesse em confrontar o Estado. De olho nos lucros, a facção criminosa não permitiria que lideranças de bairro comprometessem o movimento de todo o partido para vingar a morte de um integrante. “O PCC controla várias cadeias e não ganharia nada com novos ataquesâ€, explica.
Apesar da ameaça ser, até o momento, mera especulação, Mingardi critica a inércia da Segurança Pública. “Em 90% dos casos não passa de boato. Se a população está insegura, é dever do Estado aumentar o policiamento, colocar uma viatura na porta da escola e garantir que o crime organizado não vai interferirâ€, analisa.
Mingardi também faz questão de tranquilizar a população. “Em 2006, os alvos eram as forças de segurança, não o cidadão comum. Quem mais matou civis foi a própria polÃcia.â€
O comando do 28º Batalhão, responsável pelo patrulhamento de Cidade Tiradentes, informou que manteve suas atividades dentro da normalidade e a situação era tranquila.
Antonio Ferreira Pinto, secretário da Segurança Pública, analisa o PCC como uma organização criminosa sem expressão, que já teve força no passado, mas atualmente está controlada. “Existe uma glamourização do crime. Os lÃderes desse grupo estão na cadeia e não oferecem perigo.â€
MARCELLE SOUZA
DE SÃO PAULO
Moradores da Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, vivem momentos de tensão, com comércios e escolas fechados e ruas vazias, desde a noite de terça-feira (29). O toque de recolher teria sido imposto em represália à morte de seis suspeitos durante uma troca de tiros com policiais da Rota na noite de segunda (28).
“Como vingança, os bandidos impuseram o toque de recolher no bairro, informando que atacariam o Batalhão de PolÃcia e quem ficasse na rua sofreria as consequências. O clima é de muita apreensão”, diz um morador que preferiu não se identificar.
Por causa dos boatos, as escolas estaduais Salim Farah Maluf e Pedro Taques e a EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Mailson Delane suspenderam as aulas nesta quarta-feira. As três unidades funcionaram normalmente na manhã de hoje, mas decidiram parar na perÃodo da tarde por receberem ameaças ou porque os pais avisaram que não iriam mandar os filhos para a escola.
Os moradores relatam que outras unidades também fecharam as portas. “O que nós trabalhadores, que precisamos de nossos filhos na escola, temos a ver com isso? Os bandidos então têm o poder? Cadê a segurança nas escolas para quando acontecer esse tipo de situação?”, questionou a mãe de uma aluna.
Eduardo Anizelli/Folhapress | ||
Policiais da Rota na frente de lava-rápido onde seis pessoas foram mortos em confronto com a polÃcia |
Na noite de ontem, ruas ficaram vazias. Ao menos dez estabelecimentos comerciais fecharam antes do horário nesta quarta-feira –normalmente encerrariam os trabalhos à s 20h.
Funcionários e passageiros informaram que, diante de ameaças, o terminal de ônibus da região fechou ontem às 20h e só retomou as operações hoje de manhã. A SPTrans, porém, nega o fechamento.
Na noite de hoje, os vários alunos da Universidade São Judas, na Mooca, zona leste, decidiram sair mais cedo por causa do toque de recolher.
A Secretaria Municipal de Educação disse que as escolas “abriram normalmente”, mas que “algumas famÃlias preferiram não enviar seus filhos e outras retiraram as crianças ao longo dos perÃodos”.
A Secretaria de Estado da Educação disse que “circunstâncias de fechamento serão avaliadas”. Segundo a pasta, a diretoria regional de ensino orientou as escolas a continuarem em funcionamento.A PolÃcia Militar diz que não registrou nenhuma ocorrência relacionada ao toque de recolher desde a noite de ontem.
TIROTEIO
Uma equipe de 24 policiais da Rota chegou a um lava-jato na Penha na noite de segunda (28) a partir de uma denúncia feita para o quartel da companhia. Segundo a polÃcia, o grupo planejava uma ação para libertar um detento que seria transferido do CDP (Centro de Detenção Provisória) do Belém, na capital paulista, para a Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (611 km de SP).
Na entrada, encontraram um homem, que entregou a arma e não resistiu à prisão. Quando entraram no estabelecimento, o grupo teria começado a atirar nos policiais, que revidaram. Nenhum policial ficou ferido na ação.
A ação terminou com seis suspeitos baleados. Todos foram socorridos, mas um dos carros da Rota desviou do caminho para o hospital. Três policiais pararam o veÃculo no km 1 da Ayrton Senna, onde começaram a agredir o suspeito ferido, de acordo com relato de uma testemunha à polÃcia.
Os três policiais da Rota foram presos sob suspeita de torturar e matar o homem detido após o tiroteio.
Colaborou AFONSO BENITES
Editoria de Arte/Folhapress | ||